Good vibrations! Novamente ocupando o labirinto de brinquedos que é o Playcenter, em São Paulo, o Planeta Terra confirmou sua posição de festival mais gente boa do país. Entre pequenos eventos e concorrentes gigantistas (ou seja, o SWU), este só leva vantagens. Localização central, boa infra-estrutura, pontualidade, organização e nível quase zero de confusão. Dá gosto.
A escalação de bandas, é claro, também ajuda. Na concorrência, "perdeu" grandes headliners para o semiWoodstock de Itu. Assim, assumiu de vez sua verve indie de bandas que não carregam a balbúrdia de um público monstruoso. Aqui, acaba valendo mais o hype do que a tradição, dividido entre os dois palcos concorrentes.
Passion Pit
Of Montreal
Empire of The Sun
Mika
Hot Chip
Pavement
Smashing Pumpkins
Girl Talk
Phoenix
Mesmo sem um line-up épico (em comparação com a dobradinha Iggy Pop + Sonic Youth de 2009, por exemplo) o Terra aposta nas bandas que fazem a festa da imprensa moderninha no exterior. E cai em conclusões divertidas, como "o festival que reúne o maior número de vocalistas que curtem um falsete".
Duvida? Faça a lista: Mika, Kevin Barnes (Of Montreal), Thomas Mars (Phoenix), Luke Steele (Empire of The Sun), Chris Keating (Yeasayer), Michael Angelakos (Passion Pit), Joe Goddard (Hot Chip) os brasileiros do Holger e Novos Paulistas e até Stephen Malkmus (Pavement). Ou seja, dez das quinze bandas escaladas. Diz muito sobre o momento atual do rock e afins, tão distante da macheza desafiadora de voz grossa de antigamente.
Purpurina
Não de graça, o Terra reuniu três ícones do pop flamboyant de hoje. Um bem-vindo alívio gay friendly para a homofobia que paira sobre a cidade nestas últimas semanas. No palco menor, a dupla australiana Empire of The Sun investiu em figurinos exóticos, com plumas e cocares, coerentes com seu pop oitentista.
No palco principal, não diferente, Kevin Barnes liderou a trupe (quase circense) do Of Montreal vestindo saia de tutu sobre meia-calça roxa. Assistir à performance do vocalista é entender o porquê de ele ter tomado um pé na bunda da namorada de Montreal (história que, diz a lenda, batizou o grupo). Barnes é exagerado, indefinido, over, hiperativo. Mas como ele mesmo disparou, em determinado momento, a um fã mal humorado do Smashing Pumpkins que estava na grade: "não me julgue!".
Seu figurino é mero detalhe perto da apresentação funkeada e ultrapop, inserida entre viradas de bateria de banda indie e dançarinos performáticos metidos em colantes purpurinados e máscaras de porcos, caveiras e peixes surreais, fazendo um teatrinho feito mutantes pós-apocalípticos. A nova "Black Lion Massacre" abriu o set, que deu preferência à porção mais animada do último disco, False Priest ("Coquet Coquette", "Sex Karma", "Our Riotous Defects") e boas músicas pinçadas dos outros discos da banda ("Suffer for Fashion", "The Party's Crashing Us").
Logo na sequência e, pode-se dizer, mais discreto, Mika tomou o palco para um show mais consistente, baseado nos seus dois discos (Life in Cartoon Motion e The Boy Who Knew Too Much). Apesar do escorregão do playback descarado no começo (em "Relax, Take It Easy"), que se repetiria em outras faixas, o libanês radicado em Londres é do tipo que conquista pelo charme.
Mistura Broadway com Elton John, Freddie Mercury com Maria Callas, Madonna com Fred Astaire e mergulha no pop descarado e sexualidade, sob as flores que cobrem seu piano. Mas não é só fórmula, veja bem. Acompanhado de uma bela banda, Mika se vale mesmo, além dos trejeitos bailarinos, é da sua garganta profunda. Aí vai da épica "Billy Brown" ao hino "We Are Golden", da sem disfarces "Lollipop" ao coro de "Big Girl (You Are Beautiful)", alcançando agudos impressionantes e com confiança de showman.
Moderninhos
No chamado "palco indie", espremido ao lado do Castelo dos Horrores, Passion Pit e Hot Chip seguraram a onda do público do pop eletrônico moderno. A última, inclusive, ganhou justiça em São Paulo: voltou com um belo disco nas mãos (One Life Stand, lançado este ano) e apagou as lembranças da passagem prejudicada no Tim Festival de 2007.
Enquanto isso, no palco principal, a francesa Phoenix também voltava ao país (passaram por aqui no Nokia Trends de 2007) para provar o valor do hit maciço "Lisztomania" (de Wolfgang Amadeus Phoenix, lançado no ano passado). Como de costume, o grupo de Thomas Mars abriu o show com a música. E deu com os burros n'água. Uma água rasa, mas ainda assim.
O instrumental potente e grudento de "Lisztomania" acabou chapado pelo volume repentinamente baixo do palco, diminuindo o potencial da histeria coletiva. Nada que diminua a empolgação dos fãs, mas foi uma ficha preciosa queimada.
O Phoenix de hoje é bem diferente do de três anos atrás. Famosos e calejados, aparecem mais seguros de si, no seu papel de banda pop francesa. Aí podem atacar tanto com os bons hits, como "1901", "Lasso" e "Run run run", quanto com a viagem instrumental "Love Like a Sunset" - quando Mars passou o tempo deitado no chão do palco, cabeça no amplificador, observando a banda.
Mas apesar da boa fase, talvez por estarem no fim de turnê, talvez por serem franceses mesmo, o Phoenix caiu no show irregular. Nem o "crowd surfing" de Mars, no final da apresentação, colaborou. Uma pena que o Daft Punk, que virou assunto de um imenso telefone sem fio nos dias anteriores ao festival, não apareceu de verdade para ajudar a esquentar.
De volta aos anos 1990
O encerramento, à parte a bagunça provocada pelo mashupeiro Girl Talk, ficou na tensão entre os "velhos inimigos" Pavement e Billy Corgan, que encerraram o palco principal.
A rixa é velha, desde que a primeira citou os Smashing Pumpkins na letra de "Range Life". E lá se vão 15 anos de reações exageradas por parte de Corgan, que voltou à carga via Twitter pouco antes da viagem ao Brasil.
O que se viu no ringue foi uma banda blasé versus um roqueiro obsessivo por mostrar trabalho. Quem ganha?
Reunidos depois de uma década, o Pavement se apresentou para um público compacto de fãs. Apesar de ser nome clássico do indie dos anos noventa, o quinteto não é das bandas mais conhecidas por aqui. No palco, entre concentrados e burocráticos, os americanos não parecem ter superado as divergências que levaram à separação.
Quietos e focados, levaram a sério a turnê baseada na coletânea Quarantine The Past, lançada este ano. A partir de "Gold Soundz", que abre o disco e abriu o show, foram 22 músicas pinçadas entre os grandes hits dos cinco discos da banda. Alguns dos seus hinos apareceram - "Cut Your Hair", "Spit On a Stranger", "Stereo", "Date with Ikea" - enquanto Stephen Malkmus dividia os vocais com Scott Kannberg e os gritos do percussionista-macho-alfa Bob Nastanovich.
O charme do Pavement, com suas músicas dissonantes e levemente erradas, continua vivo no palco e ainda atual. Mesmo que Malkmus, que foi o responsável pela debandada há 10 anos, se mantenha visivelmente distante dos companheiros.
No caso dos Smashing Pumpkins, a história de certa forma se inverte. O charme também está lá, da banda melancólica e agressiva liderada por um Billy Corgan com cara de enfezado. Ele também se mantém distante da sua banda (que não carrega mais ninguém das formações originais), mas como um líder espiritual.
Dá para perceber que, dependesse da sua vontade, Corgan tocaria todos os instrumentos ao mesmo tempo, para mostrar como as músicas deveriam soar de verdade. Não parece perceber (ou pelo menos não demonstra) que tem uma baixista cativante (Nicole Fiorentino) e um belo baterista (Mike Byrne, ironicamente nascido quando a banda começava a fazer sucesso).
Apesar do esforço e da vontade de se provar ainda como nome relevante no cenário do rock, os Pumpkins não conseguem se desligar da imagem de banda noventista. Nada de errado, não fosse a encanação do seu líder de que isso é uma coisa ruim.
Por isso ele sua para provar o valor das músicas novas (e nem tão brilhantes), como "The Fellowship" e "Astral planes", que passearam pelo set, entre solos instrumentais e citações ao hino norte-americano em "United States". Alívio fica para as clássicas - tipo "Ava Adore", "Tonight, Tonight", "Cherub Rock" -, que é o que o povo quer ouvir. Corgan deveria ouvir mais o povo - e não só o fã hardcore, que ainda usa aquela surrada camiseta com o "zero" estampado.