Conheça Tito e os Pássaros, a animação brasileira que deveria estar no Oscar

Créditos da imagem: Tito e os Pássaros/Bits Produções/Reprodução

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Conheça Tito e os Pássaros, a animação brasileira que deveria estar no Oscar

Em meio a uma aventura carismática, a produção discute a cultura do medo com as crianças

19.02.2019, às 16H21.
Atualizada em 21.02.2019, ÀS 17H58

“Somente essa semana nos cinemas e não vai passar na Netflix”. Com esse slogan, a animação nacional Tito e os Pássaros tenta despertar o interesse do público brasileiro em meio à grande oferta de filmes em cartaz e nos serviços de streaming. Embora tenha que se esforçar para conseguir espaço nas salas de cinema do país, a produção já conquistou o exterior. Além de ser indicado ao Annie Awards, o “Oscar” da animação, ele encanta distribuidores europeus, que querem levá-lo às escolas para discutir fake news e a cultura do medo com o público infantil.

“O mundo está caindo e ninguém fala nada, como se as crianças não estivessem sentindo e também ficando em pânico”, analisa Gustavo Steinberg, que compartilha a direção do longa com Gabriel Bitar e André Catoto. Após o nascimento da sua filha, há oito anos, ele começou a trabalhar com o roteirista Eduardo Benaim na história de Tito, um menino tímido que vê as pessoas à sua volta sendo infectadas pelo surto, uma doença tão grave que paralisa. Decidido a ir atrás do antídoto, ele e seus melhores amigos embarcam em uma aventura por São Paulo, sem nunca desistirem diante dos muitos obstáculos que encontram pelo caminho, seja um apresentador fatalista lucrando no caos, adultos amedrontados ou a misteriosa linguagem dos pombos.

Sim, estes animais “livres e rejeitados”, por vezes vistos como pragas urbanas, carregam o segredo da força da humanidade e são centrais na trama. “Me questionaram ‘como você vai fazer um filme com pombos?’ e eu respondi ‘teve um cara que teve a ideia de fazer um filme com um rato’”, brinca Steinberg. No entanto, a escolha dos bichos têm um significado maior. Além da associação imediata à paz e ao fato de serem o primeiro meio de comunicação à distância, o longa trabalha com a ideia de que eles são observadores privilegiados do comportamento humano. “[Eles] estão olhando quase como um alter-ego nosso, nos lembrando de coisas que escolhemos esquecer e desse lado que a gente não quer ver”.

Para trabalhar estes temas - complexos até mesmo para os adultos -, os diretores se inspiraram em Os Goonies e colocaram os pequenos protagonistas para resolverem um problema de gente grande dentro de uma aventura divertida e carismática, mas sem nunca subestimar o público infantil. “Tínhamos que trazer o medo para as crianças, mas não podíamos nos exceder”, explica Steinberg. A estratégia, então, foi trabalhar em duas frentes: criando cenários densos e uma música que desse o tom na medida certa.

A escolha pelo Expressionismo para criar o visual, além de dar conta desse objetivo, mostrou-se ainda prática para o desenvolvimento da produção. “Com poucos traços e texturas, a gente chegava no cenário, que tradicionalmente são mais demorados”, conta o produtor-executivo Daniel Greco. Assim, usando como referência os trabalhos dos pintores George Grosz e Chaïm Soutine, a direção de arte de Gabriel Bitar e Vini Wolf trabalhou a experiência do medo no filme gradualmente. Conforme a situação vai se agravando, os ambientes ficam menos retos e mais distorcidos.

Essa evolução da tensão fica evidente também na trilha sonora de Gustavo Kurlat. Complementando a estética de Tito e os Pássaros, as músicas são capazes de dar a sensação de um deslocamento constante, mas sem roubar a atenção da história. Na realidade, elas inserem o espectador nesse contexto de apreensão e estresse na calibragem adequada, sem assustar demais ou privar as crianças de uma experiência verdadeira.

É a combinação destes elementos - história de aventura, visual ousado e trilha imersiva - que deu o equilíbrio tão desejado pelos diretores para propor a discussão sobre o medo entre crianças e adultos. “Talvez eles tenham uma resposta melhor do que a nossa. Acho bem provável”, diz Steinberg.

O último de uma geração

Tito e os Pássaros/Bits Produções/Reprodução

Para levar Tito e os Pássaros para os cinemas foram necessários oito anos de produção, contando com o trabalho de mais de 120 profissionais. Considerando o padrão das produções nacionais, o orçamento de aproximadamente US$ 1,2 milhão parece generoso, mas no fundo esconde um cenário mais crítico do que se pode pensar.

“Não dá mais”, afirmou Daniel Greco durante a coletiva de imprensa do filme em São Paulo. “Estamos nessa sinuca de bico com a animação. Alcançamos resultados, mas não tem espaço para crescer. O Tito é o último de uma geração que conseguiu fazer milagre com pouco dinheiro”.

De fato, nos últimos anos, o Brasil conseguiu destaque no mercado internacional com filmes pequenos, como Tito e O Menino e o Mundo. Porém, o ambiente de produção audiovisual no país não é capaz de reter os talentos por aqui. Segundo Greco, a procura de países como o Canadá por animadores brasileiros cresceu e, com ofertas financeiramente mais atraentes, fica difícil convencê-los a ficar. Assim, cria-se um ciclo vicioso. A cada novo projeto, inicia-se o treinamento dos jovens profissionais que, quando estão prontos, são contratados por empresas estrangeiras, deixando novamente uma lacuna no mercado.

A diferença com o cenário estrangeiro é perceptível ainda no tamanho das equipes. “Tivemos uma exibição para a Academia do Annie e todo mundo riu quando disse que éramos em 120 pessoas. Eles me disseram que, no mínimo, em uma animação independente, a equipe é de 400 pessoas”, contou Steinberg. A comparação com grandes produções, como WiFi Ralph e Os Incríveis 2 - que avançaram para a disputa do Oscar de Melhor Animação deste ano -, chega a ser covarde. As equipes podem chegar a mil pessoas.

Para Steinberg, esse cenário é um indício da falta de clareza de propósito da produção nacional. Ele entende que não adianta copiar o que vem de fora em uma tentativa de produzir substitutos. É necessário continuar os esforços para construir um mercado capaz de apresentar alguma resistência à distribuição americana e, assim, criar produtos que possam competir. “Veja Roma. Você acha que é um filme comercial? Então, por que a Netflix investiu tanto? É a força da reputação, que ainda vem do cinema”, analisa. “Quanto vale para o Brasil a repercussão do Tito no mundo?".

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