Foi no segundo semestre de 2016, em Greenville, na Carolina do Sul, quando uma mulher contou às autoridades locais que dois palhaços tinham batido correntes na porta da casa dela logo após terem tentado atrair seu filho para uma casa abandonada, que os avistamentos dos Palhaços Assustadores se tornaram uma realidade e um mistério que ronda os Estados Unidos como mais uma peça fundamental daquilo que nutre o imaginário do cidadão americano regular desde os mais primórdios tempos: o medo. E é o medo o principal catalisador do que Ryan Murphy preparou para o sétimo ano de American Horror Story.
Soa redundante falar de medo como matéria-prima para uma série que conta histórias de horror. Mas, o medo a que Cult se refere não está nos braços do sobrenatural e sim nas engrenagens urbanas, reais, que se movem de modo sombrio, construindo um cenário de paranoia e pânico. Assim como se imaginava, o título dessa temporada não remete aos aspectos mitológicos de um culto e sim ao quanto de metafórico podemos ter dessa visão. Pior do que a manifestação do mal é o quanto de gente pode estar disposto a segui-lo.
Os ataques dos palhaços que ocorreram ao redor dos EUA serviram como inspiração para a criação da base dramatúrgica. As eleições entre Trump e Hillary foram o estopim de uma situação de latência que parecia iminente. É a partir dessas eleições que a série aproveita para ilustrar o partidarismo como referência única desse complicado momento. O episódio de estreia joga com a alegoria do posicionamento forçado e faz questão de mostrar os dois lados dessa moeda de modo caricaturado. Há um profundo exagero na forma como os simpatizantes de Trump lidam com sua vitória e outro grande exagero na forma como seus detratores reagem a ela. O exagero é sempre o produto mais perigoso da resposta ao medo.
Cult
A história dessa nova temporada começa exatamente na noite em que Trump foi anunciado como presidente. Em casa, assistindo com os amigos democratas, Ally (Sarah Paulson) tem uma reação brutal ao resultado. Ela é o estereótipo mais completo do eleitor de Clinton: homossexual orgulhosa dos direitos alcançados pela era Obama, casada, com um filho, bem-sucedida, cria urbana, politizada e engajada na campanha de sua candidata. Do outro lado, está Kai (Evan Peters), um jovem que assiste as mesmas notícias com um olhar diferenciado. Para ele, a revolução está começando e tal qual Ally, ele acredita que o mundo está por um fio. A diferença é que ele quer terminar de desestabilizar a ordem, enquanto ela tem pavor de perder suas zonas de conforto.
A partir daí está estabelecida uma dinâmica muito clara. Kai entende o momento da eleição de Trump como um gatilho para explorar o medo como principal ferramenta de instalação do caos. Já Ally perde o controle dos próprios mecanismos de defesa e tem na vitória de seu algoz, o momento de fraqueza que reabre as portas para todas as fobias que ela carrega: medo de lugares apertados, de buracos, formas geométricas e de palhaços... Enquanto Kai começa a distribuir o medo pela cidade, Ally deixa que seus medos e ansiedades a engulam, numa representação muito eficiente daquilo que rege a cultura americana: a paranoia. Perseguida por palhaços que todos a sua volta julgam ser imaginários, ela vai desmoronando a própria vida.
Clows
Ao contrário do que se imagina, Cult não é uma obra de campanha contra Trump. Porém, sem a vitória dele a história – que Murphy afirmou que seria a mesma ainda que Hillary tivesse vencido – provavelmente não teria o mesmo impacto. As preocupações típicas dos americanos que apoiavam Hillary estão presentes nas falas do núcleo de Ally quase de forma satírica, compondo esse quadro caricatural de modo a reforçar que o importante para essa história não é exatamente a fonte do medo e sim a forma como ele aniquila a rotina urbana. Se Hillary tivesse vencido, outro tipo de pessoa poderia ter seus medos potencializados e com isso, virar também produto de estudo da dramaturgia.
No seu primeiro episódio, Cult tem uma das estreias mais organizadas de American Horror Story. Depois da ausência completa de símbolos estabelecidos em anos anteriores, lá na sexta temporada, voltamos à abertura macabra, com outro ótimo arranjo musical e com o título sendo apresentado com sua sigla (AHS), numa outra referência ao papel das redes sociais nesse enredo contemporâneo. Paulson e Peters estão, como sempre, devotadíssimos aos seus personagens. Billie Lourd, embora competente, não consegue fugir muito do tom de voz monocórdio adotado em Scream Queens e que a persegue de volta numa personagem igualmente sombria. Winter, a babá que ela vive, serve como ponte entre Ally e Kai, o que deve significar algum segredo que explica o encontro de tramas.
Sem esquecer do horror, com muito sangue e até aparição (ainda não justificada) de Twisty, de Freak Show, a estreia de Cult se resume no momento em que Kai tenta convencer autoridades de que o ser humano é movido pelo medo, tem necessidade dele e pode melhorar a engrenagem social se fizer dela um organismo desesperado por segurança, capaz de tudo para tê-la de volta, inclusive. Apavorado, o homem passa a ser capaz de aceitar qualquer forma de controle e é então que ele se torna submisso, entregue, pronto para ser moldado, como se a única forma de ter alívio contra as ansiedades da vida contemporânea fosse ceder às ordens do meio. Em meio a vísceras e gritos, há uma filosofia duvidosa e ensanguentada que pode se tornar um império.
Seguro e provocativo, o sétimo ano de American Horror Story começa na passagem do dia 5 para o dia 6, à meia-noite, e promete ser um dos mais intensos que a série já produziu. Depois de passar alguns anos despertando medos por códigos básicos, a série vai mergulhar nas dúvidas sobre o quão longe o ser humano é capaz de ir para evitá-los.