“John” e “Kramer” são duas das palavras mais faladas em Jogos Mortais X, o filme da série de torture porn que marca a volta do ator Tobin Bell como protagonista e antagonista. A ideia deste décimo filme, ambientado entre Jogos Mortais 1 e 2, é que Kramer seja um senhor pacato (na medida do possível) que busca tratamento para seu câncer e leva um golpe de falsos médicos, que então sofrerão os castigos por enganar o famoso Jigsaw.
Que todos os personagens tratem John Kramer com reverência sem saber que ele é Jigsaw, decorando seu nome, chamando-o por nome e sobrenome, dá uma medida involuntariamente engraçada do que Jogos Mortais X está esboçando em matéria de mitificação e estudo de personagem. É como se ele de repente tivesse a estatura de um James Bond, o agente menos secreto da história, cujo nome todos conhecem e repetem.
Essa solenidade soa obviamente deslocada, mas de qualquer forma é em cima dela que o filme está tentando se sustentar. O retorno de Tobin Bell é visualmente impactante porque o ator, hoje com 81 anos, mostra uma compleição mais delicada, mais condizente com a condição física de John Kramer no universo da série. Vê-lo atribuir renovada gravidade aos bordões conhecidos do personagem reenergiza por alguns momentos o que Jogos Mortais ainda pode oferecer.
Mas o que se espera de Jogos Mortais? O que o pornô de tortura, de modo geral, ainda tem a oferecer depois dos seus poucos dias de glória nos anos 2000? Jogos Mortais X briga internamente para encontrar uma resposta, e nos seus melhores momentos é como se o filme flagelasse a si mesmo, ressentido das suas próprias fórmulas restritivas. São cenas como a gag do intestino ou o clímax com o monólogo da vilã desdenhando de Jigsaw; nesses momentos, Jogos Mortais X faz como a franquia Pânico e flerta com a autorreferência para se renovar através de uma certa implosão.
No geral, porém, se há no filme uma sede pelo autodestrutivo e pela iconoclastia, isso termina diluído na solenidade e numa melancolia típica das franquias tardias. É preciso continuar, afinal, porque o jogo não pode parar e ainda há trabalho a ser feito. Tobin Bell tem apenas um mês de diferença para os 81 anos de Harrison Ford, cujo último Indiana Jones também é assolado por uma melancolia e um sentimentalismo do fim das coisas que são interditadas de terminar. Quando não está discutindo com Amanda (Shawnee Smith) as implicações morais da tortura (uma disposição para a autorreflexão que em boa medida desloca o prazer do gore no filme), John Kramer passa seu tempo sendo um idoso emocionado.
Olhar o filme pela ótica do sentimentalismo e da mitificação ajuda a lhe dar mais estofo. Nesse sentido, John e Amanda trocam olhares de cumplicidade o tempo todo não como parceiros platônicos de uma dança de morte, mas como os dois últimos funcionários de uma firma que está fechando, e cuja luz eles discutem, em compartilhado silêncio, quem apagará. Que os cenários mais recorrentes da franquia sejam os galpões industriais vazios já sinaliza há algum tempo esse destino fabril pressagiado.
Tudo o que pode restar de pé num cenário como esse é a memória de algo que o tempo faz parecer mais importante ou impactante do que realmente foi, uma memória feita para preencher um vazio na existência, e a isso costuma se dar o nome de nostalgia.
Ano: 2023
País: EUA
Classificação: 18 anos
Duração: 118 min
Direção: Kevin Greutert
Roteiro: Pete Goldfinger, Josh Stolberg
Elenco: Shawnee Smith, Synnøve Macody Lund, Steven Brand, Tobin Bell
