Reprodução/Tezuka Productions

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Kimba vs Simba: a história por trás das denúncias de plágio em O Rei Leão

Lançamento da animação em 1989 levantou comparações com mangá de Osamu Tezuka

17.07.2019, às 12H25.
Atualizada em 27.03.2020, ÀS 15H12

Após perder seu pai em um acidente terrível, um jovem leão se vê obrigado a voltar para sua terra natal e desafiar um leão mal-encarado que lhe roubou o reino. Se você ler essa primeira frase para qualquer pessoa, é bem provável ouvir um "ei, essa é a história de O Rei Leão!", porém essa mesma sinopse se encaixa em uma outra história: Kimba, o Leão Branco. Acredite, a história dos bastidores envolvendo o filme da Disney e o mangá/anime de Osamu Tezuka daria uma história tão emocionante quanto a saga de Simba.

O Rei Leão foi um estouro em seu lançamento, no começo dos anos 90. Após décadas de muitas adaptações de contos de fadas ou de clássicos da literatura, a Disney alardeou sua intenção de produzir seu primeiro filme totalmente original (certo, vamos fingir que a trama do filme não é basicamente Hamlet, de Shakespeare, tá?) desde a década de 70. O resultado deu super certo e o mundo inteiro estava entoando o mantra “Hakuna Matata” enquanto comprava produtos licenciados como se não houvesse amanhã. Porém, enquanto a Disney lucrava horrores com um de seus maiores êxitos da década, um burburinho começou a surgir em alguns lugares.

Vários veículos, tanto nos EUA quanto em outros países, começaram a fazer matérias apontando como O Rei Leão não era tão original assim, e que a história de Simba era muito parecida com a de uma série japonesa estrelada por um leão chamado Kimba. Pois é, até o nome dos personagens não ajuda a aliviar a barra da Disney. Embora tenham semelhanças inegáveis entre o filme americano e o anime japonês, o caso de suposto plágio de O Rei Leão é um mistério até hoje, com algumas pistas desconexas e declarações bem suspeitas que valem ser relembradas com a estreia da nova versão da Disney.

Quem é Kimba?

Tudo começou em novembro de 1950, quando Osamu Tezuka publicou o mangá Jungle Taitei ("O Imperador da Selva" em português) nas páginas da revista Gakudosha. Considerado o criador do mangá como o conhecemos, a história do Imperador das Selvas na verdade veio de uma “insatisfação” pessoal nascida após assistir ao filme Bambi, da Disney.

Para Tezuka, não fazia muito sentido os animais terem tanto medo dos seres humanos e que, se eles tivessem aquela inteligência demonstrada no longa, o mais lógico seria terem tentado uma aproximação com os humanos. Isso foi refletido na forma como Tezuka construiu o comportamento de seus personagens no mangá: em certo ponto da história (publicada no Brasil em quatro volumes pela NewPOP Editora), o leãozinho protagonista faz amizade com um rapaz chamado Kenichi e até ajuda outros animais a se aproximarem dos seres humanos.

Quem espera ver no mangá original várias coincidências com O Rei Leão pode cair do cavalo, porque apenas alguns elementos são semelhantes. Na história japonesa, o jovem leão Leo (sim, ele não se chama Kimba) é filho de Panja e Eliza. O pai do leão é morto por caçadores e sua mãe é capturada por um zoológico. Prestes a ser levada para o cativeiro, Eliza pede a Leo para que ele volte à África com o intuito de reaver o trono de seu pai.

Embora o nome original do personagem seja Leo, essa não é a forma pela qual ele é conhecido no Ocidente. O nome do personagem precisou ser mudado pois "Leo" já era uma marca registrada dos estúdios MGM, então os produtores escolheram "Kimba" por ser próximo da palavra do idioma suaíli que significa "leão". E sabe como é essa palavra suaíli? "Simba"!

As histórias são diferentes, criadas em épocas diferentes e até existe uma explicação para o nome dos dois personagens ser parecido, mas ainda existe um caroço nesse angu que precisamos observar.

O suposto plágio

"O Rei Leão" começou a ser produzido em 1989, coincidentemente o mesmo ano da morte de Osamu Tezuka. Durante nascimento do projeto, “O Rei Leão” tinha um outro nome bem curioso: "O Rei da Selva". Nessa mesma época, Kimba (vamos chamá-lo dessa forma a partir de agora) já havia ganhado um anime em 1966 e estava prestes a ganhar uma segunda série animada a ser exibida no horário nobre japonês. A primeira série do leão branco, produzida pela Tezuka Production (o estúdio do próprio autor), fez tanto sucesso que foi exportada nos anos sessenta para vários países, entre eles… os EUA. O anime de Kimba inclusive foi exibido no Brasil, mas somente nos anos 70.

Quando O Rei Leão estreou em 94, a polêmica sobre o suposto plágio começou a pipocar. O jornal Los Angeles Times perguntou a opinião de Frederik Schodt, especialista em mangás, a respeito da polêmica e foi como jogar gasolina para apagar um incêndio. Para o especialista, autor de um livro sobre a história dos mangás, a cena com Simba conversando com Mufasa nas nuvens é tão parecida com o que aconteceu no mangá do Kimba que seria quase impossível ser uma mera coincidência. Até Os Simpsons zoaram essa polêmica, colocando uma cena de vários personagens em nuvens falando com um personagem, chamado erroneamente de “Kimba”.

Acusados de plágio, os produtores da Disney logo vieram a público se defender. Rob Minkoff, diretor de O Rei Leão, afirmou desconhecer a série animada japonesa e que só foi descobrir as tais semelhanças quando foi ao Japão promover o filme e lhe perguntaram sobre o assunto. Se levarmos em conta a resposta de Rob Minkoff, tudo parece uma grande coincidência, mas será mesmo que a Disney nunca teve acesso ao material original japonês?

Roger Allers, o outro diretor de O Rei Leão, tem em seu currículo um trabalho como animador... no Japão. Justamente nos anos 80, coincidentemente durante a exibição do novo anime de Kimba. Seria muito improvável ele estar no Japão nessa função e não ter visto Kimba uma única vez. Por sua vez, Tom Sito, animador do filme, contou em uma entrevista ao HuffPost que era possível a possibilidade dos animadores de O Rei Leão terem visto o anime do Kimba quando o anime foi transmitido nos EUA na década de 60. Entretanto, ele rejeita a ideia de plágio consciente do material.

Para piorar a situação, alguns envolvidos na produção do filme chegaram a confundir O Rei Leão com Kimba, o Leão Branco. Pra começar, Roy Disney (filho de um dos fundadores da Disney e responsável pela empresa durante parte do século passado) chamou o personagem principal de O Rei Leão de Kimba em uma ocasião anterior ao lançamento do filme. Já Matthew Broderick, dublador do Simba, fez uma confusão ao ser escalado para o papel: ele achou que havia sido chamado para dublar o Kimba em uma suposta nova versão da animação japonesa que ele assistia quando criança.

Se nos EUA a Disney nadava de braçada com o sucesso do filme, a recepção de O Rei Leão não foi das melhores no Japão, local onde as obras de Osamu Tezuka são consideradas uma espécie de patrimônio cultural. Na época da estreia, a autora de mangá Machiko Satonaka enviou uma carta-aberta a vários veículos japoneses e americanos denunciando o plágio ao original do Tezuka. Ao final do desabafo, a mangaká pedia que ao menos colocassem um aviso no começo do filme avisando que se tratava de uma homenagem a Osamu Tezuka.

Com elementos tão explícitos assim, seria bem fácil a Tezuka Productions fazer tal qual Simba e tomar da Disney o reino que é seu por direito, certo? Entretanto, os executivos da empresa japonesa preferiram lidar com a situação de outra forma: Osamu Tezuka era um grande fã da Disney, e muitos dos elementos introduzidos por ele nos mangás vieram das animações americanas. Os olhos dos personagens de Tezuka, por exemplo, se assemelhavam muito aos olhos do Mickey Mouse.

Sendo assim, Takayuki Matsutani, presidente da empresa japonesa, explicou que Tezuka ficaria honrado com as semelhanças se estivesse vivo. "Em vez de entrar com um processo, nós ficamos muito felizes de saber que pessoas da Disney viram o trabalho do Tezuka", disse o presidente em uma declaração para o jornal americano The Baltimore Sun. E, para encerrar de vez com a discussão, declarou que O Rei Leão é diferente de Kimba - O Leão Branco.

A Tezuka Productions tinha planos de fazer um longa animado de Kimba em 1989, ano da morte de Tezuka e início da produção de O Rei Leão, mas o projeto esbarrou em vários problemas financeiros (até um jogo para Nintendo 64 estava previsto, mas foi cancelado por vários problemas). Intitulada O Imperador da Selva - O Filme, a produção acabou sendo lançada apenas em 1997 nos cinemas japoneses, com grande sucesso.

Esse filme do Kimba viria a ser lançado nos Estados Unidos, com o nome de Tezuka Osamu's Jungle Emperor Leo, apenas em 2003, em meio à popularização da animação japonesa no país. Na capa do filme, um cenário de savana ao fundo e Kimba conversando com seu pai nas nuvens, a mesma cena considerada um plágio do filme da Disney.

Kimba, o Leão Branco, mangá

Kimba, o Leão Branco, mangá de Osamu Tezuka

Capa do mangá Kimba, O Leão Branco, lançado no Brasil pela New Pop Editora