American Horror Story estreou há dez anos atrás, no dia 5 de outubro de 2011. O impacto do formato antológico proposto pelo criador Ryan Murphy foi imenso. A ideia por trás da série não só era intrigante, como também funcionou como o começo de uma tendência, do jeito que acontece com a televisão às vezes. Se The Sopranos (1998) deu início ao drama como conhecemos hoje, Lost (2004) sofisticou as narrativas fragmentadas e os episódios centrados em um só personagem. Ambas representam a divisão de um ponto da história e mesmo que em menor escala, American Horror Story também cumpriu esse papel.
Entre as vantagens de uma antologia estava o privilégio de poder contar uma história fechada, em poucos episódios, podendo ousar ao máximo na construção dos enredos. Quando a série foi lançada, a mistura de drama e complexidade na receita do gênero do horror pegou todos de surpresa. Era um tipo de narrativa completamente nova, com ângulos de câmera nada tradicionais, com uma provocação sexual constante, mas com uma extrema elegância na linguagem. O sangue, as vísceras, a violência visual, tudo isso era envolto em um texto dramático substancial. A cada nova temporada, quase todo o mesmo elenco retornava em personagens diferentes, como se aquela fosse uma companhia teatral mambembe, saindo por aí, contando novas histórias para seu público.
10 anos depois, o mundo de American Horror Story não é mais uma novidade. Ryan Murphy e sua equipe contaram 4 temporadas bastante coesas, antes que Jessica Lange anunciasse sua saída. Desde então, a série brigou para manter sua relevância. Trouxe Lady Gaga no ano 5, não revelou seu tema antes da estreia do ano 6, abriu mão do sobrenatural no ano 7 e fez até um ousado crossover no ano 8. Antes da pandemia, a nona temporada foi ao ar e embora tenha sido uma bela homenagem aos filmes de horror dos anos 80, sinalizou um cansaço. Eis que em 2021, depois de muito tempo para pensar, Murphy mudou tudo mais uma vez.
A temporada regular da série terá duas histórias, uma para cada metade dos episódios. Além disso, o FX lançou a nova antologia American Horror Stories, que vai contar uma história por episódio durante a temporada. Curiosamente, em ambos os casos há uma certa transgressão na proposta. American Horror Story contará duas tramas e American Horror Stories começou contando uma trama em dois episódios. O que essa nova abordagem sinaliza é aquela velha ansiedade criativa de Ryan Murphy, conhecido por perder parte do controle do próprio enredo, mesmo quando esse controle não é perdido. De fato, é muito mais uma questão de subversão, de como a mente dele funciona inconvencionalmente, mesmo que isso custe um pouco de coerência.
Murder Rubber House
É claro que o apelo nostálgico não poderia ser perdido de vista na estreia da versão Stories da franquia. Murphy resolveu revisitar a mitologia lançada na temporada Murder House e também um de seus personagens já culturalmente icônicos. Quando AHS estreou, em 2011, ela apresentou a teoria de que se um lugar reúne uma quantidade de negatividade e morte muito grandes, cria-se ali um campo de força espiritual que prende os mortos e é forte o suficiente, também, para fazê-los manter uma forma física quase totalmente humana. Então, quem morria na Murder House ficava preso lá dentro, mas mesmo sendo um fantasma, podia se tornar concreto e até ter sensações vívidas como as do desejo e do amor.
Essa mitologia foi abordada em mais outros três momentos da história da franquia principal: em Hotel (5º Temporada), em Roanoke (6º Temporada) e em 1984 (9º Temporada). Como todo o universo das temporadas é compartilhado, cada um daqueles lugares poderia estar sempre numa espécie de “gaveta”. Murphy, então, abriu a gaveta da primeira temporada e o episódio duplo que iniciou American Horror Stories deu aos fãs mais um pouco da terrível “mansão da morte”, em Los Angeles. Dessa vez, uma mulher usaria a fantasia de borracha que serviu como uma das identidades imagéticas da série. Sai o Rubber Man e entra em cena a Rubber Woman.
Assim, a história começou exatamente como a que vimos começar em 2011: uma família nova compra a casa sem levar a sério o que dizem sobre ela. A adolescente Scarlett (Sierra McCormick) é uma mistura do núcleo que sustentou a temporada original – e também uma “vítima” dessa decisão. Os traços de psicopatia que ela revela preocupam os pais (vividos por Matt Bomer e Gavin Creel), mas assim como aconteceu na história de 2011, Murphy quer falar do amor entre um psicopata e uma jovem atormentada, dentro do contexto do limite entre vida e morte. Scarlett não tem nenhuma empatia pela vida humana, mas sente o amor, numa dessas contradições que rondam a franquia desde sempre.
Apesar de não vermos nenhum dos moradores (ou vizinhos) ilustres da temporada original, as semelhanças não param. Assim como em Murder House, Scarlett é seduzida por um fantasma que mata por ela, o casamento dos pais é assombrado por traições e um terapeuta está envolvido. As motivações e justificativas para a engrenagem da história funcionar ficam no eixo do bullying versus diversidade, marcas da trajetória de Murphy, importantes para a naturalização dos tópicos, mas, obviamente, recorrentes. Essas reproduções, é claro, são propositais, mas acabam esvaziando a trama de certa substância. A psicopatia se desenvolve muito rápido, o amor se desenvolve muito rápido, a renúncia se desenvolve muito rápido...
Os roteiros, contudo, ainda são eficientes em nos fazer torcer pelos personagens. Essa é uma das outras dicotomias da obra de Murphy: quanto menos tempo mais risco de atropelar os fatos, mas, ao mesmo tempo, os personagens saltam pela tela existindo sem nenhuma força. Muito se falou sobre a presença de Paris Jackson no elenco e não é uma surpresa que ela tenha funcionado tão bem. É como se a despeito das fragilidades do roteiro, Murphy e Brad Falchuk soubessem perfeitamente como escrever para cada um de seus atores. A queen bee vivida por Paris é mais uma entre dezenas criadas pelos dois. Mas, eles ainda conseguem fazer funcionar.
No final das contas, a estreia de American Horror Stories foi uma homenagem aos fãs, um resgate da memória desses 10 anos, em uma abordagem coerente com essa marca. É importante que daqui para frente a nostalgia não seja uma escora e eles possam aproveitar para contar histórias novas e intrigantes. Foi muito bom rever a mitologia de Murder House de volta, mas a justificativa de expansão do universo da série original não se aplica ao que vimos nessa premiére. É hora de seguir em frente.