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Mesmo Delivery e The Bottonless Belly Button

11.09.2008, às 01H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H39

MESMO DELIVERY

Sangue, brigas, o demônio, um caminhão e uma carga enigmática. São algumas das figuras que montam Mesmo Delivery, álbum do brasileiro Rafael Grampá que dá o pontapé inicial na sua carreira solo nas graphic novels.

Mesmo Delivery

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THE BOTTOMLESS BELLY BUTTON

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Lá Fora

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Mas peraí. HQ brasileira na Lá Fora?

Calma. Mesmo Delivery está quase chegando ao Brasil (pela editora Desiderata), mas seu début se deu nos EUA, na última San Diego Comic-Con, distribuído pela editora AdHouse. Grampá, concorrendo ao Eisner pela sua contribuição à antologia 5, não queria chegar de mãos abanando e pagou do próprio bolso a versão em inglês do seu trabalho (com textos adaptados pelo roteirista norte-americano Ivan Brandon). E a HQ já está dando o que falar lá fora.

Começa com um motorista de caminhão e seu colega de viagem levando a carga enigmática por uma estrada no meio do nada. Uma parada para mijar acaba em uma briga e uma cena de espadas, sangue e corpos retalhados - bem como a revelação da carga misteriosa - que faria Quentin Tarantino babar de inveja.

Grampá é um ilustrador fantástico. O desenho detalhadíssimo - preste atenção nos cenários, no fundo de cada quadro - mistura Paul Pope, Geoff Darrow, toques de Frank Miller e narrativa de mangá de ação, dos mais acelerados. A narrativa é precisa: você sente o tempo congelar quando as cenas de ação estão para começar. A matança é embalada por Elvis Presley - a letra de "A Little Less Conversation" se mistura às imagens. Antes que você perceba, o gibi de 56 páginas acaba, como aqueles curta-metragens que você gostaria que fossem longas, mas que você sabe que estão perfeitos daquele tamanho.

Grampá saiu de San Diego com um Eisner nas mãos - com os irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá, a quem dedicou o álbum, formou o trio de primeiros brasileiros a ganhar o prêmio. Mesmo Delivery corre o risco de aparecer no ano que vem na categoria "Melhor História Curta", que premia o melhor das histórias geniais e despretensiosas do mercado norte-americano. Se for pelo falatório que está gerando entre quadrinistas e críticos, já tem a indicação confirmadíssima.

O certo é que o Brasil ganhou (ou perdeu, considerando que o cara já garantiu o passe para as grandes editoras dos EUA) um novo grande talento nas HQs. Só falta este falatório chegar aqui: Mesmo Delivery tem previsão de lançamento para este mês nas livrarias brasileiras.

THE BOTTOMLESS BELLY BUTTON

Continuando nas histórias que estão dando o que falar, tudo indica que já apareceu a HQ literária do ano. Em 2007 foi Fun Home, em 2006 American Born Chinese, antes Blankets, Jimmy Corrigan (essas duas ainda precisam aportar aqui), Maus e outras. 2008 é o ano de The Bottomless Belly Button.

Dash Shaw, o autor, publicava algumas historinhas em coletâneas de alternativos e na Internet. Também já havia publicado um álbum, The Mother's Mouth, que pouca gente notou. Estava guardando há anos um projeto magnânimo na gaveta: uma graphic novel de mais de 700 páginas sobre uma família disfuncional que combina o melhor da literatura e do cinema sobre famílias disfuncionais (os livros de J.D. Salinger e Rick Moody, os dramas de Woody Allen).

É a história do encontro, talvez o último, da família Loony. Pai e mãe Loony vão se separar após 40 anos juntos, e filhos e netos reúnem-se na casa de praia para entender o que aconteceu. Acabam descobrindo um pouco do passado escondido da família, bem como o que vai acontecer com o futuro de todos eles.

O mais interessante da história é que a família Loony ("maluco", em inglês) é como qualquer outra, com seus pequenos traumas e pequenos problemas de personalidade. O que importa é como Shaw conta a história, construindo cenas fantásticas dos acontecimentos mais mundanos - de um jeito que só a narrativa dos quadrinhos poderia fazer, cheio de diagramas, de efeitos sonoros ressonantes, de páginas em que só uma parcela mínima do espaço é desenhada. É a linguagem literária dos quadrinhos, que ainda está em construção.

As 700 páginas deixam o livro do tamanho de um tijolo. Mas passam rápido, muito rápido, especialmente porque você não consegue largá-lo. O autor recomenda, na primeira página, que você leia os três capítulos separadamente, e vale a pena respeitar. Os dias que você passa lendo The Bottomless Belly Button criam o mesmo envolvimento com a família Loony que você tem com os bons personagens da literatura.

Também como esses bons personagens literários, você fica triste quando a história acaba e tem que se despedir deles. É aí que você entende o título da obra - mencionado apenas uma vez, escondido no meio da história - e começa a pensar se não é uma das melhores HQs já escritas.

Torça para que chegue ao Brasil, por alguma grande editora de boa literatura. Ou, se está precisando de uma ótima HQ, compre logo em inglês.

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