Cena de Plano de Aposentadoria (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Plano de Aposentadoria (Reprodução)

Filmes

Crítica

Plano de Aposentadoria ensaia discurso pop divertido - mas falta carisma

Nicolas Cage lidera elenco de medalhões que fazem seu melhor para entreter o público

Omelete
4 min de leitura
28.02.2024, às 14H55.

Bobo (Ron Perlman) é, de longe, o melhor personagem de Plano de Aposentadoria. Capanga do chefão do crime Donnie (Jackie Earle Haley), ele revela uma profundidade insuspeita quando é despachado para as Ilhas Cayman e acaba virando “babá” da jovem e esperta Sarah (Thalia Campbell), neta do ex-assassino de aluguel Matt (Nicolas Cage), que está em posse de um pen drive cheio de informações nas quais Donnie está para lá de interessado. Parte do charme de Bobo está na interpretação de Perlman, é claro - abandonando a afetação ameaçadora que normalmente assume nesse tipo de papel, ele investe em uma entrega monotonal para realçar a comédia absurdista do roteiro, e em posturas calculadas para realçar a inércia na qual o personagem se sente mais confortável.

Por outro lado, Bobo também mobiliza a atenção do espectador porque está no coração do texto mais interessante que Plano de Aposentadoria tem a oferecer. O que o diretor e roteirista Tim Brown (A Criatura Sombria) esboça aqui é uma exploração metalinguística do cantinho mais sórdido do cinema de ação, que se embrenha nas corrupções institucionais que explicam - quando não justificam ou heroizam - as ações de seus justiceiros solitários. Antes de qualquer coisa, Plano de Aposentadoria tira sarro, e com alguma desenvoltura, das punhaladas nas costas e politicagens que são parte inextricável da luta governamental contra o crime organizado - e também dos chavões desse tipo de filme. A cena em que dois agentes da CIA aproveitam para atender telefonemas secretos enquanto o outro está comprando cachorro-quente é honestamente impagável.

Para além disso, no entanto, o filme busca borrar a linha entre “mocinhos” e “vilões” ao questionar quando e por que certas narrativas escolhem de qual lado dessa dicotomia vão colocar seus personagens. E Bobo, um estudioso de Shakespeare que nunca parece muito confortável na sua vida de crime, é a ilustração mais clara dessa verve subversiva do texto, que também usa a relação de Cage com a filha, Ashley (Ashley Greene), como uma maneira de questionar a narrativa da responsabilidade parental sob a perspectiva da experiência adulta. Matt pouco esteve presente durante a vida de Ashley, ocupado como estava em ser o herói do seu próprio filme de ação, mas só aceita voltar a esse papel quando enxerga a possibilidade de ajudá-la. 

E não é como se a própria Ashley seja um exemplo de mãe, arrastando a filha para suas intrigas criminosas, não é mesmo? Matt não perde tempo em apontar essa contradição, e Cage não esconde a canalhice da acusação - nas mãos dele, o protagonista de Plano de Aposentadoria é um degenerado com alma, que atravessa as cenas de ação do filme na mesmíssima cadência estabanada com a qual atropela suas falas, pontuadas pelos grunhidos e ênfases bizarras que são a marca do ator. Fisicamente falando, Cage não veste o traje de herói de ação “maduro” tão bem quanto Liam Neeson ou Keanu Reeves, mas esses atores tampouco são capazes de arrancar risadinhas de diálogos sem sal, ou transparecer uma vida de arrependimentos em alguns poucos olhares. Cage é, o que naturalmente eleva Plano de Aposentadoria.

Diante de tudo isso, é uma pena que o trabalho de Tim Brown na direção deixe o filme órfão de uma linguagem visual que combine com a sua aproximação de um discurso pop tão interessante. E não é por falta de tentativa: o cineasta lança mão de um leque amplo de cacoetes estéticos, incluindo um irritante efeito sonoro de chicote que surge sempre que um novo personagem é introduzido, acompanhado de uma imagem congelada do rosto do ator passada por um filtro barato do Instagram e arrematado por um letreiro com o nome de seu personagem (que, normalmente, acabou de ser falado em cena). Adicione aí legendas engraçadinhas para cada mudança de locação da trama e piadinhasvisuais criadas para realçar o absurdo das situações e pronto, você tem a receita de um thriller criminal moderninho com pretensões de Quentin Tarantino e Guy Ritchie (ou Rian Johnson e Edgar Wright, para atualizar um pouco essas referências pop que sempre se reciclam).

O problema é que, ao contrário de Tarantino, Ritchie ou seus herdeiros legítimos, Brown não tem ideia de como conduzir sua encenação para apoiar esses recursos estéticos, de como manter a energia do filme em alta para que essas brincadeiras “colem”. Se a ideia é imprimir um tom pulp aos procedimentos, para casar com um metacomentário espertinho sobre as histórias que contamos dentro do gênero de ação, falta ao diretor o mesmo jogo de cintura que Cage e Perlman exibem de sobra: o de existir em cena, ao mesmo tempo, em dois níveis de significado diferentes, elaborando esse texto dentro do universo de significados do filme sem abrir mão de se comunicar com o espectador para além dele.

O resultado é óbvio: quando Plano de Aposentadoria chega mancando ao seu desfecho, que inclusive se esforça demais para mastigar uma lição de moral para o espectador, o pouco de diversão provido pelo filme se mostra insuficiente para justificá-lo como entretenimento. Pulp sem carisma, afinal, é só tosquice.

Nota do Crítico
Regular
Plano de Aposentadoria
The Retirement Plan
Plano de Aposentadoria
The Retirement Plan

Ano: 2023

País: Canadá

Duração: 103 min

Direção: Tim Brown

Roteiro: Tim Brown

Elenco: Ernie Hudson, Nicolas Cage, Lynn Whitfield, Joel David Moore, Ron Perlman, Jackie Earle Haley

Onde assistir:
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