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Baixio das Bestas

Cláudio Assis desqualifica o ser humano com estilo

10.05.2007, às 17H00.

Seja na capital ou no campo, o desencanto com a paisagem humana é o mesmo. Depois de nos apresentar aos instintos mais baixos dos recifenses em Amarelo Manga, o cineasta pernambucano Cláudio Assis mostra em Baixio das Bestas que a perspectiva na Zona da Mata não é muito melhor. Especialmente porque ali o tempo - o senhor de qualquer mudança - não passa.

Caminhões com a carga da cana-de-açúcar cortada atravessam a cena o tempo inteiro. É o indicativo de movimento. Já quem mora na vizinhança da Usina Cruangi, e não está de passagem, nasceu e morrerá no mesmo lugar. Tem o velho que cuida da neta incorporando, ao mesmo tempo, o carcerário, o cafetão e o incestuoso. Há os agroboys que passam o dia batendo punheta no cinema abandonado. E as prostitutas que passam a tarde esperando ansiosas pela orgia da noite. Com os caminhões, outro único indício de evolução: a plantação de cana que cresce, amadurece, colhe-se e queima.

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Você pode chamar Cláudio Assis de putanheiro e mal-intencionado, mas não pode dizer que ele desconhece o que está fazendo. O cineasta e a sua equipe dominam câmera, lente e corte. Com as tomadas fixas no tripé, atores no meio do plano sem muita movimentação, enquadrados com rigor, ele nos transmite o engessamento do tempo de forma limpa. Com a opção pelo formato cinemascope (lente que alarga as horizontais, para fazer o filme caber na tela inteira na hora de exibir), ele apequena ainda mais as pessoas na paisagem fixa. Com a montagem dinâmica, contrapondo planos gerais da plantação e da estrada à encenação propriamente dita, ele nos mostra que o tempo está, sim, passando. É só aquela gente vil do baixio, com referencial corrompido, que não vê.

A certa altura o agroboy vivido por Matheus Nachtergaele, na cabine de projeção do velho cinema, olha para a câmera, para nós, enquanto fuma seu baseado, e solta: "o bom do cinema é que você pode fazer o que quiser". Poder, pode - a questão é saber como. Assis amadurece do primeiro para o segundo longa, mas não dá pra dizer que ele virou um acadêmico - com sorte, jamais se dirá. A prioridade é a controvérsia, e tome nudez, palavrão, violência. Homem nasceu mesmo para o mal. Dramaturgicamente, cria-se até um impasse: não há surpresa possível quando os personagens fazem o que já se espera deles.

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