Quando virou personagem de ficção em Adaptação, Robert McKee, o guro das palestras de roteiro, disse aos seus alunos: "Deus ajude vocês se incluirem narração em off em seus filmes. Qualquer idiota pode escrever em voice-over para explicar os pensamentos dos personagens".
Bem, desdizendo McKee, narração em off nem sempre é um problema. Texto falado só é redundante quando reforça o que as imagens já dizem. As Leis de Família (Derecho de Familia, 2006), ao contrário, nos seus primeiros minutos, usa a narração para comentar as imagens.
leis de familia
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Perelman filho (Daniel Hendler) nos conta quem é Perelman pai (Arturo Goetz). Advogado das causas mais variadas, Perelman pai é respeitado nos tribunais de Buenos Aires. Querido pelas despachantes, amigo das pessoas que importam, venerado pelos clientes que já defendeu. Perelman pai é uma lenda - isso nos conta, vale repetir, o seu filho.
Advogado também, Perelman filho dá aula de Direito a adolescentes. Ele se interessa - e confidencia no ouvido do espectador - por uma aluna em especial, Sandra (Julieta Díaz). Certo dia Sandra se enrola em um processo legal. Perelman filho se dispõe a defendê-la; ganha a causa com a ajuda do pai. Sandra aceita se casar com Perelman filho, num movimento de elipses (o noivado não é mostrado, nem a cerimônia) que deixa implícito um certo sentido de favor retribuído.
Até aqui, quase meia hora de filme, a trama é acompanhada da voz do narrador. É essencial que o cineasta argentino Daniel Burman (Esperando o Messias, O Abraço Partido) nos apresente os dois personagens desse modo. O off, o filho falando do pai e de si, é a ferramenta para que possamos compreender a distância hierarquizada que separa os Perelman.
Mas chega um momento em que o narrador se cala. E é quando a trama começa de fato: Perelman filho está casado com Sandra, tem um menino pequeno, e Perelman pai dá indícios de que assumirá em breve o papel do avô aposentado. É aí também que sabemos os primeiros nomes: Perelman pai é Bernardo, Perelman filho é Ariel. A hierarquia meio que se desfaz e um ciclo de vida urge a se completar. O narrador se aquietou porque chegou a sua hora de "atuar".
As Leis de Família renova o velho tema édipo-freudiano - para se afirmar como indivíduo, o filho precisa "matar" o pai - com esse interessante recurso narrativo. A verborragia e a velocidade dos planos do início do filme dão lugar a silêncios introspectivos e tempos mais vagarosos perto do fim. Literalmente, nesse caminho à maturidade, Ariel terá que encontrar a própria "voz".