American Horror Story teve seus primeiros quatro anos seguindo uma fórmula muito eficaz de tramas e escalação de elenco. Funcionando quase como numa companhia de teatro, os atores faziam um rodízio por novas posições e personagens a cada temporada. Porém, sua estrela maior, Jessica Lange, resolveu aposentar sua cadeira no set e desde então, a série vem buscando maneiras de manter seu prestígio, sucesso e relevância. Essa ascensão começou a se irregularizar, inevitavelmente. A presença de Lady Gaga em Hotel ajudou a preencher o buraco deixado por Lange, mas em Roanoke um giro de 360º graus mudou pela primeira vez a estrutura da produção de uma maneira substancial.
A temporada 1984 é aquela que mais se aproxima de Roanoke nesses riscos assumidos, mostrando muito distanciamento da identidade da série. Mas, não é como se isso tivesse começado agora. Em Cult, um grande número de novos atores se juntaram ao elenco. Em Apocalypse aconteceu o esperado crossover e, mesmo com tantos retornos de personagens antigos, aquela também foi uma temporada que ilustrava o objetivo dos envolvidos em sempre tentar captar a atenção dos espectadores de maneiras novas a cada ano. Sarah Paulson e Evan Peters – os membros do elenco original que ainda se mantinham na ‘trupe’ – foram a última referência perdida, fazendo com o futuro de AHS se tornasse uma incógnita dependente de novos investimentos criativos que justificassem sua permanência no ar.
Com a estreia do novo ano todos esses elementos convergiram e já podemos dizer que 1984 será uma temporada peculiar. Tudo está diferente. A música de abertura nunca mudou, mas vem sofrendo interferências no arranjo a cada novo ciclo (Em Roanoke ela nem apareceu). O título abreviou-se para AHS na sétima temporada, mas até então, a fonte era a única coisa que nunca tinha mudado. AHS 1984 é a primeira em que há pouquíssimas características de como a série já foi um dia. O horror, a história fragmentada, a linguagem visual ágil, as interferências de figuras históricas reais, Emma Roberts... Ainda é American Horror Story, mas ao mesmo tempo é uma American Horror Story afetada de maneiras drásticas pelo tempo.
Acampamento Redwood
É muito importante estabelecer que 1984 é uma temporada totalmente apoiada nas diretrizes dos “slasher movies”. Esse é um subgênero do horror em que um assassino quase sobrehumano persegue uma heroína inocente e virginal, assassinando seus amigos no processo. É um subgênero que viveu seu apogeu justamente nos anos 70 e 80, com Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo, Halloween, entre outros. Em meados dos anos 80 o subgênero enfraqueceu e só foi ressuscitado no meio dos anos 90, quando Kevin Williamson escreveu o clássico Scream (Pânico). Para aos espectadores mais jovens, o excesso de humor, a falta de sutileza nos acontecimentos e as mortes bizarras podem trazer uma atmosfera de superficialidade. Sem o elenco veterano de peso, sem a dramaticidade que elegantizava o horror e sem alguns códigos narrativos originais da série, é como se American Horror Story estive cada vez mais longe de si mesma. Enquanto, ao mesmo tempo, não está.
A história de 1984 é extremamente simples. Nos anos 70 o acampamento Redwood passou um massacre e fechou. 15 anos depois ele é reaberto por Margaret Booth (Leslie Grossman), que sobreviveu ao terrível ataque. Os jovens que compõe o elenco principal são liderados por Brooke (Emma Roberts) e vão parar no acampamento como funcionários. É claro, então, que o antigo assassino Mr. Jingles (John Carroll Lynch) escapa do manicômio onde estava preso e retorna para continuar sua matança. É um enredo pífio, quase capenga, mas com a substância necessária para engatilhar os eventos que segurarão o nosso interesse. Há pouquíssimo investimento na construção dos personagens na estreia, o que também é proposital. Nos filmes, a maioria vai morrer antes que decoremos seus nomes.
Com uma trama que não pode entregar muito agora, todo esse episódio inicial precisou apostar no apelo visual das mortes e no carisma de alguns personagens, como o bem-dotado Trevor (Matthew Morrison), a enfermeira Rita (Angelica Ross) e a própria dona do acampamento, Margaret. A entrada de Richard Ramirez (Zach Villa) na história também ajudou a acertar o tom do começo. Ele foi um assassino real que atuou justamente entre 84 e 85; e que era mesmo conhecido como The Night Stalker. Ramirez já apareceu em AHS antes, na temporada Hotel, numa versão mais velha. Isso sem falar na presença de John Carroll, que em Freak Show deu vida ao palhaço Twisty, que também era um slasher.
É certo que a temporada vai ter muitas surpresas, mas a motivação para os crimes – assim como em todo slasher – se torna o centro de todas as perguntas. Provavelmente essa será uma temporada rápida e violenta, como foi Roanoke. A diferença é que talvez, pela primeira vez em sua história, AHS não receba do público e da crítica a mesma e gentil atenção.