One Piece Red, Demon Slayer Mugen Train/ Montagem/ Reprodução

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Filmes de animes populares abraçam o canônico em busca de ainda mais público

Em busca de bilheterias mais interessantes, franquias como One Piece e Demon Slayer estão apostando em filmes “sem filler”

05.11.2022, às 17H56.

Meu pai deve ter péssimas lembranças do dia que foi me buscar após uma sessão de Dragon Ball Z - O Filme, aquele da árvore do poder. Durante todo o trajeto, eu e meus amigos não estávamos comentando as lutas do filme e nem a presença do novo vilão Tales, o assunto da nossa conversa era apenas “como isso se encaixa na série?”. Aquele filme não se conectava em canto algum de Dragon Ball Z, juntando em um mesmo balaio um monte de personagem que não estava nem vivo no mesmo momento. Demorou até o Fábio criança entender que os filmes de Dragon Ball eram apenas uma experiência para assistir e curtir, não pensar como parte da série de TV.

Nos últimos anos, por outro lado, esse clima de “festival” com filmes apenas para matar o tempo está sendo deixado de lado. Longas como Demon Slayer - Mugen Train, Jujutsu Kaisen 0 e o recente One Piece film: Red estão aí para mostrar que filmes com acontecimentos canônicos têm sido o truque da indústria cinematográfica para arrastar multidões de otakus para os cinemas.

Flertando com o canônico

A trajetória de One Piece nas telonas demonstra o que se tornaram as adaptações para cinema de séries populares. Os sete primeiros longas, lançados quase anualmente entre 2000 e 2006, são histórias “fillers” criadas exclusivamente para o cinema. Com ambições baixíssimas e muita liberdade, o intuito da equipe de produção era apenas pegar aqueles personagens carismáticos, colocá-los em uma nova aventura que não afetasse a história de Eiichiro Oda e proporcionar uma animação com mais qualidade que a da televisão. Uma aventura extra e não imprescindível.

One Piece possui uma história muito bem conectada pelo seu autor, quase sem brechas para pontas soltas, e principalmente depois do Novo Mundo não há espaços seguros para inserir fillers, pois nem sempre o bando está “livre” para aventuras alternativas. Tanto é que o próprio anime foi abandonando os fillers, também por não conseguir encaixá-los na história. Ou seja, se os filmes de One Piece são a mais pura liberdade criativa de seus roteiristas, para curti-los é necessário voar um pouco.

A coisa mudou um pouco em 2007 no lançamento do filme One Piece - A Princesa do Deserto e os Piratas. Em vez de seguir a linha das histórias alternativas, a Toei teve a ideia de adaptar para o cinema parte do arco de Alabasta, mais especificamente seu desfecho. Um filme totalmente canônico, celebrando um dos arcos mais queridos da franquia em homenagem aos 10 anos de One Piece. Deu tão certo que em 2008 rolou a mesma ideia sustentável de reciclagem de arcos e lançaram One Piece - Episódio do Chopper +, dessa vez recontando o arco da Ilha de Drum e a entrada de Tony Tony Chopper no bando do Chapéu de Palha. Mas se o filme de Alabasta era só um copiar e colar da história original, aqui houve um esforcinho maior e criaram uma realidade alternativa na qual Franky e Nico Robin já faziam parte do bando e ajudam nos desafios.

O grande ponto de virada da carreira cinematográfica de One Piece aconteceu em 2009, com o lançamento de One Piece: Strong World. Último filme ambientado antes do salto no tempo da franquia, o Strong World recebeu uma forte injeção de marketing ao alardear a participação de Eiichiro Oda no roteiro e na criação de um novo vilão, Shiki. Esse personagem inclusive foi citado dentro da própria série como alguém que conseguiu fugir da prisão de Impel Down, o arco mais recente da versão televisiva na época da estreia.

Ter um elemento canônico pode ter ajudado Strong World a conseguir uma bilheteria expressiva para a época: se um filme "filler" de One Piece arrecadava cerca de R$54 milhões (convertendo o valor para a nossa moeda), Strong World conseguiu conquistar o equivalente a R$350 milhões durante sua carreira nos cinemas! Embora o personagem em si nem tenha tanta importância no universo de One Piece, os fãs estavam dispostos a pagar um ingresso para conhecer mais sobre ele.

One Piece está longe de ser a primeira franquia a lançar filmes com conteúdos canônicos, é apenas um reflexo da tendência que vemos atualmente. Algo parecido também aconteceu por exemplo no primeiro filme de Pokémon, que trechos da fuga de Mewtwo do laboratório da Equipe Rocket até foram incluídos na série televisiva. Já nos filmes seguintes optaram por criar aventuras fillers, tanto que Ash reencontra Pokémon lendários dos longas e não se lembra de tê-los visto antes (não que a memória do protagonista seja critério, afinal ele vive esquecendo de Pokémon vistos em temporadas anteriores).

A partir daí, One Piece descobriu a mina de ouro: os filmes Z, Gold, Stampede e agora o Red (que você pode conferir nossa crítica) passaram a ter referências canônicas como estratégia para se tornar "obrigatório" para fãs de One Piece. Personagens e histórias foram criados por Eiichiro Oda, havia citação na série televisiva sobre os eventos contados ali e até a promessa de se promover algum encontro muito esperado, como o que aconteceu entre Luffy e Shanks no recente filme Red. O filme deixou de ser uma aventura extra, se tornou um complemento necessário para quem quisesse ter a experiência completa de One Piece.

Ao mesmo tempo que esses filmes começaram a flertar com o canônico, percebe-se que as bilheterias também responderam de forma positiva. A lista de filmes mais vistos da história do Japão foi ganhando recentemente alguns longas de anime que apostaram no canônico. Jujutsu Kaisen 0, uma prequel oficial da franquia criada por Gege Akutami, figura em 15º lugar; o recente One Piece Film: Red já aparece em 9º lugar e o imbatível Demon Slayer - Mugen Train conseguiu se tornar o filme mais visto de todos os tempos (superando Titanic, Your Name e A Viagem de Chihiro), mesmo sendo lançado durante a pandemia. O truque do sucesso parece ser prometer aos fãs acontecimentos que importam para a história daquela série, afinal menos gente iria ao cinema ver Tanjiro e Nezuko se fosse apenas para vê-los enfrentando um oni aleatório criado para aquele longa-metragem.

Uma alternativa para términos

Não apenas os grandes shonens de lutinha foram se aproximando do canônico, mas outras produções viram nos longa-metragens uma forma de conseguir dinheiro com mais facilidade. Após três temporadas aos trancos e barrancos, Sailor Moon Crystal chegou à Netflix com um filme em duas partes para adaptar o arco de sua “quarta temporada”. O filme não tem estrutura de longa, é mais como se a Toei tivesse produzido vários episódios de uma série, colado todos e dado o nome de Sailor Moon Eternal. Em algum momento a empresa deve ter percebido que não havia demanda para bancar aquilo como temporada, mas um filme poderia compensar em custos. O improviso aparentemente deu certo, porque Sailor Moon Cosmos já foi anunciado pela Toei para a Netflix, dessa vez prometendo encerrar o reboot das guerreiras lunares.

O cinema parece ter se tornado atrativo para séries com dificuldades de bancar novas temporadas, e os exemplos vão se multiplicando. Após duas temporadas em que rolou até troca de estúdio, The Quintessential Quintuplets (ou então As Quíntuplas como é chamado por aqui) teve seu desfecho em um filme, não em uma terceira temporada. Como o interesse do público pode cair com o passar do tempo, possivelmente perceberam que lançar o final da história como um filme seria mais viável financeiramente. Os verdadeiros fãs iriam ao cinema conferir o desfecho da história e garantir um dinheiro mais certo através da venda de ingressos. Podemos falar algo parecido sobre Haikyu, que recentemente teve o anúncio de um filme que adaptará todo o arco final. O sucesso da franquia de basquete é inegável, Haikyu é uma das grandes séries de esporte da atualidade, mas a decisão de terminar em um filme (ainda mais um arco tão longo) dá a impressão de ter sido a última alternativa possível para concluir a franquia para os fãs e ainda reverter algum dinheiro para o bolso dos estúdios e donos dos direitos.

Embora seja bom para os fãs que suas séries favoritas sejam concluídas de alguma forma, não podemos ignorar como isso não é tão perfeito para nós, fãs brasileiros. Embora exista muito interesse por parte das distribuidoras de lançar filmes de grandes animes no Brasil, como aconteceu este ano com My Hero Academia, Jujutsu Kaisen, Dragon Ball Super e One Piece, os animes menos populares ficam sem esse espaço. Um fã brasileiro do anime das Quíntuplas não tem qualquer previsão de quando o filme, que conclui a série de duas temporadas, chegará para nós. E esse filme de Haikyu, virá para a gente? Vai demorar? Será um lançamento exclusivo para streaming como o futuro filme de Black Clover? Muitas dúvidas para poucas respostas.

Embora confesse ser fã de filmes em que a história começa e termina naquele longa e não haverá reflexo na história original, também é bom quando os filmes apresentam um pouco mais de peso e tempo para desenvolver a trama de forma diferente de uma temporada televisiva. E, no fim das contas, o que importa é a alegria dos fãs.