Imagine os desenhos animados mais toscos do universo. Neles, tinha de tudo do ruim e do pior. Pra completar a capenguice, só faltava um letreiro bem fuleiro dizendo orçamento de fome. De resto, era uma um defeito atrás do outro.
Duvida&qt;& Pois, então, pense nas transposições mais constrangedoras de HQs para a telinha. Agora, acrescente personagens estáticas que, em vez de andar, deslizam pelo cenário. Não pare ainda. Limite os movimentos dos ditos cujos a impagáveis piscadelas, bocas arreganhadas e gestos alquebrados; isso sem falar nas panorâmicas de câmara com pessoas papeando imóveis. Difícil de engolir, não&qt;& Só que ainda não acabou. As cenas de ação eram mais geladas do que fotografia. Se alguém levava porrada, quanto muito tremia como vara verde. E como se não bastasse, para garantir os efeitos sonoros, pipocavam onomatopéias grafadas. Pow! Soc! Bang! Com elas, não se fazia economia. As letrinhas enchiam a tela inteira.
Pois essas canastrices não são fruto da imaginação hedionda de algum demente. Acredite se quiser, eu estou falando dos primeiros desenhos animados - ou melhor, desanimados, como entraram para a história da breguice - da Marvel Comics nos idos da década de sessenta. No entanto, o que talvez seja ainda mais difícil de aceitar é que estes verdadeiros abacaxis televisivos viraram cults e hoje ocupam lugar de destaque no coração de muitos quarentões.
Mas, afinal, como uma podreira dessas pôde ser cultuada&qt;&
A resposta, investigativo e abismado leitor, é mais evidente do que o umbigo da Tiazinha. Por acaso, haveria adaptação mais fiel dos quadrinhos para as telas&qt;& De jeito maneira.
Os desenhos eram extraídos diretamente das revistas, quase sem adaptação. A eles, acrescia-se apenas o essencial para que se classificassem como animações. Os roteiros, bem como as falas e - por que não&qt;& - o indefectível narrador eram transpostos ipsis litteris das páginas dos gibis para os raios catódicos dos televisores. Era uma coisa de louco. Estava tudo lá: a arte-final carregada, as cores berrantes, as linhas cinéticas e as onipresentes onomatopéias. Era a cara e a fuça das revistas. Por pouco, em vez da dublagem e de uma trilha sonora rampeira, não meteram lá balões e recordatórios.
E tem gente que acha que South Park é original.
NUM PAU BRABO!
Os verdadeiros heróis visionários" responsáveis por essa "revolução" foram os animadores do finado estúdio Grantay-Lawrence, a mesma turma que, mais tarde, produziu - agora com um orçamento digno - a primeira e memorável série animada do Homem-Aranha.
O ano era o longínquo 1966 e uma série live-action baseada em quadrinhos havia se tornado o maior fenômeno dos Estados Unidos: o seriado Batman da rede ABC. Estrelado por Adam West e Burt Ward, o programa deixou em polvorosa as emissoras concorrentes. De uma hora para a outra, todo mundo queria também faturar em cima dos gibis.
Foi nesse fuzuê que um certo velhaco chamado Stan Lee viu a chance de debutar suas crianças nas televisões americanas. Associando-se aos produtores Steve Krantz e Bob Lawrence, o homem que inventou a Marvel vendeu a idéia à Paramount. Dito e feito, ainda em ainda em 1966, o estúdio começou a veicular as animações. Não é preciso dizer que toda a produção foi feita a toque-de-caixa.
Para se ter uma idéia da pauleira, o tempo médio de produção de um desenho decente de 22 minutos é algo em torno de seis meses. Pois, no caso dos Super-Heróis Marvel, um único estúdio realizou cinco séries com treze episódios cada em... pasmem!!!... menos de um ano.
Ficou ou não ficou claro de onde vieram muitas das "opções estéticas" dessas tranqueiras&qt;&
MAIS FIEL IMPOSSÍVEL...
Capitão América, o Poderoso Thor, o Incrível Hulk, Homem de Ferro e Namor foram os escolhidos para protagonizar o programa Marvel Super-Heroes.
Suas aventuras dividiam-se em histórias com três blocos de cinco minutos. Cada um deles adaptava exatamente uma edição do herói em questão. Para economizar tempo, havia sempre um resuminho dos fatos anteriores e uma narrativa em off cheia de suspense. Puro gibi!!
Um dos grandes baratos era ver animações diretamente extraídas do traço de Jack Kirby, o desenhista e co-autor da maior parte dessas HQs. As exceções ficavam por conta do Homem de Ferro, desenhado por Don Heck e de Namor, que exibia a elegância de Gene Colan. Os roteiros, sem exceção, eram assinados (ou pelo menos creditados) ao titio Stan.
Entre as aventuras escolhidas, estavam algumas das primeiras da Marvel. Nas telas, podíamos ver o Capitão América lutando na Segunda Guerra Mundial ou vinte anos depois, recém-descongelado pelos Vingadores. O Bruce Banner ainda conseguia enganar todos na base Gama. O Hulk, por sinal, era bem mais inteligente (e sacana) do que suas versões posteriores. Thor era o médico Don Blake e amava secretamente a enfermeira Jane Foster. O Homem de Ferro ainda precisava de sua armadura para sobreviver e Namor vivia o chove-não-molha romântico com Lady Dorma.
Eram os heróis Marvel em seus primórdios, muito antes de qualquer reformulação ou queda de vendas.
NO BRASIL, O CLUBE MARVEL
Nestas bancas, nossos heróis aportaram um ano depois sob o patrocínio da companhia Shell. Sim, abismado leitor! Houve um tempo em que grandes empresas patrocinavam quadrinhos. Juntamente com a saudosa editora EBAL, esse gigante do petróleo bolou uma interessante campanha. Alavancados pela audiência dos desenhos na TV - O Clube Marvel como ficaram coletivamente conhecidos - os postos Shell distribuíram gratuitamente, a quem abastecesse, a primeira edição das novas revistas, Hulk & Namor, Capitão América & Homem de Ferro e Thor.
Foi uma jogada e tanto que impulsionou a invasão de quadrinhos gringos. Até hoje, o sucesso desses gibis e seus descendentes tira o sono dos autores locais. Mas isso são outros quinhentos...
Até meados dos anos oitenta, esses desenhos foram exaustivamente reprisados em diversas emissoras. Depois disso, desapareceram como que por encanto. Em vídeo, foram lançadas apenas duas fitas - já fora de catálogo - com alguns episódios do Capitão América. Alguma insistência arqueológica, porém, pode garantir que sejam encontradas em locadoras mais antigas. Entretanto, para júbilo e regozijo dos amantes do trash, os Marvel Super-Heroes foram remasterizados e postos novamente à venda nos Estados Unidos. Tudo indica que logo vão dar as caras retocadas por aqui.
Em todo caso, algo inexplicável e maravilhoso aconteceu ano passado. Para surpresa geral, o canal a cabo Fox Kids exibiu os episódios desanimados do Homem de Ferro. A tranqueira veio no meio de outras velharias da Marvel como o Homem-Aranha e seus Amigos e Mulher-Aranha. A resposta do público foi tão boa, que agora o canal decidiu desenterrar mais representantes da era jurássica da Marvel.
Pois que venham muito mais. Afinal, os desenhos desanimados são o que há de melhor no pior. Enfim, clássicos insuperáveis.
Confira a parte 2 desta matéria!
Veja também o guia de episódios!