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Benjamim | Crítica

<i>Benjamim</i>

01.04.2004, às 00H00.
Atualizada em 22.11.2016, ÀS 22H03

Benjamim
Brasil, 2004
Drama - 100 min.

Direção: Monique Gardenberg
Roteiro:
Jorge Furtado, Glênio Póvooas, Monique Gardenberg, Chico Buarque (livro)

Elenco: Paulo José, Cléo Pires, Danton Mello, Chico Diaz, Guilherme Leme, Rodolfo Botino, Ernesto Piccolo

Nos anos 70, só dava Benjamim Zambraia (Danton Mello). O modelo fotográfico estava em tudo quanto era anúncio de revista. Mas o tempo passou, o ingrato Brasil engoliu mais um de seus astros e Benjamim (Paulo José) chega à meia idade incógnito. Hoje, ele vive na base do tanto faz. Restam apenas as suas lembranças de Castana (Cleo Pires), paixão da juventude que o consumiu por completo. Mas quando o velho avista, de relance, na correria desencontrada do cotidiano - como convém aos grandes amores - a menina Ariela Masé (também Cleo), com as mesmas feições de Castana, Benjamim acorda do transe.

Dá pra perceber: a trama de Benjamim (2003) tem tudo de trágico, tem tudo de romântico, bem ao estilo de Chico Buarque, autor do romance homônimo que deu origem ao filme de Monique Gardenberg. O roteiro adaptado recebe colaboração de Jorge Furtado, sinônimo de excelência. A produção tem em seus bastidores Paula Lavigne, garantia de divulgação ampla, boa repercussão. O cenário, enfim, está armado para que tudo dê certo. Mas alguma coisa escapa ao controle de qualidade.

Talvez "falhas" seja um termo pesado; "equívocos" e "armadilhas" caem melhor. Se os livros de Chico possuem riqueza visual suficiente para qualquer migração ao cinema, o vagalhão de informações e divagações representa armadilha perigosa para quem pretende adaptá-los. E Monique sofre, de cara, com o excesso de personagens, de situações, de vaivéns temporais.

O tom de suspense policial também cria um revés: na ânsia de fortalecer certos mistérios, são negligenciadas informações vitais para a compreensão de alguns personagens. Por exemplo, o fato do filme preservar para o seu final uma revelação que já aparece logo na primeira página do livro provoca confusão, soa gratuito. Outro caso acontece com Cleo Pires: nem a boa interpretação da estreante, filha de Glória Pires e Fábio Jr., compensa a irritante falta de "razão de ser" da sua Ariela. Por extensão, a rede que liga os personagens também se fragiliza. O papel do político e do policial paraplégico, a amizade repentina entre Ariela e Benjamim, assim, não conseguem ir além da superficialidade.

A compensação

Os equívocos já levantados até aqui não são simples pormenores. Chegam a vitimar a película. Em compensação, vale pedir ao espectador que os ignore em nome de uma causa maior. Esqueça essas subtramas e se concentre no grande tema do filme, a trágica derrocada de um homem condenado por amar. Preste atenção, também, numa analogia que Chico constrói com estilo e que Monique conserva: a maldição do ex-modelo, gerida após a Ditadura, acontece paralelamente à ruína cultural do país. Um homem e uma nação que não precisam mais se debater em luta e estão - nas palavras de Sartre - condenados à liberdade.

Essa idéia da ruína é trabalhada de maneira poderosa. Um poder que se mostra mundano, na sequência em que Benjamim velho sai de seu restaurante predileto, onde são expostas fotos dos grandes artistas politizados do país, direto para uma concessionária de carros onde acontece um concurso de talentos com apresentação, ao vivo, de Wando.

Mas esse poder se mostra, também, em toda a beleza das imagens poéticas buarqueanas: como na cena em que o jovem Benjamim conhece Castana, quando ambos protagonizam um anúncio de cigarro, e o galã das poses congeladas treme pela primeira vez ao ouvi-la lhe pedindo um cigarro de verdade. Anos depois, o velho Benjamim recolhe bitucas, guimbas de cigarro sujas de batom em um mictório. Essa passagem da sutil inocência à falência total é a grande arte de Benjamim, veículo que possibilita a Paulo José uma das grandes atuações de sua carreira.

E não há nada mais tragicamente poético do que o momento em que Benjamim velho grita, destroçado e aliviado, do ponto alto de seu desmoronamento, que aquele é o "momento mais feliz da minha vida". Esse instante conclui uma idéia de redenção impossível que, apesar dos percalços, se mantém pulsante em todo o filme. É como uma "moral da história" tão satisfatória que não necessita da história em si para ser atestada.

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