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Uma senhora prepara o café da manhã para seu netinho deficiente. O menino se veste e vai para a escola, de uniforme. Homens fortes suam debaixo do calor, trabalhando em conjunto numa rodovia. Fachadas descascadas são arrumadas. Idosas mastigam. Médicos consultam. Fábricas funcionam. Almoços são preparados, sapatos consertados, abraços apertados. Belas negras de traseiros redondos passam apressadas, para a alegria do trabalhador. Idosas mastigam um pouco mais.
Sem palavras ou narração, o documentário Suíte Havana, dirigido por Fernando Pérez, acompanha a vida de cidadãos da maior cidade cubana. Traz cenas de cotidiano, acompanhadas por música instrumental e som ambiente.
Mesmo sem palavras, a mensagem do filme é cristalina: A revolução cubana atingiu seu objetivo. No entanto, como crer em um documentário descaradamente panfletário que - pior - tem como produtor o próprio retratado? Impossível, não? Por mais que a revolução tenha atingido os objetivos propostos - a erradicação do analfabetismo, da fome, da miséria - resta o lado sombrio do processo, aquele que Fidel Castro jamais permitirá que seja escancarado aos olhos do mundo: o dos presos políticos, das execuções, da opressão ao livre pensamento. Cuba funciona, sim. Mas a que custo?
Qualquer pessoa que tenha ido a Cuba e se interessado pelo seu povo deve ter constatado que a mesma divisão questionada acima é presente também por lá. Os mais velhos, que se lembram dos tempos de Fulgêncio Batista - quando Cuba era uma espécie de bordel estadunidense -, não escondem seu orgulho e patriotismo. Os jovens, porém, sofrem com o convívio com os turistas e suas camisetas bacanas, seus países tão distintos e o direito de ir e vir. "Você pode vir aqui e conhecer minha casa, mas eu jamais poderei ver a sua", desabafou comigo um porteiro de hotel.
É justamente o lado do porteiro que é totalmente - e convenientemente - ignorado em Suíte Havana. Apesar de poético, com seus ângulos inusitados da cidade, o longa simplesmente não deve ser levado em conta como bom documentário. Já como propaganda política... aí sim, é exemplar. Material de pesquisa para qualquer marqueteiro de campanha.
O lado bom é que Havana é uma das cidades mais fotogênicas do mundo e seu povo está entre os mais alegres. Visitá-la, mesmo que numa produção maniqueísta como essa, é um prazer. Se conseguir esquecer a política e aproveitar o passeio, você certamente fará uma viagem inesquecível.
Ano: 2003
País: Cuba/Espanha
Classificação: LIVRE
Duração: 85 min