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O independente Ritmo de um sonho (Hustle and flow, 2005) obteve o que poucas produções do gênero conseguem. Emplacou uma distribuição pela gigante Paramount, ao lado da MTV Films, e iniciou uma boa carreira, coroada com a indicação ao Oscar 2006 de Melhor ator para Terrence Howard. Nada mau para um projeto financiado com recursos próprios por John Singleton (Quatro irmãos) e Stephanie Allain (Corridas clandestinas), sem qualquer nome de expressão, a começar pelo roteirista e diretor Craig Brewer.
A história lembra longas tão diferentes quanto Rocky - um lutador (1976) e, pelo próprio tema, 8 mile - Rua das ilusões (2002). Nela, um cafetão da cidade de Memphis - a terra do blues - reencontra um amigo de colégio com quem costumava fazer raps. Em meio ao trabalho diário - que inclui o fornecimento de drogas, prostitutas e strippers aos locais de baixa renda - DJay (Howard) começa a trabalhar com Key (Anthony Anderson) na fita demo que pode mudar suas atuais existências. No caso do primeiro, o cotidiano se resume ao calor insuportável dentro do sedan bicolor de rodas cromadas que dirige para negociar o atendimento de Nola (Taryn Manning, dos oportunos 8 mile e o indie Dandelion) em cantos pouco recomendáveis da cidade (o termo loureediano "Walk in the Wild Side" nunca fez tanto sentido). Já para o amigo, dono de uma vida confortável, o objetivo é escapar do tédio de seu emprego como técnico de som em igrejas e juizados. A oportunidade surge quando Skinny Black (o rapper de verdade Ludacris), artista criado ali e que se tornou um grande astro, volta à cidade para festejar o Dia da Independência. Se conseguirem produzir a fita e entregá-la ao músico, sua grande chance pode finalmente acontecer.
A premissa, a necessidade de legitimidade e a busca por algo que preencha o vazio emocional, é escancaradamente batida e o filme passaria apressado, como tantos pelos cinemas, não fosse Terrence Howard. O ator, que tem uma excelente ponta em Crash - No limite como um executivo da televisão, dá o sangue ao filme. Na verdade, o carrega praticamente nas costas. Com seu sotaque gangsta-sulista carregado e a interpretação cheia de nuances, de profundidade ambivalente, Howard vai muito além do que a produção promete e transforma o drama hip-hop, suas músicas e situações em algo a ser apreciado. Mérito também de Brewer, que parece despontar como um bom diretor de atores, já que até o normalmente execrável Anthony Anderson (de bobagens como Canguru Jack, Agente Teen 2) aparece bastante competente e contido. Outro problema do roteiro são as gaiolas em que ele coloca os personagens. Não há espaço para as atrizes - Taryn Manning, Taraji P. Henson, Elise Neal e Paula Jai Parker - deixarem os estereótipos. Há apenas a prostituta esperta, a prostituta ingrata e a prostituta amada e há também a esposa resignada. É Howard que, assim como o gigolô Djay, comanda a festa. Mas não dá pra deixar de lado outro personagem principal de Ritmo de um sonho. A música, parte fundamental da catarse, é competente, contagiante e verossímil, já que é desenvolvida perante os olhos - e ouvidos - do público. Não estranhe se você sair cantarolando do cinema, mesmo que não tenha a menor competência para o rap. É o Djay em você buscando algo melhor na vida.
Ano: 2005
País: EUA
Classificação: 18 anos
Duração: 116 min