Agora, as colunas AQUI DENTRO e LÁ FORA se fundem e ganham uma periodicidade semanal. Era um projeto antigo e que vai servir pra gente dar mais vazão para as coisas que saem no Brasil e manter você também atualizado sobre o que está acontecendo longe das nossas bancas.
Vamos lá?
Jimmy Corrigan
Daredevil Omnibus
AQUI DENTRO: JIMMY CORRIGAN O GAROTO MAIS ESPERTO DO MUNDO
Por Érico Borgo
POR QUÊ: Entre todas as qualidades de Jimmy Corrigan: O Garoto Mais Esperto do Mundo, creio que a mais importante seja como ela faz o leitor e o mercado pararem para refletir sobre a linguagem dos quadrinhos. Afinal, se uma história pode ser contada em diversas mídias, por que o autor deveria optar por um gibi para torná-la real?
QUEM? Chris Ware, premiado ilustrador, diagramador, escritor, quadrinista e faz-tudo, responde essa pergunta com um inventido domínio da técnica narrativa da Nona Arte - e de algumas outras também. Simplesmente, não seria possível contar a história de Jimmy Corrigan com essa intensidade de outra maneira que não nos quadrinhos.
Ware usa uma estrutura que dá um ritmo todo particular à obra. Ora emprega uma dezena de quadros miúdos nas páginas. Ora explode a ação (ou inação) em página inteira, muitas vezes para mostrar detalhes arquitetônicos precisos, uma cena dramática ou... nada. Eventualmente insere diagramas, modelos pra montar ou surpresas do tipo, tudo ligado de maneira subjetiva à trama.
Entre outras subversões, ele inverte, por exemplo, a maneira como se usam recordatórios. Os "enquanto isso" e "muitos anos atrás" tornam-se coloridos elementos decorativos, sem muita função, abrindo espaço para uma iconografia sutil que, auxiliada pelos tons, demonstra passagens do tempo. Demora para se acostumar, mas quando isso acontece, dá vontade de recomeçar tudo, apenas para apreciar essas transições.
O QUÊ: Serializada originalmente na revista Acme Novelty Library, Jimmy Corrigan foi lançada como graphic novel em 2000. A trama acompanha a história de um homem de 36 anos, extremamente solitário e seriamente fragilizado, que parte em viagem para conhecer seu pai. Sua história se cruza com a de seu avô, ainda vivo, que nasceu no fim do século 19.
É uma história de fracassos e fracassados, depressiva e lindamente executada. Definitivamente, vai desafiar o que você entende por quadrinhos. Ou pelo menos deveria.
ONDE E QUANTO: Jimmy Corrigan: O Garoto Mais Esperto do Mundo está nas livrarias pelo selo Quadrinhos na Cia., da Cia. das Letras. O tijolão de 384 páginas coloridas, com acabamento costurado e 16,5 x 20,3 cm, custa módicos 39 reais! Ou aqui, com 20% de desconto, por 35 reais.
LÁ FORA: DAREDEVIL BY BRIAN MICHAEL BENDIS OMNIBUS, vol. 1
Por Érico Assis
O QUÊ: Uma coletânea monstro com as trinta e cinco primeiras edições de Demolidor roteirizadas por Brian Michael Bendis.
QUEM: Brian Michael Bendis - explico ali embaixo - e, na maioria das histórias, o desenhista Alex Maleev.
POR QUÊ: A primeira vez que li o nome Brian Michael Bendis foi numa Wizard de 95 ou 96, talvez antes, que tinha uma matéria sobre um gibi indie chamado Jinx. A série tinha uma história policial, sobre uma caçadora de recompensas, e a matéria destacava como Bendis, escritor e desenhista, pesquisou a fundo caçadores de recompensas e... fonoaudiologia. Inspirado pelos filmes de David Mamet, ele queria aprender na teoria como transferir a fala natural das pessoas - com pausas, repetições, gaguejos, construções estranhas - para os balões dos quadrinhos.
Alguns anos depois, Jinx foi para a Image. Veio Powers, colaboração de Bendis com Michael Avon Oeming. Todd McFarlane "descobriu" Bendis e convidou-o para lançar a série de Sam & Twitch. Depois, outra série, Hellspawn. Enfim, a Marvel bateu na sua porta querendo alguém fora dos padrões da editora para recontar a história do Homem-Aranha desde o início em Ultimate Spider-Man. Depois veio Demolidor. E Alias. E Elektra. E Vingadores. E Bendis, como muito fã sabe, hoje domina o Universo Marvel.
Mas enquanto ele conquistava massas de leitores com Ultimate Spider-Man, seu respaldo crítico vinha de Demolidor. E é justamente o que essa mega coleção Omnibus (primeira de duas, aliás) traz: uma longa história de crime e castigo com um dos personagens que mais atraiu autores de respeito à Marvel.
Toda a passagem de Bendis pelo Demolidor é marcada pela revelação da identidade secreta do herói: um cupincha de quinto escalão do Rei do Crime que fica sabendo do segredo, vende para um agente do FBI, que vende para um jornal, e a vida de Matt Murdock vai para o inferno. A coleção acompanha toda essa história, até o momento em que Murdock estoura e resolve assumir o lugar do Rei.
Fora colocar o personagem em situações inovadoras, o que Bendis mostrou com o Demolidor foi uma forma diferente de lidar com a narrativa, até hoje não muito difundida nos quadrinhos. Suas referências principais eram os seriados de TV como Família Soprano: passear por todo o universo em torno do personagem, com cortes abruptos para cenas que parecem não avançar a narrativa (embora avancem), mas que têm significado forte para estabelecer o clima das histórias.
Aliás, uma das principais reclamações dos leitores quanto a Bendis era que havia "pouca história" a cada edição de Demolidor. A narrativa era realmente mais lenta - e Bendis ainda tinha que encher 18 edições por ano, ao invés das tradicionais 12 (a Marvel teve essa política com algumas séries na virada da década). Há inclusive duas edições que terminam no mesmo ponto: Murdock é atacado por Typhoid Mary ao final da 46; a 47 é um longo flashback que mostra como Typhoid voltou à cena, e termina com o mesmo ataque dela a Murdock. A sequência do ataque (anticlimática, aliás), só na 48.
Para alguns leitores, abuso. Para outros, uma experiência ousada de narrativa que só serve a uma mídia seriada como os quadrinhos. E quem assiste Lost sabe que os seriados de TV contemporâneos usam e abusam dessas estratégias narrativas para "inflar" uma história, mesmo que isso a deixe mais lenta. O jeito é ver a temporada completa quando sai em DVD - ou comprar uma coleção gigante das HQs de Bendis, como é o caso.
Vale lembrar que Bendis não conseguiria nem um décimo do impacto que teve no Demolidor sem o auxílio do colega Alex Maleev (que o acompanhou de Sam & Twitch). As páginas rabiscadas do ilustrador dão o tom certo para mostrar que essa não é uma HQ tradicional, mas sim algo revolucionário.
ONDE E QUANTO: O primeiro Omnibus de Daredevil by Bendis está esgotado na maioria das lojas... O negócio é tentar eBay ou outros meios. Mas ainda dá tempo de pegar o segundo Omnibus, que está em pré-venda e sai em janeiro nos EUA. Com 656 páginas e as últimas histórias do autor com o personagem, a coleção custará US$ 99,99 (R$ 179).