Carne,
Osso e Pouca Teia
O
seriado de TV dos anos 70 do Homem-Aranha
Se fez sua lição de casa, o diretor Sam Raimi certamente reviu sua coleção de vídeos de uma certa personagem em busca de algumas idéias de como não realizar a sua versão do filme do Homem-Aranha. Mas que vídeos seriam esses? Que tal darmos um passeio pelo similar dos distantes anos 70? Conheça aqui a série clássica do Aranha nos anos 70.
O seriado The Amazing Spider-Man foi uma das primeiras adaptações em carne e osso das crias de Stan Lee para a telinha. Imagine você a expectativa que se criou na época em torno do programa. Afinal, a personagem vivia ainda seus anos áureos, tanto em popularidade quanto em qualidade de histórias. Pois bem, imagine agora a decepção dos fãs ao se depararem com um seriado repleto de roteiros terríveis e personagens mal-concebidas. Além de uma emissora que não sabia o que fazer com a série.
ELENCO NÃO
APROVEITADO
Enquanto,
nos quadrinhos, um dos grandes pilares do sucesso era o elaborado elenco de
coadjuvantes, que criava uma vida pessoal mais plausível ao herói, a versão
televisiva descartava tudo isso para se dedicar apenas à aventura.
Do elenco das HQs, estava presente o editor do jornal Clarim Diário, J. Jonah Jameson, interpretado no piloto por David White (da série , A Feiticeira) e, no resto da série, por Robert F. Simon. Não mais o irascível inimigo público do Aracnídeo, mas um nervoso e pão duro editor que até simpatizava com o herói! Ainda no jornal, havia a secretária espertinha, Rita Conway (Chip Fields, numa versão da Glory Grant das HQs?) e o editor Robbie Robertson , um garotão de costeletas da mesma idade de Parker, que apareceu apenas no piloto. Já a amável tia May foi reduzida a duas pontas inexpressivas.
Havia ainda o esquisito Capitão Barbera (Michael Pataki) - nenhuma relação com Capitão Stacy, pai da falecida namorada de Peter, Gwen Stacy -, um policial chato que não servia para nada e a repórter-mala Julie Masters (Ellen Bry), uma versão chinfrim de Lois Lane que competia com Peter pelos furos de reportagem, servindo, claro, de ocasional interesse romântico de nosso atarefado protagonista.
UM CANASTRÃO PRENDADO
Peter Parker, o alter ego de nosso herói era uma figuraça de cabelo em forma de penico (como conseguia arrumar tamanha cabeleira sob a máscara era um enigma...), sempre bem alinhado de terninho esporte e gravata. Sem falar da indefectível máquina fotográfica eternamente pendendo do ombro.
Pobre Peter. Nem motivação, ele tinha direito para combater o crime. O assassinato de seu tio Ben e todo o complexo de culpa decorrente nem de longe são arranhados no seriado. Simplesmente, um belo dia, após se dar conta de que podia subir pelas paredes, Parker costura (rapaz prendado...) um belo colante azul e vermelho e sai por aí a se esfregar pelos edifícios e distribuir sopapos em punguistas. Como qualquer pessoa normal faria numa situação dessas, não é mesmo?
TRAMBOLHOS E TRAQUITANAS INÚTEIS
Visualmente até que o uniforme era fiel ao dos quadrinhos. Quer dizer, se não levarmos em conta o incrível e chamativo cinto, o qual ostentava o glorioso detalhe de uma fivela com seu simpático rosto em relevo. E, é claro, temos de fazer vista grossa ao magnífico lançador de teias (isso mesmo, ele usava apenas um) que levava no pulso direito. Eis aí dois trambolhos vistosos e desajeitados que mais atrapalhavam do que ajudavam.
O botão do lançador, por exemplo, era do tamanho de uma colher... Horrível, não? O pior é que ele a disparava simplesmente estendendo a mão. Então pra que o botão? Mas, se analisarmos friamente, como é que, nos quadrinhos, o Aranha esconde tão bem suas traquitanas? E sem deixar um mínimo volume aparente sob aquela malha colada? Ponto para a equipe do seriado, que viu que a coisa não dava pé mesmo. Mas nem por isso, o resultado ficou mais apresentável...
Outros detalhes interessantes: ele usava botas duplas. Ou seja, a malha do uniforme era uma peça única e fina e, conseqüentemente, os pés de nosso herói precisavam de proteção decente. Para isso usava uma bota plástica que destoava do resto da roupa.
O mesmo valia para as luvas em algumas cenas perigosas.
A máscara não destacava do uniforme, como nas HQs, ela era presa com velcro (por sinal, muitas vezes evidente) na divisão entre as teias e a parte azul das costas do traje. Mas exigir o quê de um sujeito que não era costureiro profissional?
MARCAS REGISTRADAS
DOS QUADRINHOS AUSENTES NA TV
A atuação da personagem é um caso à parte. Se nas HQs, o Aranha irrita seus
adversários com piadinhas infames, na TV, quando vestia seu galante uniforme,
o coitado emudecia. Talvez de vergonha ou algo assim.
Imagine agora um Homem-Aranha abobalhado, tão ágil quanto Renato Aragão em seus tempos de Saltimbanco Trapalhão e acrobacias circenses. Claro que temos de dar um desconto às bocejantes cenas de luta. Afinal ainda não era praxe importar coreógrafos chineses para incrementar o realismo das batalhas. Ainda sobre a expressão corporal de nosso amigo, o melhor que se pode dizer a respeito é que ele se movimentava como um inseto cego, virando a cabeça o tempo todo como se sofresse de algum tique nervoso. Vai ver, os duvidosos olhos da máscara não facilitavam muito a visão periférica de nosso audaz vigilante mascarado.
E pior ainda: se faltava agilidade para cambalhotas e piruetas, quem disse que nosso herói se balançava com maestria na teia? Dá para contar nos dedos quantas vezes isso aconteceu ao longo da série. Por sinal, tais façanhas foram feitas por Fred Waugh, dublê de Hammond, que por sinal, tinha medo de altura.Vergonha das vergonhas, a dita teia era uma corda branca muito da mequetrefe, não aquela trama gosmenta que se via nas HQs. Isso sem falar que, desprovida de qualquer propriedade adesiva, teve de ser compensada com a notável habilidade de se enrolar em objetos. Sem dúvida mais um trunfo tecnológico do Peter Parker televisivo. Verdade seja dita, às vezes, a teia até que tentava ser fiel à original, se transformando até mesmo em redes onde era possível ver o elo de metal de onde emanavam os fios. Nada que a genialidade de Peter Parker não explique...
Já o ato de escalar paredes era por si só um prodígio. Os mais desatentos quase nem notavam que ele mal tocava as paredes ao ser suspenso por cabos (felizmente não muito aparentes. Quem disse que tudo era tão ruim?). Mais vexatório ainda era o ator ser filmado de cima sobre uma parede deitada. Nessas horas, sua sombra teimava em delatar o estratagema, projetando-se sob seu corpo. Mas até aí tudo bem. Quem não perdoa esses pequenos inconvenientes causados por um orçamento enxuto? Ou pelos efeitos especiais disponíveis na época? Talvez esse raciocínio justifique também o Sentido de Aranha que mais parecia uma visão infravermelha, onde ele podia ver o perigo iminente. Isso quando ele não se manifestava apenas como um brilhinho nos olhos do ator. Interessante é que o tal sentido só se manifestava quando nosso herói estava sem o uniforme. Quando estava trajado à rigor, era a maior moleza para os bandidos pegá-lo desprevenido.
NEM LUTAS MIRABOLANTES E NEM ADVERSÁRIOS DIGNOS
Outro aspecto incompreensível era a força sobre-humana que ele possuía e que provavelmente se ajustava de acordo com a fase da lua. Explico: Num momento ele era capaz de torcer barras de aço com as mãos, noutro penava para trocar sopapos com o mais reles capanga que cruzasse seu caminho.Ironicamente, a série começou com o aracnídeo dando bordoadas em orientais e terminou num episódio duplo que se passava em Hong Kong. Quanto aos adversários de nosso galante justiceiro mascarado, supervilões nem pensar. Ricaços gananciosos, quadrilhas de assaltantes, motoqueiros, e muitos, mas muitos capangas de quinta categoria já davam trabalho suficiente. Houve até um vilão telecinético sem-vergonha. Nada muito além.
CARREIRA OBSCURA
Ao contrário do elenco da série Hulk, um sucesso ironicamente produzido pela mesma emissora, a rede CBS, ninguém que participou deste programa alcançou o estrelato. Nicholas Hammond, nosso galante protagonista, cujo papel de maior sucesso antes de vestir a malha de herói foi o de uma das crianças no filme A Noviça Rebelde, continuou atuando em diversos seriados em papéis sem expressão. Participou inclusive da série Flipper. Atualmente, reside na Austrália, onde tem escrito mini-séries para a TV. Suas aparições mais recentes foram na mini-série para TV 20.000 Léguas Submarinas e no filme Crocodilo Dundee em Los Angeles. O que não representa um retorno muito glorioso às telas. Em compensação é curioso notar que as feições do Peter Parker do desenho animado dos anos 90 foram nitidamente decalcadas das dele. Talvez uma homenagem de fãs saudosistas de suas aventuras pelos telhados de Manhathan.
Na verdade, dizem as más línguas que o seriado não decolou porque a emissora teve receio de produzir, ao mesmo tempo, dois programas com super-heróis. Por isso, teria preparado tão poucos episódios num período relativamente longo. Outro problema seria a reprovação do próprio Stan Lee. Mas, se isso é verdade, o que o vetusto roteirista acha dos demais filmes da Marvel?
Por incrível que pareça a série foi a 19 mais assistida na temporada 1977/1978, da Tv norte americana. Uma posição nada desprezível e até mesmo mais folgada que a do seriado do Hulk que, no mesmo ano estava no 35 lugar. Indepependente disso, a emissora decidiu continuar apostando suas cartas no seriado do verdão, uma série voltada ao público adulto, enquanto que o aracnídeo fazia mais sucesso junto ao público infanto-juvenil. Um boato que ainda rola é que a CBS, mesmo assim parece ter se interessado por algum tempo em produzir um episódio crossover entre as duas séries, o que não acabou acontecendo para o bem de ambas. Enfim, a série aracnídea acabou servindo como uma espécie de tapa-buraco na grade de programação da CBS, sendo que seus episódios, com cerca de uma hora duração eram exibidos como especiais, em dias e horários variados. Fora dos EUA, inclusive no Brasil, foram exibidos nos cinemas, 3 longas metragens do azarado cabeça-de-teia: Homem-Aranha-o Filme ( piloto da série), O Retorno do Homem-Aranha (compilação do episódio duplo Areia Mortal) e O Desafio do Dragão (compilação do episódio duplo, A teia Chinesa). Ao todo foram apenas 13 episódios, produzidos por Charles Fries Productions, de setembro de 1977 a julho de 1979.
Bem, apesar dos pesares, esta série até que deixou saudades, seja pelo que foi ou pelo que poderia ter sido. É lógico que a equipe de produção até que tentou dar um enfoque mais realista à personagem colocando-a frente a situações mais normais, mas tudo o que conseguiu foi fazer um trashezão legal, daqueles que, se você não tiver muita pretensão intelectual e estiver a fim de catar gafes, vai ser diversão certa do início ao fim. Eu recomendo. Sam Raimi com certeza, também.