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Um Conto de Natal

Filme francês celebra as diferenças de uma família disfuncional - ou seja, uma família normal

24.12.2008, às 13H00.
Atualizada em 15.11.2016, ÀS 05H05

Ensina a ficção que o Natal não é só época de se encher de peru e fruta seca, mas também de acertar contas. Famílias se reúnem, pessoas que se evitam reencontram-se, as diferenças se exacerbam... Dá pra tratar de um tema assim do modo agressivo, como em Feliz Natal, ou do modo agressivamente realista, como em Um Conto de Natal.

Por que realista? Porque o diretor e co-roteirista Arnaud Desplechin (Reis e Rainha) parte do pressuposto - aliás muito justo - de que as famílias disfuncionais é que são as normais.

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Junon Vuillard (Catherine Deneuve) está doente, precisa de um transplante de medula. Recorre aos filhos. O do meio, Henri (Mathieu Amalric), é compatível. O caçula, Ivan (Melvil Poupaud), é incompatível. A mais velha, Elizabeth (Anne Consigny), também é incompatível, mas seu filho, o neto de Junon, Paul Dedalus (Emile Berling), poderia doar, assim como Henri. Acontece que Junon não gosta do filho e não parece ter a menor afinidade com o neto.

Às vezes mães elegem filhos "menos preferidos" - acontece. Pessoas de bem tomam atitudes desprezíveis - acontece. Os personagens de Desplechin têm essa complexidade da vida real: seus atos não seguem a razão, mas um instinto de auto-preservação. É durante o Natal que toda essa gente se reencontra e o fato é que Junon vai ter que se decidir se sua vida vai ser salva pelo neto desconhecido ou pelo filho negligenciado.

Desplechin trata as relações com realismo - não se espante se um mesmo personagem lhe inspirar compaixão e raiva em um instante e outro - mas o filme tem formato anti-realista: música de suspense policial durante uma mera visita ao médico; personagens pensando em off e de repente falando alto consigo mesmos; encenação de pantomima em pleno drama. Como em Reis e Rainha, o diretor trabalha com registros vários indiscriminadamente (para evitar ser classificado, talvez?).

Dá pra dizer que Um Conto de Natal, porém, ao relação ao longa anterior, é um "Desplechin for dummies". Há ali, mais uma vez, uma série de referências (ao cinema dos EUA, ao jazz), lances autobiográficos (a casa da família em Roubaix) e auto-referências (Paul Dedalus já era o nome do personagem de Amalric em Minha Vida Sexual, segundo longa de Desplechin, obviamente ecoando o alter-ego de James Joyce, Stephen Dedalus), mas a narrativa é menos vertiginosa e mais acessível do que a de Reis e Rainha.

São filmes que vão de um extremo ao outro - na forma, nos temas - mas a distância entre os extremos em Um Conto de Natal é menor, por assim dizer.

Independente das diferenças, continua valendo a excelência da direção de fotografia de Eric Gautier. É difícil mensurar a importância do operador de câmera, mas não deixa de ser espantoso que um filme verborrágico e ciclotímico como Um Conto de Natal nos fique retido na memória como uma obra com unidade. A maneira ao mesmo tempo respeitosa e curiosa com que Gautier se afasta e se aproxima rápido dos personagens de Desplechin - Selton Mello e Lula Carvalho deveriam atentar para a fotografia deste filme, aliás - certamente é o que dá esse senso de unidade.

De resto, o próprio feriado natalino, com seu misto de comunhão e melancolia, não é dado a essas mudanças de humor repentinas?

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