Segundo os parâmetros de hoje em dia, é difícil explicar como o cineasta James Gray é bom no que faz. Ele não filma com filtros afetados, fotografia exótica, longos planos-sequência, não fica se exibindo com a câmera na mão, cortes clipados, nem procura contar histórias de trás pra frente. Em resumo, Gray não tenta chamar atenção - ao contrário de muitos dos seus pares considerados novos gênios de uns anos pra cá.
Não é por acaso que o seu terceiro longa-metragem, Os Donos da Noite (We own the Night, 2007), esteja sendo vinculado pela crítica a um tipo sisudo de cinema policial que era feito em Hollywood até os anos 70. James Gray é um narrador da linha clássica, de Robert Aldrich a Don Siegel, nomes de um tempo em que os cineastas contratados pelos estúdios por sua competência de executores não eram ainda autores-celebridades enquadradas em slogans, wizkids, enfant terribles...
donos da noite
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Dito isso, é possível que você encontre por aí textos criticando os "clichês" de Os Donos da Noite, como se arquétipos - o filho renegado que retorna ao núcleo familiar, o filho sem vocação que se manteve nele por respeito ao pai... - fossem sinônimo de má construção de personagens. Não se engane: não só os personagens como as situações todas do filme são construídas por Gray com um rigor e uma austeridade que hoje em dia a Hollywood verborrágica não comporta mais.
Um exemplo é a cena em que Bobby (Joaquin Phoenix) visita seu irmão caçula Joseph (Mark Wahlberg) no hospital. A câmera entra no quarto, acompanha Bobby, mostra a cunhada, mas não vemos Joseph - até a hora em que Bobby se aproxima da cama. A câmera faz um único movimento em close para mostrar os dois ao mesmo tempo - e nosso impacto ao ver o rosto de Joseph é dividido com Bobby. Construir sentidos assim, com a simplicidade de um plano bem pensado, um plano sem espalhafato, é a beleza do cinema clássico, uma beleza que James Gray demonstra dominar.
Bobby chegou a essa dramática condição por não prever que seus interesses eram conflitantes. De um lado, ele gerencia uma casa noturna em Nova York onde a máfia russa dá as cartas. Estamos nos anos 80, e o tráfico na cidade virou uma guerra armada entre os russos e a polícia. Joseph é policial, assim como o pai, Burt (Robert Duvall). Bobby renega a família a ponto de adotar o sobrenome da mãe na hora de trabalhar na boate. Acontece que a máfia está com Joseph e Burt na mira. Bobby precisa decidir então se deve respeito aos seus contratantes ou se protege os do seu sangue.
É um dilema algo existencial e definitivo, com o de um Michael Corleonne, optar em um momento de crise por que tipo de homem você será para o resto da vida. Joaquin Phoenix dá conta da complexidade do personagem, mas no mesmo tom sem oscilações da condução de Gray. Não é nos arroubos de interpretação que um personagem como Bobby nos convence, mas nas situações em que se insere. E aí destacam-se, entre muitas, as cenas da perseguição na chuva (acompanhada do som abafado dos limpadores do pára-brisa) e do clímax no trigal incendiado. Os Donos da Noite é um filme belo.
Belo a ponto de exigir que voltemos a ver Fuga para Odessa e Caminho sem Volta (este último também com Wahlberg e Phoenix), os dois primeiros filmes de James Gray, um talento a ser acompanhado.
Ano: 2007
País: EUA
Classificação: 16 anos
Duração: 117 min
Direção: James Gray
Elenco: Joaquin Phoenix, Eva Mendes, Alex Veadov, Mark Wahlberg, Robert Duvall, Antoni Corone, Tony Musante, Katie Condidorio