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As Vidas de Maria | Crítica

As Vidas de Maria

24.11.2005, às 00H00.
Atualizada em 04.11.2016, ÀS 20H01

As Vidas de Maria
Brasil, 2005
Drama - 76 min

Direção: Renato Barbieri
Roteiro: Di Moretti

Elenco:
Ingra Liberato, Gustavo Melo, Gésio Amadeu, Cláudio Jaborandy, Stephany Brito, Ingrid Zago, Giulia Dainey Roque, Adriano Siri, Dora Wainer, Bruno Torres, Maurício Lôbo, André Araújo, Henrique Cabral, Ader Marques

A elipse é uma figura de linguagem que serve à gramática do cinema. Ela omite elementos que são redundantes para a compreensão da situação. O sexo subentendido é uma elipse temporal clássica: um plano exibe duas pessoas se beijando e se despindo, corta para o plano seguinte, com a luz do sol batendo na cortina pela manhã. Não é necessário vermos o ato para sabermos que ele aconteceu.

Essa omissão é uma das artérias do cinema, aquela que tira o espectador da passividade. É a famosa lacuna que o filme deixa em branco para que as pessoas reflitam e preencham sozinhas. É também a peça que dá ritmo à narrativa. Elipses espaciais são outra categoria: num plano o personagem sobe num ônibus, no plano seguinte aparece descendo no ponto final. Já pensou como seria chato se a montagem se obrigasse a mostrar toda a viagem, sempre?

Bons filmes não podem abrir mão desse recurso. Mas há, curiosamente, a situação inversa. As vidas de Maria (2005) é um filme de elipses. Resume quarenta anos em 76 minutos. Mas é tão picotado que tem dificuldades em colar suas peças fragmentadas. São lacunas demais para conteúdo de menos.

Calidoscópio quebrado

Tudo começa na Catedral de Brasília, dia do casamento de Maria (Ingra Liberato). A noiva não parece contente, mira os padrinhos com desconfiança e um tanto de desespero, vacila na hora do "sim". Corta para a sua infância numa cidade-satélite da então capital em construção. Seu pai, o humilde Getúlio (Cláudio Jaborandy) enche-se de orgulho de ajudar na obra. Quando Brasília fica pronta, porém, lhe falta trabalho. Getúlio parte para a Amazônia, deixando Maria para trás.

Corta para a nova casa da menina (interpretada na adolescência por Sthefany Brito), família endinheirada de político. Maria não tem boas experiências com o quase-irmão mimado. Cresce aprendendo a se virar, escorando-se nas vontades dos outros e esquivando-se de problemas. Outro fragmento mostra-a entrando na maioridade, num show do incipiente rock brasiliense dos anos 80. É aí que a história pula para o casamento. O longo flashback sugere que o clímax ocorrerá ali, mas a narrativa está longe de estacionar - e de cessar de saltar.

A produção de As vidas de Maria vende-o como um filme "ágil e moderno", no qual as transformações de Maria acompanham as mudanças da trajetória de Brasília, "várias vidas em uma". Ágil é, sem dúvida, a direção do paulista Renato Barbieri, que já abordou o tema de modo mais direto no documentário A invenção de Brasília (2001). Mas o que poderia ser uma história de vida não vai além da superficialidade de um álbum de fotos.

Fotos podem falar muito; não é o caso aqui. A psicologia da personagem é construída de forma frágil, com falas em off que juntam irritantes frases de efeito e acrescentam pouco à situação filmada. Toda redundância eliminada nas elipses se aglutina nessa voz em off. E há no decorrer da trama saltos discutíveis: como Maria passa de divorciada sem futuro a lucrativo fenômeno da arquitetura, por exemplo? São momentos pertinentes ao crescimento da personagem que não deveriam estar implícitos, mas expressos na tela.

A dispersão é outro problema. O que é aquela cena emotiva entre o recém-acidentado e o médico? O que ela adiciona a Maria? É legítimo supor que o roteirista Di Moretti ambicionasse criar um calidoscópio - como aliás fez muito bem em Cabra-Cega - de tons distintos que formariam um todo colorido. Os filmes-mosaico do cinema independente dos EUA são assim. Mas o fato é que as idéias de As vidas de Maria (no final do filme há um par de boas sacadas) ficam soterradas pela omissão, no pior sentido do termo.

Nota do Crítico
Ruim
As Vidas de Maria
As Vidas de Maria
As Vidas de Maria
As Vidas de Maria

Ano: 2005

País: Brasil

Classificação: LIVRE

Duração: 76 min

Roteiro: Di Moretti

Elenco: Ingra Liberato

Onde assistir:
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