Akiva Goldsman, roteirista e produtor de Eu Sou a Lenda, não é exatamente uma unanimidade. É dele, afinal, o texto do execrável Batman & Robin. Por outro lado, o escritor venceu o Oscar por Uma Mente Brilhante. Mais recentemente, adaptou para o amigo Ron Howard o romance O Código Da Vinci - o que lhe rendeu o convite para a continuação, Anjos e Demônios, e nada menos que quatro milhões de dólares em pagamento pelo trabalho. Unanimidade pra quê?
Na nossa conversa com ele, que aconteceu parte numa mesa-redonda e parte numa entrevista exclusiva, Goldsman fala sobre sua profissão, a greve dos roteiristas, Alice Braga e, claro, como foi produzir e adaptar pela terceira vez ao cinema o romance clássico de Richard Matheson. Divirta-se!
Akiva Goldsman
Eu sou a lenda
Por que trocar Los Angeles, da obra original, por Nova York?
Tivemos muitas discussões a respeito e fui extremamente teimoso com essa idéia. Los Angeles é um paraíso de simbolismos humanos. É a cidade das almas perdidas, o epicentro da alienação norte-americana. Para a literatura, é perfeita. Mas para o cinema, ela não tem apelo. Los Angeles parece abandonada em um dia normal... não ajuda. Nova York é mais viva, mais global. Mostrá-la vazia e isolada é muito mais chocante.
E também há como fechá-la...
Sim. A idéia da quarentena funcionava perfeitamente em Nova York - e a imagem das pontes explodindo era boa demais pra não ser utilizada. Só sobra uma ponte, a George Washington, que é por onde a cidade segue funcionando mais 30 dias. Demos pistas disso na cena em que Robert procura suprimentos em apartamentos vazios. Nas paredes há boletins diversos sobre a quarentena.
Vocês fizeram pesquisas para os efeitos que vemos na Nova York devastada? A vegetação tomando conta, os animais...
Sim. Fizemos uma linha do tempo, coisa que Francis adorou. Nossa pesquisa bateu perfeitamente com uma outra, que descobrimos depois. É tudo cientificamente preciso. As nossas únicas licenças poéticas foram quais animais seriam suscetíveis a infecção e quais não. Isso foram idéias nossas. Na vida real teríamos muito mais ratos, por exemplo. Fomos supernerds com tudo isso.
No filme o vírus que destrói o mundo parte dos EUA. O que você pensa sobre isso?
Não há qualquer discurso político aí. Mas certamente há um discurso ecológico. Nosso planeta é incrivelmente frágil. Quando pensamos no filme por esse ângulo, era muito importante para nós não usarmos um vilão com bigodes pontudos como o causador. Então a cientista que cria o vírus é a Emma Thompson. Não dá pra não confiar nela. E sua personagem está, afinal, tentando fazer o bem, então não tem nada do vilão típico. O vilão não é ela. É a mudança climática, o aquecimento global, que causa as grandes migrações virais. Não somos mais o topo da cadeia alimentar - os vírus são.
Robert faz várias coisas para se manter são - assiste a filmes, a noticiários gravados... cria ambientes... como isso foi pensado?
O que mais me interessou neste filme foi a quantidade de tempo que o protagonista, Will, fica sozinho, em silêncio. Então o nosso desafio era "será que conseguimos disfarçar um filme de personagem em filme de ação? será que as pessoas vão entender isso?" achamos que sim, então trabalhamos bastante para tentar entender o que alguém nessa situação faria. É algo complicado. Em cem pessoas, noventa cometeriam suicídio se passassem por isso. É intolerável. Mas se você é um dos dez que ficariam vivos, o que você faria para evitar a solidão?
As soluções me lembraram um pouco de Náufrago. A cadela Sam é o Wilson dele... Will Smith comento algo sobre vocês terem pesquisado sobreviventes de situações de isolamento total.
Nós não. Ele. Ele pesquisou isso tudo sozinho.
Will falou que a motivação do personagem dele é a culpa...
Ele está certíssimo. Robert Neville é megalomaníaco e emocionalmente ferido. Ele tem quase que um complexo de Deus. É divertido desenvolvê-lo por conta disso. E há vários outros complexos e motivações, como sua própria necessidade de sobrevivência. Ele pode morrer a qualquer momento. Sem falar que ele está literalmente louco... o cara fala com manequins...
Há um momento do filme em que o teste de infecção que os militares fazem na esposa de Robert falha. A idéia ali era aumentar a carga dramática ou vocês quiseram mostrar como o teste era falho e inocentes estavam sendo condenados injustamente?
Exatamente. Estávamos tentando mostrar como seria uma quarentena de verdade. E uma operação dessas sempre terá erros humanos, erros técnicos... e uma das regras dos militares, algo que não aparece no filme, era: não teste ninguém duas vezes. Simplesmente não haveria tempo para tanto. É algo terrível quando vidas dependem de burocracia. Há um livro incrível sobre os nazistas chamado The Banality of Evil, que discute justamente isso, como o mal pode estar contido nas coisas mais insignificantes e burocráticas. Em uma quarentena como essa o governo certamente saberia que haveriam perdas, mas decidiria que elas seriam aceitáveis perante a porcentagem de outras vidas salvas.
De onde veio aquela idéia de mostrar um outdoor na Times Square com o filme do Batman e Superman? Causou um rebuliço na Internet.
Aquilo foi tão engraçado... é um filme que a Warner Bros deveria ter feito há uns cinco anos e que nunca saiu. Eu gostava muito daquele projeto. Então pedi autorização pra colocar aquela homenagem em Eu Sou a Lenda - e todo mundo negou. Mas adoro essas pequenas surpresas nos filmes, então coloquei assim mesmo. Afinal, é um efeito especial. Aquela cena é toda em computação gráfica. Então o jurídico da Warner nunca a viu - entrou na última hora. Mas, obviamente, agora estou afundado em problemas por conta disso. Mas o que eles podem fazer? Está pronta... bom, na verdade, eles conseguiram mudar uma coisa no final, sim. Na minha versão tinha os nomes de Brandon Routh e Christian Bale na imagem. Se você olhar bem, verá que estão borrados. Me mandaram apagar - "isso você não pode fazer mesmo".
É curioso que a personagem de Alice Braga venha de São Paulo... normalmente, quando se fala do Brasil para o mundo é o Rio de Janeiro que é mencionado.
A produção já estava bem adiantada quando isso mudou. A personagem originalmente era londrina, ela estudava em Londres. Mas quando Alice chegou resolvemos adaptar a personagem a ela. A personagem então ganhou páginas de história - alguma coisa está no filme, outras não. Ela é ótima.
Como escritor, por que você acha que há tanto interesse em histórias sobre o fim do mundo?
Eu acho que somos fundamentalmente atraídos pelo fim. Todos morreremos e essa é uma certeza que todos temos. Filmes de ficção são uma maneira saudável de explorar coisas que de outra forma seriam terríveis demais para serem visitadas o tempo todo. Esta idéia em particular, a do isolamento, é uma das mais universais. Não acredito que exista uma pessoa sequer no mundo que uma vez na vida não tenha se sentido como se fosse a última pessoa no planeta. A ficção científica é uma forma incrível de pegar essa condição humana e arrancar metáforas dela. Isso é que os filmes de apocalipse fazem.
Vocês não usaram muito o Central Park no filme. Houve alguns outros locais que vocês pensaram em usar e não conseguiram, ou evitaram por algum motivo?
Não muito, mas Robert tem um colheita no Central Park. De qualquer maneira, você não pode filmar no Central Park. Beira o impossível. Há alguns lugarem em que você simplesmente não pode entrar. Ironicamente, tentamos gravar uma cena no edifício Time Warner, do nosso próprio estúdio, e não nos deixaram. É, eu sei...
O blog dos roteiristas em greve tem uma pergunta ótima para seus integrantes, que eu gostaria de repetir aqui. Por que você escreve?
Por que eu escrevo? Bom, no momento, com a greve, eu não escrevo... Eu escrevo porque isso me faz sentir conectado a algo que não sei precisar. Olha, na verdade eu nem gosto tanto assim de escrever. Acho difícil demais. Mas adoro quando eu termino de escrever.
Você gosta do resultado?
Não necessariamente. Gosto da sensação de ter conseguido. É algo que tenho desde pequeno.
Você prefere produzir então?
Sim. É muito mais divertido... mas a satisfação não é nem de longe tão grande.
Quando você percebeu que era bom em escrever, que esse seria seu trabalho?
Eu era péssimo nisso. Eu comecei a escrever muito pequeno, 10, 11 anos, e era ruim demais. Comecei a melhorar um pouco na faculdade, mas ainda era péssimo. Escrevi histórias de ficção por dez anos e jamais vendi uma sequer. Nunca publiquei um conto. Mas insisti. Quando fiz 29, 30 anos, fiquei OK. Mas foi pura teimosia. Estudei com ótimos escritores, li pra caramba. Finalmente, aprendi.
E obviamente, muito bem... afinal você é hoje o roteirista mais bem pago de Hollywood. Todos estão usando você como parâmetro hoje - como patamar de negociação -, assim você sente alguma pressão do sindicato ou seus colegas?
Acredito que agora alguém já tenha recebido mais que eu por um roteiro. Espero. Quanto à pressão, ela é constante. Quando você escreve filmes se expõe demais. Cada vez que eu escrevo um filme tenho certeza de que ninguém vai vê-lo, sabe? Escrever é um processo aterrorizante e o mundo se divide em dois tipos de roteiristas: os convencidos e os inseguros. Eu sou inseguro. Quando entrego meu texto fico escondido debaixo da cama até que alguém o leia. É a mesma coisa quando entrego um filme, como produtor. O resultado é inesperado. E neste filme em particular foi ainda mais chocante. Não imaginávamos a abertura que ele teria [leia]. Mas é maravilhoso quando tudo dá certo.
E o que você faz para buscar inspiração?
Não acredito em inspiração. Acredito em trabalho duro. Em acordar cedo todas as manhã e teclar. Sentar na frente do computador e teclar até que algo decente saia... seis horas, oito horas... eu costumava escrever doze horas seguidas, mas é exagero. Se você esperar pela inspiração pode ser que ela nunca venha.
Você ainda faz isso?
Não no momento, com a greve.
Claro... ao menos você se mantém ocupado com as produções, não?
Hoje sou produtor e roteirista, o que é meio constrangedor. Afinal, é meio estranho estar em greve contra mim. Mas a greve é essencialmente a respeito de novas mídias. É uma greve para o futuro. Hoje trabalhamos para multinacionais, não estúdios, e temos que estar preparados.
Você parecer ter algumas preferências... adaptar o trabalho de outras pessoas e trabalhar sempre com o mesmo pessoal.
Eu gosto de adaptar. Não sei porque. Algumas crianças gostam de colorir, não? Quando ao trabalho em equipe, não entendo porque as pessoas fazem diferente. Em tudo na vida sempre buscamos parceiros e o cinema é definitivamente um esporte de equipe. É uma arte colaborativa, o que é uma idéia bem estranha... mas ao trabalhar sempre com as mesmas pessoas você as conhece, entende seus estilos... fica mais fácil. do contrário as pessoas ficam tentando ser mais especiais do que são. Eu adoro trabalhar com as mesmas pessoas sempre. Se funcionar, claro. Eu amo Ron [Howard] e Will [Smith] e minha intenção agora é colocá-los num filme juntos. Seria o set mais agradável do planeta!
Eu Sou a Lenda estréia em 18 de janeiro no Brasil. Até a estréia, teremos todos os dias entrevistas exclusivas com os envolvidos. Não deixe de conferir! Leia mais sobre o filme.