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A ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência do Brasil, por si só, já seria emblemática. Afinal, pela primeira vez na história nacional, um partido forjado dentro de uma linha pragmática de esquerda ganha corpo e importância máxima no governo.
Imaginar que num país preconceituoso como o Brasil um torneiro mecânico fosse eleito presidente era algo quase onírico e utópico. Mas, de fato, isto aconteceu. É fato também que Luis Inácio Lula da Silva é a figura política mais importante no país dos últimos trinta anos. Uma das pessoas mais carismáticas que a vida pública tupiniquim foi capaz de produzir.
Entreatos (2004), de João Moreira Salles, é um documentário que trabalha justamente neste limite: a ambição do PT em se tornar governo e de Lula se consolidar em seus últimos momentos de campanha em 2002, quando finalmente estava muito próximo de vencer a eleição. A equipe de produção acompanhou o então candidato entre 25 de setembro, dias antes do primeiro turno, e 27 de outubro daquele ano, quando foi eleito presidente.
Se Entreatos não serve para eximir Lula e o PT após dois anos de governo e de toda a expectativa que sua vitória gerou na população brasileira, ao menos serve para confirmar que o então candidato sabia muito bem qual era a receita para a vitória contra José Serra. É o show pessoal de Lula.
Ao final de 2004, já sabemos que o presidente gosta mesmo é de um trago de tempos em tempos e que o marketeiro de então, Duda Mendonça, faz sua fezinha em galos gladiadores. Portanto, a declaração de ambos afirmando estas preferências em 2002 aparece ainda mais irônica. Mas João Moreira Salles não é leviano. Sua edição, em nenhum momento, tenta ser tendenciosa ou denegrir a imagem do PT ou de Lula. Faz a lição clássica do documentário tradicional: apenas observa.
Observa os bastidores da campanha presidencial, as viagens, a conversa de Lula com empresários (muitos dos quais o abominavam tempos atrás), seu bate-papo com os trabalhadores. Mostra também um candidato mais maduro, sem medo de abandonar alguns discursos rancorosos (ele até faz mea-culpa no filme). Mostra um homem disposto a vencer, abandonar a fama derrotista que o acompanhava.
Além disto, Entreatos revela todo o humor de Lula - são sensacionais sua brincadeira de conversa com Bush filho e a oportunidade em que põe José Dirceu numa saia justa com a imprensa internacional. Reuniões reservadas, encontros familiares, bastidores das gravações dos programas eleitorais, conversas no avião de campanha, tudo é monitorado (foram mais de 240 horas de imagens gravadas). E Lula se exibe para a câmera com maestria.
Por tudo isto, Entreatos apresenta três vidas do mesmo homem: um Lula histórico, próximo de ganhar a Presidência; um Lula brincalhão, que não perdoa ninguém com suas piadas; e um Lula ator, ciente de que estava sendo gravado em um momento peculiar. E o poder sabe representar muito bem, sempre. Qual dos três fala mais alto? Faltam mais dois anos de poder para uma resposta definitiva. Mas naquele Brasilzão vamoquevamo de 2002, o ator Lula foi crucial. Como no documentário de Salles.
Autor: João Moreira Salles
Ano: 2004
País: Brasil
Classificação: 10 anos
Duração: 117 min
Direção: João Moreira Salles
Elenco: Lula