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Crítica

Dirigindo no Escuro | Crítica

É possível comparar Woody Allen com Didi (?)

07.08.2003, às 00H00.
Atualizada em 08.11.2016, ÀS 04H04

Sucesso nos anos 70 e 80, Woody Allen e Didi construíram impecavelmente suas personas. Comparação forçada? Pois as trajetórias dos dois comediantes seguem caminhos semelhantes. Com a idade, veio o desgaste - e aquilo que era entendido como genialidade se tornou uma caricatura. O malandro nordestino soçobrou com o fim dOs Trapalhões, o neurótico novaiorquino perdeu o timing da acidez ao se associar à megaprodutora de Steven Spielberg, a Dreamworks.

Hoje, Didi aproveita seus filmes para fazer humor inofensivo e tirar uma casquinha das modelos do momento. Allen também, como pode comprovar o personagem Val Waxman de Dirigindo no escuro (Hollywood ending, 2002), que contracena com as musas Debra Messing (Will & Grace), Téa Leoni e Tiffani Thiessen (Barrados no baile, Fastlane), e investe no humor físico de quedas, tombos, topadas e empurrões. Em comparação com as crônicas sociais e a mordacidade com que o ator e diretor tratava tabus em outros tempos, essa é uma transformação e tanto.

Na trama, o genial cineasta Waxman amarga o ostracismo. Suas excentricidades não são bem vistas pelos executivos. Mas a produtora Ellie (Téa), ex-mulher de Waxman, atual noiva do chefão do estúdio, tem o plano para um grande retorno: contratá-lo para dirigir um filme sobre Nova York, tema que o diretor domina. Depois de certa discussão, justamente no primeiro dia de filmagens ele é acometido de cegueira psicossomática, espécie de perturbação psíquica. O diretor não pode correr o risco de outro revés em sua carreira, defende seu agente. Começa, então, a saga de Waxman para comandar, cego, uma produção hollywoodiana.

Em comparação com os outros dois filmes seus feitos com a Dreamworks, Trapaceiros (Small Time Crooks, 2000) e O Escorpião de Jade (The Curse of Jade Scorpion, 2001), Dirigindo no escuro pode até ser considerado mais rebuscado - por conter piadas e situações familiares apenas àqueles que conhecem a indústria do cinema. Pois, atualmente atacado pela crítica e pouco visto pelo público, Allen É Waxman. O teor autobiográfico é recorrente em suas obras. Essa proposta metalingüística, que mistura real e ficção, é promissora. Mas os debates que pontuam o início do filme, em torno da dicotomia arte/entretenimento, como na conversa sobre Hitchcock, logo se esgotam.

A cada instante, cada vez mais, o humor físico ganha o espaço da inteligência. E o filme termina, como seus dois antecessores de 2000 e 2001, em um monótono e previsível tom romântico. Diante de elementos desnecessários, como um filho de Waxman surgido sem explicações nos momentos finais da história, fica evidente que Allen, bem como seu alter ego, perdeu mesmo o pique. Ainda mantém certa vitalidade nas piadas disparadas sobre temas variados (que, na verdade, não fazem falta nem enriquecem a trama), mas tal instrumento costuma irritar, pela artificialidade, os espectadores não familiarizados com os solilóquios de um Allen centralizador.

Com o tipo de comédia mais palatável de Dirigindo no escuro, ele visa o público médio. Algumas piadas arrancam riso pelo tipo físico do ator, seus trejeitos, como na cena em que Waxman assiste abismado aos copiões finais da filmagem cega. Mas não espere algo parecido com um Crepúsculo dos deuses (Sunset Blvd., de Billy Wilder, 1950) do novo milênio, um manifesto rebelde contra a indústria do cinema vindo da própria máquina hollywoodiana. Não foi desta vez que Allen conseguiu aliar equilibradamente o artístico e o popular, o sonho que divide com Waxman.

Vale mais a pena apostar que ele, cada vez mais, seja como um Didi, que elegeu Jacaré e Bam-bam como parceiros. Duvida? Em Anything Else, seu novo filme, ele contracena com Jason Biggs (American Pie), Jimmy Fallon...

Nota do Crítico
Regular
Dirigindo no Escuro
Hollywood Ending
Dirigindo no Escuro
Hollywood Ending

Ano: 2002

País: Estados Unidos

Classificação: LIVRE

Duração: 114 minutos min

Direção: Woody Allen

Roteiro: Woody Allen

Elenco: Téa Leoni, Bob Dorian, Ivan Martin, Gregg Edelman, George Hamilton, Treat Williams, Woody Allen, Debra Messing, Neal Huff, Mark Rydell, Douglas McGrath, Stephanie Roth Haberle, Bill Gerber, Roxanne Perry, Barbara Carroll, Aaron Stanford

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