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Zack Snyder além do meme: Da DC a Rebel Moon, a trajetória do cineasta

Apesar de obras polêmicas, Snyder é um dos poucos "diretores de grife" de Hollywood

Omelete
6 min de leitura
17.04.2024, às 07H50.
Atualizada em 24.04.2024, ÀS 14H51

Zack Snyder. O dono do Snyder Cut, o ídolo dos Snydetes, o fã nº 1 da câmera lenta, o homem chamado - ironicamente por uns, e não ironicamente por outros - de “Snydeus”. A essa altura, o cara é mais um meme do que um cineasta, mas é também um dos poucos diretores “de grife” de Hollywood, para o bem e para o mal… pode ser que o nome dele não garanta sucesso, mas certamente garante que as pessoas estarão prestando atenção. E poucas coisas são mais valiosas em plena era do TikTok do que a habilidade de chamar aatenção do público, não é mesmo?

Com Rebel Moon não foi diferente. Lançado no finalzinho do ano passado - e assistido algumas semanas antes por um público selecionado no Palco Thunder da CCXP23 -, o “filme de Star Wars que não é de Star Wars” dirigido e escrito pelo Snyder para a Netflix foi assunto quente na cultura pop, apesar da recepção gelada dos críticos (eu mesmo fui um dos poucos que defendeu) e daquela parte do público que já não estava previamente rendida ao estilo do cineasta.

Quatro meses depois, estamos pertinho do lançamento de Rebel Moon - Parte 2: A Marcadora de Cicatrizes, que tenta finalizar a história de Kora e sua rebelião contra as forças brutais do Imperium. O filme já chega meio que contestado, não só por causa das críticas negativas ao primeiro, mas também pela sombra das possíveis “versões do diretor” que Snyder pretende lançar em breve.

Olha só, então, mais uma vez em que o Snyder está deixando claro que a versão de um filme que chegou ao público não é “sua”, e sim do estúdio. Mas que cineasta é esse, que precisa de duas tentativas para fazer todo filme? Com A Marcadora de Cicatrizes batendo à porta, é um momento oportuno para tentar avaliar a trajetória de Zack Snyder na cultura pop… para além do meme, é claro.

O remake de Madrugada dos Mortos, lançado em 2004, pode ter sido a estreia de Snyder na direção, mas acho que dá para dizer com alguma segurança que foi seu filme seguinte que nos apresentou à “assinatura” do cineasta. 300, adaptado dos quadrinhos de Frank Miller, tem muito sangue, muito trabalho de cenário em tela verde, dando aquele tom meio irreal à coisa toda, muito culto ao corpo masculino… e, claro, muita câmera lenta.

Com seus mais de 450 milhões de dólares de bilheteria ao redor do mundo, o filme mostrou que a visão de Snyder tinha o seu apelo. Nascia ali um cinema profundamente entrincheirado em imagens já consagradas da cultura pop, um cinema de superfície que expressava impulsos simples de forma simples - a honra condenada da luta de Davi contra Golias, que só poderia ser aceita por uma cultura sacramentada em sacrifício e brutalidade, especialmente diante do endeusamento plastificado e lânguido do rei-deus Xerxes.

Está tudo ali, sim, mas quase por acidente. Snyder, que foi descrito pelos atores de Rebel Moon como um cara que pensa primeiro em diversão, e depois em trabalho, parece fazer tudo em um nível instintivo… ele conhece os caminhos que outras histórias trilharam para atingir aquele ponto específico do zeitgeist que garante seu apelo, até sua imortalidade, no imaginário do público. E ele refaz os passos desse caminho para chegar lá também.

É compreensível o argumento de que os filmes de Snyder, de certa forma, são vazios. No formato mais puro do cinema dele, a história é uma desculpa para chegar de uma imagem a outra, porque são as imagens que realmente falam pelo filme. Em 300, é o Leonidas chutando o soldado no poço, a cena de sexo suada entre ele e a rainha Gorgo, o Xerxes chegando em cima de um carro alegórico dourado. Tá tudo ali, e o resto - diálogo, arco de personagem, subtexto político - não é nem coadjuvante… é figurante mesmo.

Até por isso, eu acho, que os filmes em que o Snyder mais tropeçou até hoje foram Watchmen e Army of the Dead. No primeiro, fica difícil não ficar puto com a forma como ele reduz toda a eloquência do Alan Moore a algumas imagens bem questionáveis… apesar de fidelíssimo às HQs nesse sentido visual, chegando a recriar perfeitamente alguns quadros do Dave Gibbons, é um Watchmen do Snyder exatamente no sentido que estamos discutindo aqui: vazio. E um Watchmen vazio é difícil de engolir.

Já em Army of the Dead, outra produção do Snyder para a Netflix, a escala limitada do streaming - em orçamento, em tamanho da tela, em ambição do projeto - faz com que ele fique preso a imagens fracas, e daí a deficiência do roteiro fica mais difícil de ignorar. Foi legal ver o Snyder de volta aos zumbis depois de Madrugada dos Mortos? Foi. Mas talvez ele se dê melhor explorando gêneros diferentes ao invés de se repetindo, como ele mesmo falou na nossa entrevista.

Vai ver é até por ele ter se sentido meio engessado, no fim das contas, que a passagem do Snyder pela DC tenha se tornado tão controversa. A produção atribulada Liga da Justiça já virou lenda urbana, com a Warner impondo uma série de exigências ao cineasta e o toma lá dá cá continuando até o momento em que ele teve que se afastar por conta de uma tragédia familiar. Joss Whedon, que vinha do sucesso de seus dois filmes dos Vingadores para a Marvel, assumiu o trabalho disposto a seguir as ordens dos executivos - e o resultado, previsivelmente, foi um filme sem pulso.

Quatro anos e muita pressão dos fãs depois, a Warner liberou no streaming o Liga da Justiça de Zack Snyder, vulgo “Snyder cut”, que restaurava o filme à visão do cineasta. Trata-se de uma obra tão controversa quanto qualquer outra no currículo dele, encarnando e potencializando ideias imagéticas de super-heroísmo que sempre viveram no imaginário coletivo do público do subgênero. Se elas parecem vulgares na abordagem desavergonhada de Snyder, bom… de quem é realmente a culpa, não é mesmo? E porque estamos tão empenhados em parecer sofisticados, no fim das contas?

O Snyder Cut, de certa forma, foi a cereja no bolo de uma construção de cinema de super-herói que deve muito ao diretor - e, ao mesmo tempo, que não parece entender nada do que ele fez. Se a sua conclusão após assistir a quatro horas de imagens extravagantes de atores posando como estátuas gregas é que filmes de super-heróis são mais “sombrios e realistas” por causa de Zack Snyder, eu não sei o que te dizer. Aos meus olhos, poucos artistas foram mais enfáticos em sublinhar a irrealidade de seu mundo - e, por extensão, do mundo dos quadrinhos - quanto ele.

Enfim, é isso. Zack Snyder, para além do meme, é só um cara que quer brincar. O conceito de brincadeira dele envolve muito sangue, morte e violência? Sim, bastante. Mas já faz séculos que a humanidade cria entretenimento, alimenta a cultura pop, com imagens brutais. Elas expressam algo de primitivo dentro de nós, desvelam o núcleo simples das histórias que nos guiam como indivíduos e sociedade - e, por isso, só se tornam mais e mais fascinantes conforme nos consideramos mais e mais “civilizados”. 

O trabalho de Snyder, de certa forma, é só reproduzir essas imagens, eternizá-las por mais uma geração. É um trabalho sujo, até um pouco ingrato - a nossa cultura academicista tem uma tendência feia de só recompensar os seus melhores iconógrafos quando não estão mais vivos. Mas veja bem… pelo menos, ele está se divertindo fazendo.

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