Anne Boleyn (1500-1536), ou Ana Bolena, como é conhecido seu nome aportuguesado, já foi vivida nas telas de formas diferentes. Vanessa Redgrave não tinha falas, apenas risos nervosos, em 1966. Charlotte Rampling deu mais complexidade ao sorriso enigmático da inglesa em 1972. E a versão mais mundana da série de TV The Tudors, vivida por Natalie Dormer, adiciona luxúria à receita.
Natalie Portman, que tem a testa pronunciada igual à da Ana Bolena dos óleos do século XVI, pega um pouco da luxúria, um pouco da falsa ingenuidade e um pouco do sorriso perverso para trazer Ana Bolena de volta ao cinema em A Outra (The Other Boleyn Girl, 2008). E ela adiciona um ingrediente dos nossos tempos: o girl power. Como nunca, Ana Bolena se mostra um motor de persuasão.
a outra
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E quem sofre com suas manipulações não é apenas o Rei Henrique VIII da Inglaterra (Eric Bana), que abre mão de filho, esposa e até mesmo da estabilidade de sua nação em nome da sedutora Ana. Quem sofre mais é a tal outra Bolena do título: Mary Boleyn (1499-1543), ou Maria, interpretada por Scarlett Johansson. Maria é costumeiramente tratada como coadjuvante pelos livros de história, mas a sua briga com a irmã Ana pela atenção de Henrique é o centro de A Outra.
O roteiro adaptado por Peter Morgan (O Último Rei da Escócia) a partir de romance de Philippa Gregory condensa muitos anos de história em quase duas horas de filme para conferir vertigem a um vaivém de traições e arrependimentos. Não há muito espaço para personagens multi-facetados aqui - Ana é a inescrupulosa, Maria a santa, e Henrique o otário. Em seu primeiro trabalho no cinema, o diretor Justin Chadwick, egresso da TV, privilegia as intrigas ao desenvolvimento de personagens.
E não é chatice de crítico exigir que um filme seja mais do que um folhetim filmado. Usar sempre zoom-in acompanhado de trilha para se aproximar de personagens uma hora não basta mais. Chadwick teve permissão para rodar na antiga e histórica Lacock Abbey, na vila de Lacock, Inglaterra, o que talvez explique sua mania de usar externas da fachada para fazer a transição entre cenas, um recurso que vem da linguagem be-a-bá da televisão mas que no cinema não é mais do que uma precariedade de estilo. É um tal de interna no quarto, corta para externa da fachada, corta para interna no quarto, que chega a ser burocrático.
Ao fim do filme, fazendo um esforço para reter uma imagem mais elaborada que seja de A Outra, fiquei com a impressão de que desfilam na tela três retratos pintados de Henrique, Maria e Ana. O rei está sempre inclinado, com o rosto afundado nas mãos, envergonhado debaixo de muitas roupas por sua frouxidão. De Maria, por sua vez, fica o close-up insistente a meia-luz, ressaltando a falta de expressão das sobrancelhas de Scarlett e a boca semi-aberta de quem vive rendida pelos acontecimentos. E a imagem-símbolo de Ana é o perfil, quase uma pose de costas, reforço de sua aura de mistério.
A Outra é, como muitos filmes ingleses de época, essa pintura insossa que revela esmero na composição, na estática, mas não sabe se pôr em movimento. E um filme que carrega na maquiagem a ponto de não conseguir se mover é a coisa mais triste do mundo.
Ano: 2008
País: Reino Unido, EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 115 min
Direção: Justin Chadwick
Roteiro: Peter Morgan
Elenco: Natalie Portman, Scarlett Johansson, Eric Bana, Jim Sturgess, Kristin Scott Thomas, David Morrissey, Benedict Cumberbatch, Eddie Redmayne, Michael Smiley, Juno Temple, Andrew Garfield, Mark Lewis Jones, Alfie Allen