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Mais Uma Vez Amor | Crítica

<i>Mais uma vez amor</i>

21.04.2005, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H18

Mais uma vez amor
Brasil -
2005 - 93 min.
Comédia Romântica

Direção: Rosane Svartman
Roteiro: Carlos Lombardi, baseado em texto original de Rosane Svartman, Lulu Silva Telles e Ricardo Perroni

Elenco: Dan Stulbach, Juliana Paes, Paulo Nigro, Juliana Vasconcelos, Christine Fernandes, Erik Marmo, Betty Lago, Rosane Goffman, Bruna Marquezine, Hélder Agostini, Hugo Carvana, Cristina Pereira, Antônio Pedro, Heitor Martinez, Dalton Vigh, Marina Person

Sem medo de errar, dá pra dizer que o filme Cidade de Deus foi um divisor de águas no território do novíssimo Cinema Novo pós-Retomada (alguns teóricos entendem que, após o esvaziamento de caixa da Era Collor, o filme O Quatrilho foi o marco inaugural desse novo fôlego). O longa de Fernando Meirelles resgatou a brasilidade amarga de um país em convulsão, desigual em suas artérias, e a ideologia estética libertária dominante em décadas remotas cedeu lugar à pressão da força de seu trezoitão. Isso porque nosso país estava se acostumando à postura relativamente acomodada das chanchadas da época da ditadura, em que as críticas sociais eram veladas e os bacanais serviam de metáfora para a necessidade de uma nova ordem e reorganização dos valores éticos e morais. Faltava, até poucos anos atrás, um soco no estômago, uma lente de aumento pra fazer o espectador médio enxergar que a globalização não foi capaz de tirar a terra do pau-brasil da lama. O país do futuro é o país da favela, chafurdado em seus vícios adjacentes ao Cartel de Medelín.

Além dos subseqüentes projetos pra TV, esse filme trouxe na época de sua exibição uma série de produtivos debates sobre o tema. Um dos mais significativos foi intitulado Cosmética da Fome, uma alusão neoglauberiana que serviu de provocação pra defender que os métodos publicitários de filmagem de Cidade de Deus ainda mantinham um distanciamento confortável perante a realidade nua, crua ma non troppo. Mesmo entrando nos núcleos mais violentos do Rio de Janeiro, o filme enxergava o caos com olhar de butique e, ao invés de centrifugar a questão, mantinha-a no seu devido lugar, sustentando a permanência do medo nas classes mais favorecidas.

Graças a toda essa polêmica gerada, que teve suas sementes plantadas em Central do Brasil, houve então praticamente uma cisão entre os realizadores sobre o que deve ser o retrato do país no cinema. Uns mergulharam fundo nas feridas abertas; já outros optaram por uma lógica mais escapista, uma espécie de intervalo entre uma realidade e outra. Já que se acredita que notícia ruim se ouve todo dia e o povo se sente incomodado de assistir ao reflexo de seu cotidiano nas telas, pensou-se em larga escala em reproduzir o rascunho do rascunho daquelas tais chanchadas. Usou-se mais do que nunca a estratégia oportunista e alienante de dar um copy-paste das fórmulas de novelas, um modelo de mera justaposição dos métodos dramáticos televisivos.

Como resultado dessa aposta segura, surgiram trabalhos insignificantes do ponto de vista histórico... e sórdidos do ponto de vista cinematográfico: Avassaladoras, A Partilha, Sexo, Amor & Traição, Viva Voz, Os Normais (nas telonas), entre outros absolutamente esquecíveis. São nada mais do que filmes de apartamento, feitos sobre e para a classe média. Películas blindadas que tentam abordar levemente crises existenciais e desventuras amorosas de galãs da teledramaturgia brazuca, mergulhados em seus laptops e em seus copos de uísque, promovendo dionísicas festas em seus condomínios fechados.

Filme contido

Mais Uma Vez Amor, novo filme da carioca Rosane Svartman (Como Ser Solteiro), respaldado pelo sucesso teatral da montagem homônima, não foge a essa regra confortável e acomodada de se fazer a dita comédia romântica no país dos Cavalcantis e dos Comandos Vermelhos. Trata-se da história de amor entre Rodrigo (Dan Stulbach) e Lia (Juliana Paes), que se conheceram no dia 23 de abril de 1986 (na versão original de teatro, esse enlace se dá nos anos 70) e, a partir desse encontro, motivado por sensações e interesses totalmente diferentes, prometeram um ao outro se encontrar neste mesmo dia em todos os anos posteriores, para ver o nascer do sol no Arpoador, Rio de Janeiro. Quem acrescentou esta data à trama adaptada foi o roteirista global Carlos Lombardi, que ficou responsável por deixar a história menos teatral e mais cinematográfica.

O ano do primeiro beijo e da desvirginização palumbina não foi escolhido por acaso. Foi o início do Plano Cruzado, época da euforia fabricada, que trouxe ao povo o frenesi ilusório de superpoderes econômicos. Tudo a ver. A mistura de onipotência com ingenuidade caracterizam bem essa fase púbere. Naquele ano, o brasileiro estava experimentando essa sensação quase inédita de se lambuzar com sua liberdade através dos excessos no consumo. O corre-corre nos supermercados serve de metáfora para a pressa de tirar as roupas nas preliminares do sexo no filme. Na população, havia a crença de uma felicidade duradoura através dos gestos mais hedonistas. Assim como no casal.

Mas a grande salvação de Mais Uma Vez Amor em relação aos sósias supracitados é que se aprendeu a aprimorar os processos de filmagem a partir do próprio gênero. Estruturalmente, nada se modificou. Em seu olhar e na sua montagem, o filme é convencional numa análise mais rigorosa. Mas a tentativa autodidática de corrigir falhas ao invés de perpetuá-las já é uma demonstração de que a lição de casa foi feita. Fez-se um baita inutilia truncat nos exageros cênicos de outrora, nos diálogos falsos e na reprodução límpida e irreal da Cidade Maravilhosa. Mais Uma Vez Amor está mais contido, mais sujo e opaco, portanto, mais crível e mais verdadeiro que os anteriores cartões postais de hotel.

Claro que há ainda certas manias nesse engatinhar rumo ao amadurecimento. A contraposição do casal é um tanto óbvia. Ele, um engenheiro travado que pensa como uma régua. Ela, uma porra-louca que sonha em viajar pelo mundo para degustar a liberdade que foge dos alicerces de cimento. Ele é o terno-e-gravata. Ela, a bata indiana. Essa atração dos opostos, que se dá somente pelo fato de ambos terem polaridades distintas, é batida. O determinismo que rege e ao mesmo tempo aprisiona o futuro de ambos também é de certa maneira questionável. Mas a intensidade dos diálogos e a interpretação dos atores superam os defeitos. A naturalidade da maior parte do elenco é quase inconteste. Dan continua em seu papel tímido e deslocado, mas aprendeu a fugir das caracterizações estigmatizadas evitando fazer tipo de si mesmo. E até a garota-propaganda de cerveja, que tinha tudo pra ser apenas o adjetivo de tal campanha cercado de cenário pra tudo quanto é lado, escapou dessa generalização machista num papel convincente.

Ainda há muito chão pra se chegar ao equilíbrio entre Meirelles e Svartman. Que venham visões mais complexas tentando descobrir se o Rio de Janeiro continua lindo. Aqui nesse caso, pelo menos escapamos de receber o abraço turístico do Cristo Redentor. O amplexo é mais apertado, mais forte, dado por pessoas de carne e osso. Portanto, dá pra sentir seu calor.

Nota do Crítico
Bom
Mais Uma Vez Amor
Mais Uma Vez Amor
Mais Uma Vez Amor
Mais Uma Vez Amor

Ano: 2005

País: Brasil

Classificação: 12 anos

Duração: 96 min

Direção: Rosane Svartman

Roteiro: Carlos Lombardi

Elenco: Juliana Paes, Dan Stulbach, Christine Fernandes

Onde assistir:
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