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Se a Dreamworks de Shrek (2001), com as suas paródias dos contos-de-fada, virou o anti-Disney, então a sua nova animação é o anti-Nemo. Em oposição à história infantil e ingênua do peixe-palhaço, O Espanta tubarões (Shark tale, de Bibo Bergeron, Vicky Jenson e Rob Letterman, 2004) exibe todo tipo de piadinha interna e anarquia debochada. Se Procurando Nemo (2003) é uma típica fantasia de valores edificantes da casa do Mickey, o que interessa aqui são as referências ecléticas que exigem repertório adulto.
É preciso conhecer, neste caso, os filmes de mafiosos, um gênero habitualmente zoado em paródias de carne-e-osso. A sátira a O Poderoso Chefão (1972) fica latente no drama do gracioso tubarão vegetariano Lenny que se vê forçado, como um inepto Michael Corleone, a ingressar nas carnificinas da família. Uma casualidade tipo A Máfia no Divã (1999) coloca a seu lado um ser estranho ao submundo, o peixinho falastrão, metido a malandro, Oscar. Depois de escapar de um predador graças a uma âncora assassina, Oscar inventa que virou o "matador de tubarões". Ganha fama, fãs, fortuna e, para não ser desmascarado por Lenny, aceita ajudar o caçula renegado - como o psiquiatra judeu que doma os gângsteres - a livrá-lo da pressão familiar.
Acompanhar a comédia se torna um exercício ainda mais elaborado na medida em que os personagens assumem as características dos seus dubladores. O tubarão chefão Don Lino tem até a pinta no rosto como o Robert De Niro que lhe dá voz. As sobrancelhas do baiacu escroque Sykes são idênticas às do cineasta Martin Scorsese, outro ítalo-americano famoso por seus filmes sobre a Máfia. O atabalhoado polvo Luca ganha a voz de Vincent Pastore, ator famoso por seus papéis de brutamontes acéfalo, mas as feições do personagem lembram mesmo os gestos mansos e esguios do consigliere Tom, imortalizado em 1972 por Robert Duvall.
Muitas piadas, pouca história
A idéia toda parece criativa, mas O Espanta tubarões tem a infelicidade de adaptar também o maior vício das paródias tradicionais: sobra piada e falta história. Do deslumbramento pela fama até a redenção pelo amor verdadeiro, a lição aprendida pelo protagonista Oscar não tem nada de original. Aliás, essa inversão arriscada - colocar o coadjuvante tagarela no lugar do herói principal - periga sacrificar o filme. Imagine, para ficar no exemplo de Shrek, se o burrico fosse o astro principal e o ogro um escada de luxo. É isso que acontece aqui. Lenny (Jack Black) acaba subaproveitado, inclusive ridicularizado em excesso, e as histrionices de Oscar - seja na voz de Will Smith ou na versão carioca de Paulo Vilhena - cansam rápido para quem já se indispõe diante do tipo rapper bonzão.
Esses detalhes enfraquecem a animação - pelo menos esse round a Disney do bastante superior Nemo leva - mas não comprometem a diversão casual de um sábado à tarde. Atente apenas para o dilema da escolha do áudio. O Espanta tubarões ganha no Brasil trezentas cópias dubladas e quarenta legendadas. Se você dispensar o som original, perde a alma do longa, as vozes de De Niro, Scorsese e companhia. Mas se você optar pelas legendas, prepare-se para a leitura ostensiva da tagarelice de Oscar que faz a grande maioria das sacadas visuais passar batida.
Ano: 2004
País: EUA
Classificação: LIVRE
Duração: 90 min