Tem leitor que reclama quando a gente "leva a sério demais" filmes que "são só diversão". O fato é que, na hora de avaliar, seja um arrassa-quarteirão de massa ou um vencedor de Cannes, não dá pra relativizar: existe bom cinema, mau cinema, e ponto.
Bom cinema, antes de mais nada, é aquilo que não cabe em nenhuma outra arte que não seja a sétima. São imagens intraduzíveis em literatura, sensações em movimento que não caberiam numa pintura. Segundo essa definição, Luzes do Além (White Noise: The Light) entra na categoria do mau cinema.
white noise
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Se a continuação de Vozes do Além (White noise, 2005) fosse um livro, não haveria muita diferença. Em momento algum o diretor Patrick Lussier (Dracula 2000) confia nas imagens para contar a história de Luzes do Além. Pelo contrário: a muleta do texto não é largada um minuto sequer e personagens entram e saem apenas para transformar em diálogos os entendimentos que caberiam ao espectador depreender daquilo que vê.
A história começa com a morte da esposa e do filho de Abe Dale (Nathan Fillion), assassinados misteriosamente por um homem que se suicida em seguida. Abe não se conforma e tenta se matar. Quase consegue. Chega a ver os espíritos da mulher e do filho no além, mas é puxado de volta quando paramédicos o ressuscitam. A partir daí Abe fica estranho - estranho estilo horror japonês, com chuvisco de TV e barulhos de LP tocado ao contrário.
A exposição, a apresentação do filme, não dura aí mais do que 20 minutos. O que vem a seguir, presumivelmente, é a infindável e didática explicação daquilo que acompanhamos no começo. Para nos introduzir ao conceito da luz branca e da EQM (experiência de quase-morte), por exemplo, entra um médico especializado no assunto. Ele dura em cena tempo suficiente para expor as definições médicas, e só.
Logo em seguida entra um amigo do escritório de Abe, que será o personagem que verbaliza o conflito interior do protagonista ("você precisa pôr o pé no chão, Abe", "você precisa esquecer disso, Abe", "você precisa parar com essas idéias, Abe", etc.). E, depois, conhecemos a esposa do assassino. Sim, claro, porque alguém precisa explicar direitinho o que aquele cara estava fazendo lá no começo do filme.
Texto, remendo, texto, remendo. Quando você, leitor, estiver com um problema no seu filme, resolva com mais uma linha de diálogo. Ou crie mais um personagem, não tem problema. Luzes do Além cria vários em questão de minutos. Só os críticos te acusarão de ser preguiçoso e precário, e ninguém escuta o que dizem os críticos.
Voltando... Eu disse lá no começo que o diretor Patrick Lussier não confia nas imagens. Minto. Ele acredita no flashback. Porque não dá pra bobear com espectador médio - o roteiro já foi mastigado, mas é preciso mostrar de novo uma cena ou um personagem que já passou, para que o público tenha certeza de que entendeu.
Dá pra fazer um filme funcional, anti-cinematográfico e anti-intelectual, e ainda assim ter algo a dizer? Dá, sim. Justiça seja feita, Luzes do Além sabe bem que tipo de mensagem quer transmitir. No caso, infelizmente, uma mensagem de carolice sem tamanho, professando o lado mais obscurantista do Cristianismo, aquele que nega o livre-arbítrio e bota mais medo no coração de um rebanho já soterrado de crendices.
Não é de se espantar que o "filme falado" seja essa missa toda. A idéia desde o começo era pregar... Quando a sessão terminar, espere um minuto. Vai passar alguém recolhendo o dízimo.