Com trama intrigante e elenco impecável, Amor e Morte é bom true crime

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Com trama intrigante e elenco impecável, Amor e Morte é bom true crime

Produção da HBO Max traz Elizabeth Olsen e Jesse Plemons como protagonistas

Omelete
5 min de leitura
27.05.2023, às 15H39.

Casais infelizes, adultério, ciúme, tragédia. A mistura de potencial explosivo serve bem à dramaturgia, e o roteirista e produtor americano David E. Kelley sabe muito bem disso. Criador de séries como Big Little Lies e The Undoing, ele volta a apostar no gênero com a minissérie Amor e Morte, lançada na HBO Max. Enquanto a primeira teve uma temporada inicial primorosa, calcada pelo drama e com um profundo desenvolvimento de personagens, The Undoing decepcionou ao entregar tramas rasas e soluções estapafúrdias no desespero de fisgar o espectador com uma interminável sucessões de reviravoltas forçadas.

Dessa vez, o saldo positivo é resultado de uma série de decisões acertadas. Baseada em uma história real, com enredo familiar ao público norteamericano, já explorado pelo noticiário, transformado em livro e em outra minissérie produzida pelo serviço de streaming Hulu, Amor e Morte entrega logo no título e nas cenas de abertura seus pilares principais. Com um crime brutal anunciado de cara, é possível recuar dois anos na história para contar com calma o início de tudo e apresentar melhor seus protagonistas dentro de seus contextos familiares e sociais numa pequena cidade do Texas. E é justamente daí que surge o que a produção tem de melhor para oferecer.

O interesse de Candy (Elizabeth Olsen) por Allan (Jesse Plemons) é tão súbito que até uma de suas amigas mais próximas, Sherry (Krysten Ritter) duvida: ela está mesmo atraído por ele ou quer apenas burlar as regras de um casamento morno? A dona de casa entediada com a rotina e seu marido sempre distante não nega que está atrás de uma aventura, mas o desejo é tão intenso que ela não cogita ficar restrita a uma fantasia. Decidida, ela propõe, sem pudor algum, que os dois tenham um caso.

Embora a faísca do desejo não demore muito a acender nele também, os dois não partem para a ação de imediato. Ao contrário, analisam friamente os prós e contras do affair, como quem quer se certificar de toda a segurança possível ao fechar um negócio. Mas logo fica claro que nenhum contrato seria capaz de definir quem estaria no controle da situação. 

A cautela é compreensível - Candy e Allan frequentam a mesma igreja, fazem parte do mesmo coral, e essa é uma comunidade extremamente preocupada com as aparências. Tanto que um dos membros pede, durante o culto, que os demais fiéis sejam compreensivos com a pastora local, que está se divorciando.

Na mentira que contam a si mesmos, os dois não cansam de repetir que amam os respectivos cônjuges e, portanto, não vão magoá-los. Uma cena em especial ilustra bem o raciocínio que, como se sabe, cai por terra rapidamente. Betty (Lily Rabe) propõe a Allan que eles participem do Encontro Matrimonial, um espécie de retiro religioso para casais em crise. Ali, eles precisam escrever e mostrar um ao outro textos que revelem sentimentos íntimos. 

Betty, que passou muito tempo estressada com as tentativas frustradas de engravidar e acredita que não é mais desejada pelo marido, compartilha com ele um relato sobre suas travas no sexo. Ele lê e diz apenas que agora está consciente das dificuldades da esposa, que logo rebate: o exercício era reagir emocionalmente, não racionalmente. Pensar e sentir são coisas bem diferentes, mas Candy e Allan só vão se dar conta disso quando é tarde demais.

Os três primeiros episódios da minissérie constroem com muita habilidade esse enredo e preparam terreno para o crime que muda para sempre a vida de todos. A partir daí, a produção envereda por um caminho mais tradicional, que trata da investigação e do julgamento do assassinato, e talvez se estenda um pouco além da conta, já que o grande trunfo de Amor e Morte não está no tribunal, na história que foi parar na imprensa, mas nas casas dos envolvidos, na igreja, nas cenas de intimidade que só podemos imaginar como podem ter sido.

Uma dessas cenas, aliás, se repete com alguma frequência: a de Candy no banho em momentos muito distintos para sua personagem. Um deles ocorre após o primeiro encontro furtivo com Allan, no motel, quando ela diz que não quer chegar em casa com o cheiro do amante, mas na verdade é seu auge, o momento da libertação depois de ter conquistado o que tanto queria. Outro é bem depois do crime, quando o objetivo é se livrar do sangue de Betty, mas também da descarga de adrenalina do assassinato - o breve momento para planejar os próximos passos, ao deixar a cena do crime. 

O terceiro acontece em um dos pontos mais baixos na trajetória de Candy: a prisão, lugar em que ela se sente exposta e humilhada. Culpada também? Provavelmente não, já que ela diz em certo momento, com todas as letras, que a mulher que morreu com mais de 40 machadadas é a responsável por destruir sua vida. Embora o público tenha acesso a esses retratos privados, a dona de casa continua sendo a pessoa que não quer se mostrar vulnerável perante a multidão, mesmo que isso custe sua liberdade.

Vale destacar aqui a boa direção de Lesli Linka Glatter e as atuações impecáveis do elenco. A sempre ótima Lily Rabe constrói uma Betty dura e frágil com a mesma intensidade, é capaz de nos causar repulsa e pena na mesma proporção. Já Jesse Plemons entrega uma atuação mais contida, como o personagem pede, mas sempre convincente. E Elizabeth Olsen faz um bom trabalho de composição em Candy, alguém que o tempo todo quer estar no controle da própria imagem, mas nem percebe o quão facilmente perde o equilíbrio quando é rejeitada. 

Amor e Morte é a prova de que não é preciso sacrificar a história com reviravoltas toscas para fisgar o espectador. A minissérie certamente se beneficia do apelo das produções de true crime, que andam tão em alta, e faz bom uso de seus elementos narrativos - a traição e a tragédia -, mas vai além e oferece uma trama construída com muitas nuances e realizada de maneira caprichada. Pode não parecer uma mistura explosiva, mas as aparências enganam.

Nota do Crítico
Ótimo
Amor e Morte
Encerrada (2023-2023)
Amor e Morte
Encerrada (2023-2023)

Criado por: David E. Kelly

Duração: 1 temporada

Onde assistir:
Oferecido por

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