Uma Obsessão Desconhecida não precisaria se esforçar muito para ser o filme que foi vendido para a imprensa americana durante seu lançamento por lá, no ano passado: um thriller paranoico sobre os desencontros dos relacionamentos amorosos, que transforma as neuroses e nuances da relação abusiva em combustível para uma história fantasiosa, mas representativa de traumas reais. “Não veja esse filme com seu cônjuge!”, “o anti-filme de encontro!”, e outras frases caça-manchete do tipo - uma boa estratégia de divulgação, sem dúvida, mas uma proposta narrativa, na melhor das hipóteses, insuficiente. A era do pós-horror, afinal, não carece de filmes que se predicam em uma ideia rasa e não buscam nenhum insight a partir dela.
Que boa surpresa, portanto, descobrir aqui uma exploração honesta, francamente curiosa e obviamente sentida, das correntes emocionais que existem por baixo do abuso. Uma Obsessão Desconhecida não se contenta com o exercício metafórico, não se perde na húbris extraordinária de ter uma ideia - ele bravamente empurra essa ideia para a sua consequência narrativa mais extrema. As amarras orçamentárias estão aqui, é claro (elenco minúsculo, cenário único, poucas oportunidades para usar efeitos especiais ou maquiagens elaboradas), mas elas só fazem realçar a audácia habilidosa do filme, colando uma história íntima a um contexto grandioso que só podemos espiar. E ainda bem: assim, a visão macro da trama só colore a história que acompanhamos, sem nunca limitar o seu impacto emocional.
O filme é essencialmente Ruth (Maika Monroe) e Harry (Jake Lacy), casal que decide fazer uma trilha pela floresta. Ainda que dialoguem na linguagem fluente de todo casal de longa data, os dois acumulam mini-tensões que tendem a explodir no ambiente forasteiro - a ansiedade dela, sublinhada pelo estado de alerta que a trilha provoca, se choca com a tendência dele de ignorar os sinais e se agarrar teimosamente a uma narrativa romântica idealizada. Quando a quebra inevitável acontece, surge a dúvida: este é mesmo só um casal em crise, ou será que uma força sobrenatural na floresta está interferindo, quem sabe até tomando o lugar de um deles?
Uma Obsessão Desconhecida se esbalda na proposta arrepiante de um impostor tomando o lugar do seu parceiro. Há algo nessa fratura de confiança absoluta, nessa exploração da vulnerabilidade pressuposta de uma relação romântica, que se mostra terreno fértil para os roteiristas e diretores Dan Berk e Robert Olsen. Donos de ouvido afiado para diálogo, eles equilibram as interações entre os protagonistas exatamente na corda bamba entre o cinismo passivo-agressivo do reconhecimento absoluto e a hesitação nervosa do não-reconhecimento. O filme levanta a pergunta para o espectador: qual das duas coisas é pior? Há algo de sátira aqui, é claro, mas - como toda boa sátira - ela nasce de um drama muito humano, que o roteiro coloca sob um microscópio cruel.
E é aí que entra a dupla de protagonistas, perfeitamente escalada e dirigida para jogar com suas maiores forças interpretativas. Maika Monroe é a responsável pela carga dramática do filme, demonstrando mais uma vez que consegue expressar dilemas complexos com credibilidade, se comunicando com a câmera de forma inteligente e amarrando a boa vontade do público a si para que o filme possa fazer os voos de fantasia que bem entender. Ao seu lado, Jake Lacy capitaliza em toda uma carreira interpretando homens mimados e desprezíveis para mexer com as simpatias do público e interrogar a pureza de intenções de seu personagem. Ela é o drama, ele a comédia.
Através das curvas inesperadas de Uma Obsessão Desconhecida, os dois se moldam ao filme com destreza. Thriller de relacionamento neurótico vira comédia violenta de humor negro sobre abuso psicológico, que vira tragédia de desencontros românticos, que vira alegoria sci-fi para as amarras da ansiedade, que vira manifesto apocalíptico de autodeterminação relutante. A dupla de diretores conduz sua história de um ponto ao outro com firmeza, a câmera determinadamente focada nas reações dos personagens, sem se render a qualquer impressionismo alienante e desnecessário - mas é a dupla de atores que pega a simplicidade inteligente dessa história e a faz ter o impacto que tem.
Como em qualquer relacionamento, são dois (Berk e Olsen, Monroe e Lacy) contra o mundo. Quando se trata dessas duplas, no entanto, talvez não seja sábio apostar suas fichas no mundo.
Ano: 2022
País: EUA
Duração: 84 min
Direção: Dan Berk, Robert Olsen
Roteiro: Dan Berk, Robert Olsen
Elenco: Jake Lacy, Maika Monroe
