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A triste sina do Museu de Artes Gráficas

A triste sina do Museu de Artes Gráficas

03.04.2003, às 00H00.
Atualizada em 11.12.2016, ÀS 04H05

Alguns meses atrás, tudo parecia ser motivo de alegria no meio gráfico brasileiro. Afinal, depois de vinte anos de lutas, decepções, insistências e muita perseverança, inaugurava-se, na cidade de São Paulo, o Museu de Artes Gráficas (MAG). Resultado do trabalho de vários entusiastas, liderados pelo quadrinhista Gualberto Costa, o Museu surgia com o objetivo de preservar a memória da produção gráfica nacional, garantindo que o trabalho dos artistas da área não se perdesse ou fosse esquecido pelas gerações que lhes seguiam. Assim, no dia da inauguração, dezenas de artistas cumprimentavam-se e festejavam o acontecimento com uma grande multidão de visitantes que lotou o espaço de exposição, onde estavam dependurados trabalhos de Angeli, Ignácio Justo, Rodolfo Zalla, Jô Oliveira, Spacca, Glauco, Lailson e tantos outros expoentes das artes gráficas brasileiras, além de uma exposição autoral do trabalho do desenhista Laerte Coutinho. Tudo era festa e havia motivos de sobra para comemorar.

Infelizmente, no entanto, a alegria durou pouco.

Nem bem haviam sido pendurados nas paredes os painéis da primeira exposição e os primeiros visitantes se deleitavam na admiração dos cartuns e histórias de quadrinhos ali expostos quando as coisas começaram a mudar. E para pior.

Infelizmente, a mudança de administração da Secretaria Estadual de Cultura, em vez de trazer ao Museu novos e ampliados horizontes, trouxe, isto sim, os ares sombrios do desconhecimento e da incompreensão. Nem bem inaugurado, e ele já corre o risco de fechar. Definitivamente. À nova secretária de Administração, a sra. Cláudia Costin, parece não interessar a preservação e divulgação das artes gráficas no país. Assim, por ordem dela ou de seu staff, retiraram-se os painéis das paredes, interromperam-se os diversos projetos de novas exposições e publicações próprias, enterraram-se as esperanças de várias categorias profissionais, dos estudiosos das histórias em quadrinhos e do humor gráfico no país e de todos aqueles que admiram o trabalho dos artistas gráficos brasileiros.

De certa forma, a postura da atual burocrata-mór da Secretaria Estadual de Cultura não causa espanto. Afinal, ela faz parte do modelo dominante na administração pública brasileira, onde, em todos os níveis, impera a contestação irrestrita - ou, melhor dizendo, destruição irrestrita - de tudo o que foi feito pelos antecessores de cargo, estejam eles no mesmo partido político ou em partidos diferentes.

Lamentavelmente, a nova administradora não foge à regra. O que causa espanto, isto, sim, é a posição totalmente desprovida de sentido de uma pessoa que foi colocada como responsável pela área de cultura do Estado mais importante do país. Alguma coisa está errada aí.

É difícil imaginar como pode alguém responsável por uma Secretaria Estadual de Cultura estar tão distante assim das questões culturais, a ponto de, por meio de sua secretária-adjunta, falar tolices como o museu não tem interesse para o público ou que só há interesse por um grupo pequeno de desenhistas, demonstrando um total desconhecimento da longa tradição iconográfica do país (com certeza, ela jamais leu qualquer dos livros a respeito do assunto, como Raízes do riso, de Elias Thomé Saliba, ou As longas barbas do Imperador, de Lilia Moritz Schwarcz...). Pior, ainda, quando se mete a afirmar que o museu não tem estofo artístico e cultural, jogando para a sarjeta a inestimável contribuição à vida cultural brasileira de pessoas como Ângelo Agostini, Pedro Américo, Cândido Aragonês de Faria, Bordalo Pinheiro, J. Carlos, Luis Sá, Belmonte, Péricles, Théo, Nássara, Álvarus e Henfil, para apenas mencionar os já falecidos. Mas isso é compreensível, pois parece que à atual gestão da Secretaria Estadual de Cultura só interessam mesmo os grandes projetos, retornando à política do pão e circo, que levanta muita poeira, mas que, em geral, pouca coisa deixa assentada. É a lógica dos números acima da lógica da razão, numa inversão que até mesmo Pascal provavelmente teria dificuldades para entender.

É muito triste ver um quadro de retrocesso desses, principalmente em um momento em que, vindos da administração federal, ventos de renovação parecem soprar com mais intensidade, colocando em xeque administradores como a atual Secretária de Cultura do Estado de São Paulo. No entanto, não é possível que uma idéia tão louvável como a criação de uma instituição voltada para a preservação e divulgação das artes gráficas no país, o Museu de Artes Gráficas, possa se tornar refém do narcisismo e da ignorância de burocratas mais preocupados em divulgar seus nomes em grandes espetáculos de estilo circense do que em trazer perene contribuição à cultura paulista e brasileira.

A reação tem que ser forte e eficiente, demonstrando a importância do assunto para a sociedade. Neste sentido, o abaixo-assinado virtual (clique aqui) e não-virtual organizado por Gualberto Costa, atual diretor do Museu, merece o suporte de todos aqueles que desejarem manifestar publicamente o seu repúdio ao fim dessa entidade. Quanto maior a adesão a ele, mais evidente ficará para o governo paulista em geral e para a Secretaria de Cultura em particular que o Museu não é foco de interesse de apenas uns poucos desenhistas, mas fala de perto aos anseios de uma grande parcela da população.

Por outro lado, também não se deve desprezar, nesta luta, as armas que os artistas gráficos dominam com maior maestria, ou seja, a ironia, o escárnio e a sátira. Assim, que os caricaturistas caricaturem, que os chargistas pensem em novas charges, que os cartunistas se debrucem sobre seus cartuns, que os quadrinhistas elaborem histórias em quadrinhos tendo por foco o momento nefasto em que vivem as artes gráficas no país. E que os poderosos do momento tremam em suas bases, porque a arte gráfica é aquela que melhor consegue retratar o ridículo...

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