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Os quadrinhos norte-americanos protagonizados por heróis com capa e roupa colante costumam ser empregados para fazer propaganda ideológica dos Estados Unidos e defesa de seus interesses políticos. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, Superman e Batman combateram espiões a serviço do nazi-fascismo, enquanto Capitão América, Namor e Tocha Humana lutaram contra os exércitos alemães e japoneses. Já a Guerra Fria levou Stan Lee a criar vilões asiáticos e russos para suas personagens. Basta lembrar a origem do Homem de Ferro, que tem como pano de fundo a guerra do Vietnã.
Todavia, no final da década de 1960, dois jovens artistas resolveram utilizar os heróis da DC para tratar de maneira crítica a realidade americana, incentivando o debate sobre temas como o racismo e as drogas. O roteirista Dennis ONeil e o desenhista Neal Adams juntaram as forças do Arqueiro Verde e do Lanterna Verde não para combater ameaças espaciais ou de outras dimensões, mas para refletir sobre problemas mundanos que não tinham vez nos quadrinhos da época.
A dupla de criadores já havia renovado Batman, tornando-o mais sombrio e violento, como Bob Kane o imaginara originalmente, em 1939. Impedindo os planos do misterioso e insano Ras al Ghul e deixando-se seduzir pela filha do vilão, Talia, o Homem-Morcego conseguiu se distanciar da imagem cômica do seriado de TV, aproximando-se do clima das aventuras de espionagem em voga no cinema, na época.
No caso do Arqueiro e do Lanterna, porém, a reformulação foi ainda mais intensa. Oliver Queen, o herói arqueiro surgido na Era de Ouro como um playboy combatente do crime, tornou-se um homem mais maduro e de posições políticas mais radicais, que tenta influenciar o liberal Hal Jordan, o Lanterna Verde da Era de Prata. Juntos, embarcam em um road-comic pelas estradas americanas. Dinah Lance, a Canário Negro, passa a acompanhar a dupla e se torna o interesse amoroso do Arqueiro.
Já na primeira história, editada em 1970 na revista Green Lantern/Green Arrow número 76, a questão racial é o ponto central. No momento em que conflitos entre brancos e negros ganhavam a rua como uma espécie de guerra civil, em que o Congresso americano preparava-se para aprovar o fim da segregação no país, uma história em quadrinhos reproduz as faces do líder negro Martin Luther King e do senador Robert Kennedy, ambos vítimas de atentados que marcaram época.
O público brasileiro pôde ler algumas dessas narrativas em títulos nacionais, a exemplo da revista Superamigos, publicada pela Editora Abril, que, em sua quarta edição, apresentou as histórias O pranto dos pássaros feridos e A morte cresce dentro de mim, nas quais os heróis enfrentam um traficante de drogas e descobrem que Ricardito, o jovem ajudante do Arqueiro, é um viciado.
Agora, a editora Opera Graphica lança um álbum reunindo duas histórias inéditas no Brasil, ...E uma criança irá destruí-lo e Um mundo feito de plástico. Esta publicação bem cuidada tem formato americano, capa cartonada e lombada quadrada. A colorização foi feita por Alexandre Jubran, enquanto a edição e a tradução ficaram a cargo de Roberto Guedes.
Por todas essas razões, vale a pena adquirir o álbum e conhecer as narrativas engendradas por Dennis ONeil (que se tornou, depois, editor das revistas do Batman) e a arte gótica de Neal Adams, um dos melhores desenhistas de quadrinhos de heróis de todos os tempos (ao lado de Jim Steranko, Jack Kirby, Jim Aparo, George Perez e John Byrne).
Lanterna Verde e Arqueiro Verde: Sem destino tem 64 páginas em cores e custa R$ 19,90. A edição ainda apresenta artigo escrito por Roberto Guedes sobre os heróis e os autores, Dennis ONeil e Neal Adams, cujas biografias se encontram nas orelhas da edição.
Roberto Elísio dos Santos é pesquisador sênior do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP, jornalista, doutor em Comunicação pela ECA-USP, professor do IMES - Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul e autor do livro Para reler os quadrinhos Disney (Editora Paulinas).