Meu problema com supercelebridades pop começou quando, na minha festinha de aniversário de 7 anos, notei o desaparecimento repentino de todas as meninas convidadas. Intrigado em minha camisa azul escura com palmeiras brancas, bermuda combinando, percorri a casa apenas para descobri-las aglomeradas e histéricas diante da televisão. No programa do Raul Gil, o Menudo cantava e dançava, sem parar, e pedia que elas não se reprimissem.
Na época, eu desconhecia que não era o primeiro nem seria o último menino a ter que dividir atenções do sexo oposto com sujeitinhos rebolantes de visual afetado, músicas falando de amor puro e namoros inocentes. Vinte anos antes, os Beatles - com seus terninhos e cabelos bizarros - já haviam enlouquecido as fêmeas jovens do planeta. Monkees, Polegar, Backstreet Boys, N*Sync, Hanson... os fenômenos da música alastram-se geração após geração, tirando as meninas das festinhas.
Justin Bieber - Never Say Never 3D
Justin Bieber - Never Say Never 3D
Justin Bieber - Never Say Never 3D
Justin Bieber - Never Say Never 3D conta a história da mais nova dessas atrações midiáticas musicais de cabelo estranho, a primeira delas a surgir apadrinhada pelo público pré-adolescente na Internet. O documentário musical começa na infância de Justin Bieber, em uma cidade pequena do interior do Canadá, e mostra como o menino demonstrou aptidão musical desde cedo. As imagens do infante batucando com ritmo e propriedade na cadeira da cozinha, aos dois anos de idade, não poderiam dar melhor resultado, já que desarmam seus detratores com prova incontestável de talento. Nesse aspecto, o filme que celebra a breve vida e obra bieberiana é interessante. Na tela, a cadeira da cozinha vira uma bateria plástica e, aos oito anos de idade, dá lugar a uma Pearl profissional, que ele ataca com entusiasmo e habilidade. Aos 11, Bieber já cantava e tocava violão na rua, "atrás dos seus sonhos", algo que o filme martela insistentemente. Fica difícil odiar - por mais que seus pares tenham se colocado no meu caminho no passado - um moleque tão apaixonado por música.
O longa, produzido pela equipe e a gravadora do garoto, relembra as histórias do início de sua carreira - muitas vezes com imagens em baixa qualidade, de handy cams e até mesmo celulares, na melhor tradição do YouTube. É impossível dissociá-lo do portal de vídeos que foi sua plataforma de lançamento, algo que o longa faz questão de lembrar mais de uma vez.
Nesse território conhecido, as meninas devem enlouquecer do início ao fim de Never Say Never 3D, mas é surpresa que o mesmo aconteça também com suas mães, já que o filme cerca Bieber de cuidados e assepsia familiar. E tome choradeira quando a família do popstar reza junta, se abraça, brinca e se beija... o tempo todo.
Para qualquer pessoa disposta a enxergar nas entrelinhas, porém, há determinadas cenas - manipuladas pela edição - que inocentemente entregam que nem tudo são flores na Casa dos Bieber. O pai, por exemplo, entra e sai como uma alegoria, apenas para mostrar que existe. Basta observar a linguagem corporal do garoto perto dele e a cara da mãe, referindo-se a como criou o filho sozinha, para entender que há algo muito mal contado aí. O close up na cara do pai, chorando no Madison Square Garden, é quase covardia. Estaria ele orgulhoso do filho ou - imagino eu - lamentando os milhões que perdeu ao deixá-los?
Entremeada ao histórico de Bieber e inúmeras canções, Never Say Never 3D conta ainda uma historinha sobre o Everest de qualquer artista, a preparação para o show no Madison Square Garden, icônica casa de espetáculos nova-iorquina. "Só os grandes lotam o Garden", explica o empresário de Bieber. "Conseguirei isso em um ano", retruca o cantor.
Não é spoiler dizer que ele conseguiu (em 1 ano e 3 meses, com vendas esgotadas em 22 minutos), então o indispensável "arco dramático" do filme passa a ser a saúde do jovem astro e a vermelhidão da garganta, seu grande inimigo. Não é exatamente uma antagonista empolgante, mas as fãs devem se compadecer com as broncas dos treinadores e as visitas ao médico. O palito na goela, afinal, é intragável para qualquer um.
O filme também não merece ser chamado de documentário ao apenas sugerir problemas do garoto, como a declaração de que ele "às vezes gostaria de ter uma vida normal", e esquivar-se de qualquer investigação a respeito do a fama faz com um caráter em formação ("Esta É sua vida normal!", devolve enfaticamente a preparadora vocal).
O problema é potencializado quando a edição coloca o seguinte depoimento do superprodutor L.A. Reid a respeito de Bieber: "Quando o vi pela primeira vez tive certeza que estava diante do Macaulay Culkin da música!". Ora, todo mundo sabe o que aconteceu com Culkin... e com Drew Barrymore, Lindsay Lohan, Britney Spears, Rafael Ilha... O próprio cantor parece saber disso ao pedir à família "não me deixem perder minha juventude". Mas o que está sendo feito para que isso não aconteça? De olho no dinheiro das fãs (e com os ingressos inflacionados de um 3D convertido nojentíssimo), Never Say Never é só ilusão e cantoria, uma casca polida.
"Não me deixem perder minha juventude"? Lamento, Bieber, mas esse trem já deixou o Canadá faz tempo.
Justin Bieber - Never Say Never 3D | Cinemas e horários
Ano: 2011
País: EUA
Classificação: LIVRE
Duração: 105 min
Direção: Jon M. Chu