Assim como os sorteios da loteria federal e o Exame Hunter, o Big Brother Brasil se tornou uma oportunidade para realizar o sonho da ascensão social. Todos os anos milhares de brasileiros se inscrevem na competição televisiva, almejando não só o prêmio de um milhão e meio de reais, como também um espaço para se projetar no país inteiro. Mas se numa Mega Sena é preciso apenas sorte para vencer, no reality show de confinamento é necessário também uma dose de estratégia para chegar no topo. E, analisando o perfil dos vencedores do BBB, podemos dizer que uma boa parte deles apelou para uma técnica bem específica que vamos chamar de Estratégia Naruto Uzumaki.
Naruto no balancinho
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Quando Masashi Kishimoto criou o mangá Naruto, o autor precisou articular vários clichês de histórias para que o público comprasse a motivação de seu protagonista. Ao contrário de séries de quadrinhos fechadas, que a história está mais ou menos pronta na cabeça de quem criou, Naruto foi publicada na Shonen Jump, uma revista que leva a opinião dos leitores acima de tudo: se um mangá é querido pelo público, ele é mantido, se fracassa, a revista encerra o título e coloca outra obra no lugar. Ou seja, era muito importante para o autor que os leitores tivessem carinho pelo protagonista, que torcessem por ele.
Leitor de mangás desde a infância, Kishimoto foi absorvendo todas as estratégias usadas nos mangás que ele gostava e as aplicou em sua obra máxima. Além do clichê do protagonista órfão (algo presente em tramas de Dragon Ball a Demon Slayer), o autor desenhou Naruto como um pária da Vila da Folha, excluído socialmente por seus semelhantes por preconceito e medo.
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Existe uma cena em especial (e bastante recorrente) capaz de sintetizar esse lado do Naruto. Nela, o protagonista está sentado em um balanço à sombra de uma árvore, e de longe vê uma multidão de jovens felizes confraternizando com seus pais. Quando o rosto de Naruto nos é revelado, o jovem ninja está desolado pois sabe que aquelas pessoas o ignoram e se afastam dele. Essa imagem do Naruto no balanço ficou ainda mais triste no anime, pois a equipe musical do estúdio Pierrot teve a proeza de produzir a composição mais melancólica da história dos animes: a flautinha triste de Naruto. Dê o play e limpe as lágrimas.
O sofrimento do futuro Hokage em um brinquedo infantil se tornou uma cena memorável, inspirando fotos de cosplayers, ilustrações de artistas amadores e até raps com letras que brincam com o fato do balanço ter tido mais tempo de tela que a Tenten.
Não é difícil imaginar por que essa cena impacta os leitores e torna Naruto um personagem querido: todo mundo já se sentiu excluído em algum momento. Claro que poucos de nós foram deixados de lado pela sociedade por termos dentro de nós um demônio poderoso, mas temos uma tendência a ficar comovidos com a história de alguém injustamente abandonado pelos seus semelhantes. Por trás disso há um dos truques mais antigos da história da dramaturgia: fazer o protagonista comer o pão que o diabo amassou aumentam as chances do espectador sentir solidariedade e gerar uma identificação rápida.
Com isso em mente, vamos voltar para o assunto Big Brother Brasil e entender como a estratégia de colocar alguém no balancinho da tristeza pode ser aplicada fora das páginas de Naruto.
Reality ou novela?
Embora muitos chamem o Big Brother Brasil de “jogo”, ele não é um programa capaz de ser vencido somente com esforço próprio. Enquanto num No Limite os participantes podem formular uma estratégia individual e conquistar o prêmio, a articulação num BBB é capaz de apenas levar um participante à final, sem a garantia da vitória. Isso acontece porque o reality de confinamento conta com participação massiva do público, que toda semana vota para definir quem fica e quem sai da disputa. Ou seja, além de ser um jogo de fugir das indicações ao paredão, o brother precisa ao mesmo tempo conquistar os espectadores com sua história.
É aí que está o problema. Uma pessoa pode ter estudado edições anteriores, ter gastado dinheiro com aulas de coaches de comportamento e até mesmo contar com a simpatia de muitos famosos e verificados do lado de fora da casa, mas nada disso funciona se o participante não for inserido em uma história. Isso porque por mais que se classifique como um programa de “realidade”, o interesse do público está em acompanhar o BBB como se fosse uma novela ou série, com mocinhos sofredores e vilões bem definidos que precisam ser eliminados com recordes de rejeição.
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E é nessa estranha mistura de realidade e ficção que os participantes mais “sofredores” se destacam. E não importa se o motivo for roncar demais, chatice ou alguma injustiça, o competidor que é deixado de lado pelos demais brothers ganha um status de Naruto Uzumaki e se torna um franco favorito à vitória.
Para se ter uma ideia do quão efetivo é para um brother ser a pessoa “excluída” da casa, basta lembrar que uma parte considerável dos vencedores foram isolados ou perseguidos em suas respectivas edições: Klebem Bambam no BBB 1, Jean Wyllys no BBB 5, Diego Alemão no BBB 7, Marcelo Dourado no BBB 10, Maria Melillo no BBB 11, Cézar Lima no BBB 15, Emily Araújo no BBB 17, Paula von Sperling no BBB 19 e, por fim, Juliette Freire no BBB 21. Isso sem contar participantes que até passaram pela situação de Naruto no balancinho, mas acabaram não vencendo por outros motivos, como Ana Paula Renault do BBB 16, Felipe Prior no BBB 20 e Lucas Penteado no BBB 21.
Mas embora exista esse ponto em comum entre os vencedores listados, essa estratégia Naruto Uzumaki é incapaz de ser construída individualmente. Masashi Kishimoto é o autor de Naruto e tem o poder de colocar todos os personagens se afastando do rapaz loiro com sua caneta, mas um participante de BBB não consegue propositalmente ser a pessoa isolada numa casa, é algo externo ao participante.
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Na atual temporada do programa, o vencedor muito dificilmente não será Arthur Aguiar. E não só porque o ator está empenhado em jogar para limpar a própria imagem, destruída por escândalos amorosos no ano anterior, mas porque o brother se tornou alvo fácil dos demais e foi “isolado” na casa. Talvez por acharem que a opinião pública está contra o marido de Mayra Cardi, os participantes da casa concentraram os ataques em Arthur, garantindo a ele o posto de perseguido da edição e, consequentemente, servindo de bandeja todos os recursos para o ator conquistar a simpatia do público de casa.
Um caso pior ainda foi o ocorrido no BBB 21, quando Lucas Penteado foi isolado na casa por conta de alguns conflitos em festas e se tornou muito querido pelos espectadores. O participante em si não teve cabeça para continuar na temporada e desistiu do programa, mas ainda assim o público “se vingou” e fez questão de eliminar cada um dos desafetos de Lucas quando eles caíam no paredão. O que torna esse caso ainda mais bizarro é que um dos que isolavam o brother era o cantor Projota, um conhecido fã de Naruto que foi incapaz de entender a mensagem da própria série que acompanhava com afinco.
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É interessante destacar que a estratégia Naruto Uzumaki é efetiva a ponto de funcionar independente de como o participante é ou se comporta, não importando se a pessoa é um cristal sem defeitos ou alguém politicamente incorreto. E também há casos que a pessoa perseguida mudou no decorrer da edição: no BBB 20 o perseguido grupo das mulheres conquistou a empatia do público, mas depois com a soberba elas passaram a isolar outro participante, que também acabou atraindo os espectadores.
Há alguma forma de se impedir a vitória iminente de um Naruto Uzumaki num BBB? Além das formas controversas (como causar a expulsão do participante ou levá-lo a desistir do programa), a melhor forma é que os demais percebam esse comportamento e parem de segregar e atacar o isolado. Mas a julgar como mesmo com respostas claras há gente que insiste em algumas rivalidades, isso é algo difícil de acontecer.
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Seja numa série com centenas de episódios ou num reality show que confina celebridades e anônimos, o público busca uma boa história para acompanhar e se identificar. Por mais batido que seja um brother isolado chamar a atenção dos espectadores, ainda veremos muitos futuros vencedores tendo sua história comparada à da Ju.