Filmes são, ainda que inconscientemente, e mesmo os mais alienados, produtos inequívocos de seu tempo. A comédia romântica Eu Te Amo, Cara (I Love You, Man, 2009) - possivelmente a primeira e última do gênero que tem homens como público-alvo - não é uma exceção.
Meses antes de se casar, Peter Klaven (Paul Rudd) percebe que não tem um melhor amigo para escolher como padrinho. Passou a vida inteira de namorada em namorada e não tem aquele sentido de união entre caras numa noite de pôquer e bebedeira. Desesperado, Peter parte à caça de amigos - e encontra em Sydney Fife (Jason Segel), por acaso, sua alma gêmea.
rashida jones
paul rudd
jason segel
O bromance - ou "amor de irmão", termo em inglês cunhado nos anos 90 para traduzir aquele tipo de paixão assexuada entre dois homens que se gostam pra cacete - de Eu Te Amo, Cara está em sintonia com o de Segurando as Pontas ou Superbad, filmes em que o apego fraternal é visivelmente mais forte do que a atração pelo sexo oposto. O que o filme de John Hamburg (Quero Ficar com Polly) faz é colocar o bromance como tema principal.
E aí entra a questão do momento histórico. Não é novidade que a hombridade se fragiliza há décadas. Desde o movimento feminista dos anos 70, e a consequente masculinização da mulher (pela cultura pop, pelo mercado de trabalho), homens vêm perdendo identidade. Hoje, entre modismos incertos como o metrossexualismo, a psicanálise já fala até em terceirização: a classe média desaprende velhas "tarefas de homens" - porque afinal hoje temos prestadores de todo tipo de serviços para executá-las - e a crise do macho chega ao ápice. Se um homem não sabe nem trocar pneu, de que serve para as mulheres?
Uma vez que os sexos se igualam, não há mais o "dominante" e o "frágil". E Eu Te Amo, Cara está em total sintonia com essa percepção. Não por acaso, o filme se desenvolve como se tivessem sido os signos invertidos: Peter caça amigos e flerta com eles, em jantares e encontros às cegas, como se estivesse atrás de uma mulher. A própria estrutura da história é tradicional, quatro atos: encontro-paixão-ruptura-reconciliação. A diferença para todas as outras comédias românticas é que o "casal" não se beija na cena final.
Não é, porém, uma mera troca de sexo. Peter e Sydney são homens de seu tempo também: sensíveis (Sydney se masturba com camisinha porque não faz sujeira e dura mais) e carentes (a forma como se chamam por apelidos atrás de intimidade). Há uma conexão ancestral entre eles, um vestígio de virilidade (o culto à banda que já teve dias melhores), mas no mundo feminino de hoje convém deixar esses ímpetos de preferência na garagem.
Eu Te Amo, Cara não é perfeito. A direção sem rigor de Hamburg e o excesso de diálogos visivelmente improvisados dão a impressão de que o filme pode se interromper a qualquer minuto, de que se filma a esmo. É aquela coisa, típica das comédias de constrangimento da geração de Will Ferrell, das piadas que se alongam mais do que o normal e dos atores que estão visivelmente se divertindo (por vezes mais do que o espectador) mas não parecem levar a sério a história que encenam. Pois deveriam, porque a crise do macho é um assunto seríssimo.
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