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A idéia de que as aparências enganam se encaixa perfeitamente ao showbiz. Afinal, ali é onde se vende imagens fantasiosas, ídolos fabricados, felicidades sob encomenda. Nada está mais longe da realidade do que uma dupla de atores da TV fazendo humor para arrecadar dinheiro em uma maratona tipo Telethon. Lanny & Vince sabem disso, se sujeitam ao papel - e a máscara do entretenimento que eles vestem dizima com as suas humanidades.
O sucesso deles como dupla vem do equilíbrio. Lanny (Kevin Bacon) é o farrista, galã, inconsequente. Vince (Colin Firth) é a voz da consciência, do aprumo britânico. Os telespectadores dos Estados Unidos só aceitam o primeiro invadindo suas casas porque é Vince quem o legitima, diz Lanny a certa altura de Verdade Nua (Where the truth lies, 2005). São dois estereótipos. E é para encontrar os verdadeiros Lanny e Vince que o diretor armênio, canadense de criação, Atom Egoyan (O fio da inocência, Ararat) empreende seu jogo policialesco de aparências.
Karen OConnor (Alison Lohman) é, digamos, a agente de Egoyan na trama. Quando criança, esteve na maratona da TV contra a poliomielite. Cresceu, não apagou da memória o seu ídolo Lanny, e agora quer investigar a mal explicada morte de uma garota em um hotel de Nova Jersey, que pôs fim à carreira da dupla há alguns anos. Para tanto, oferece-se para escrever uma biografia do agora decadente Vince. Ao mesmo tempo, Lanny também está escrevendo sua autobiografia. Misteriosamente Karen começa a receber capítulos... Aos poucos os três se aproximam, e o triângulo se fecha.
O recurso da narração em off - em Adaptação, Robert McKee dizia que qualquer idiota consegue explicar os pensamentos de um personagem com narração em off - é onipresente, por conta das "leituras" que Lanny faz da própria vida e que Karen faz da vida da dupla. Se, como McKee, você se incomoda com a ferramenta, então começamos mal. Verdade Nua é um filme falado, extenuantemente falado. E é um filme que dá voltas, que revisita cenas de pontos de vista distintos, e isso pode ser igualmente extenuante. Nada que já não faça parte da tradição do noir, mas não deixam de ser ingredientes pesados.
E em matéria de suspense policial o cineasta exibe melhor parcimônia em O fio da inocência. A chave é equilibrar aquilo que se entrega ao espectador e aquilo que apenas é sugerido. Verdade Nua entrega muito mais do que sugere. E o fundamental no gênero é justamente não tirar do público a chance de investigar sozinho.
Falando em explicitar, o lançamento comercial do filme nos EUA foi marcado pela polêmica do sexo. Egoyan não se intimida em mostrar a intimidade de Lanny e Vince - e ela é um tanto devassa. Acontece que a classificação etária nos EUA ficou mais alta do que o cineasta desejava. Queria um R (restrito, menores de dezoito anos só acompanhados de adultos) e acabou pegando um NC-17 (proibido a menores de dezoito) por conta da cena de ménage à trois, sexo a três.
O ménage é fundamental à história, não dava mesmo para limar. Curiosamente, quando percebeu que não conseguiria diminuir a censura, Egoyan liberou. Retornou ao filme com uma cena de lesbianismo que havia excluído antes. E não há momento mais cinematográfico em Verdade Nua do que esse. É quando Karen - personagem mal construída que pega uma Alison Lohman ainda em formação - finalmente experimenta um pouco da vertigem vivida por Lanny e Vince. É a vertigem de vender-se à facilidade do showbiz, de viver no País das Maravilhas.
É uma cena quase lynchiana. David Lynch, sim, sabe tratar de representações da realidade. E comparar Verdade Nua a Cidade dos sonhos é o maior elogio que o filme defeituoso de Egoyan poderia receber.
Ano: 2005
País: Canadá, Inglaterra
Classificação: 18 anos
Duração: 106 min
Direção: Atom Egoyan
Roteiro: Rupert Holmes
Elenco: Kevin Bacon, Colin Firth, Alison Lohman, David Hayman, Rachel Blanchard, Maury Chaykin, Sonja Bennett, Kristin Adams, Deborah Grover, Beau Starr, Arsinée Khanjian, Gabrielle Rose, Don McKellar, David Hemblen, John Moraitis