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Crítica

Crítica: Independência

Filipino emula a estética dos filmes em preto e branco para repassar a história do país

04.11.2009, às 06H00.
Atualizada em 02.12.2016, ÀS 09H00

O arquipélago das Filipinas sofreu colonização espanhola por 300 anos, e em 12 de junho de 1898 foi declarada a independência. Naquele mesmo ano, porém, os EUA invadiram o país, ocupação que durou mais 48 anos. No cinema, nas primeiras décadas do século passado, muitos filmes eram encenados com fundos pintados, câmera à distância como se respeitasse um proscênio teatral, e muita maquiagem.

É só isso que você precisa saber sobre a história das Filipinas e do cinema para começar a apreciar o desde já cultuado Independência, de Raya Martin.

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O segundo filme do diretor filipino de 25 anos dentro de uma trilogia sobre a história do país segue a linha estética do primeiro, Maicling Pelicula Nang Ysang Indio Nacional (2005). Se no anterior, para falar da ocupação espanhola, Martin usou a estética típica dos filmes mudos, inclusive com cartelas e câmera estática, agora ele se volta para os anos da invasão dos EUA - e emula os primeiros filmes sonoros em preto-e-branco.

Como diz uma mãe a seu filho no começo do filme, quando eles estavam festejando a independência com o resto do vilarejo mas precisam partir para a mata antes da invasão ianque, não basta o menino acompanhá-la, é preciso que ele acredite nela. O anacronismo da estética proposta por Martin certamente causa estranhamento no início - mas depois de um tempo ela tem o dom de nos convencer.

Fica difícil saber exatamente quanto anos transcorrem na mata, onde mãe e filho se refugiam e onde aprendem a sobreviver. Sabemos só que eles socorrem uma garota, que se tornará esposa do homem da casa, e depois mãe de uma criança. Os pesadelos que os personagens têm à noite - e o próprio curso da história - indicam que tudo pode não terminar bem.

Raya Martin filmou em preto e branco com duas dezenas de cenários mínimos como este, sempre tendo o pano de fundo pintado, mas em alguns momentos alterava o ângulo ou a distância de filmagem. Como Independência se divide em dois (não há uma literal separação em capítulos, mas uma quebra na narrativa no meio do filme), é possível identificar diferenças na encenação entre a parte um e a parte dois.

Na primeira - o reconhecimento da floresta pelos personagens - a câmera respeita mais a distância cênica, como se respeitasse a floresta em si, não aproxima depois o zoom em detalhes da fauna, e mantém sempre o mesmo eixo na hora da câmera movimentar lateralmente o olhar. Já na segunda parte - o domínio da floresta - Martin permite trilhos para mover a câmera, dá o close-up em animais e já não fica tão distante da ação.

Podem parecer minúcias aborrecidas, mas essas pequenas mudanças de mise-en-scéne - dentro de uma estética rigorosa, como essa dos filmes antigos, qualquer mudança é perceptível - ajudam a dar vida à floresta na parte dois. Não por acaso, é o mesmo corte de estrutura que acontece em outro filme sobre natureza e memória, Mal dos Trópicos. É como se, uma vez dominada pelo homem, a mata revelasse sua verdadeira complexidade. A cena da tempestade de vento e trovões pode ser interpretada como uma alegoria para o massacre ianque, mas prefiro vê-la como o clímax natural de um filme sobre a transformação que o contato do homem com o mundo provoca em ambos.

E é impressionante como, desde o começo, Martin nunca abriu mão dos recursos mais básicos para contar essa história - e ainda assim ela se torna tão crível diante da gente. Na cena da tempestade, temos apenas efeitos de luz para ampliar a dramaticidade do vento e da água. É o artifício mais básico do cinema, mas ainda assim, pela forma como Independência veio se construindo, e principalmente acreditando nessa construção, o filme nos faz crer que o artifício tem muito de verdade.

Mais do que um libelo pátrio, é uma defesa da própria arte.

Leia mais críticas da Mostra 2009

Nota do Crítico
Ótimo
Independência
Independencia
Independência
Independencia

Ano: 2009

País: Filipinas

Classificação: LIVRE

Duração: 77 min

Onde assistir:
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