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Mangás e Animes

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Qual música de anime é a "Evidências" dos otakus?

Será que Cha-La Head Cha-La, Gurenge ou Moonlight Densetsu têm o que é preciso para ser um hino atemporal?

23.02.2022, às 16H40.

Caso vá a um karaokê ou rodinha de violão, são bastante elevadas as chances de alguém ter a ideia de cantar “Evidências”, clássico de José Augusto e Paulo Sérgio Valle eternizado por Chitãozinho e Xororó em 1990. Décadas depois do lançamento a música foi cooptada pelos brasileiros e atualmente é considerada uma "unanimidade" no nosso cancioneiro popular.

Pouco se sabe os motivos que levaram a essa aclamação popular, indo dos mais velhos aos jovens com piadas sobre boletos, mas em pouco tempo “Evidências” se tornou mais do que uma canção, virou uma ideia. E se é uma ideia, podemos pensar um pouco fora da caixa e tentar descobrir, por exemplo, qual música de anime tem essa mesma energia de clássico inquestionável atemporal, não só no Brasil como no mundo inteiro. Mas antes de explicar qual música é a Evidências” dos otakus, precisamos entender o que é uma música de anime.

A história das Anisongs

Comuns a qualquer produção audiovisual que precisa de introdução, nos animes o tema de abertura foi se popularizando com o passar dos anos (e décadas). Originalmente canções de um minuto e meio, logo alguns temas compostos para animes famosos se tornaram a cara de franquias famosas, e algumas canções se tornaram hinos de gerações inteiras, conhecidas até hoje por pessoas que nem ao menos assistiram às séries.

Chamar as anisongs de “hinos” não é exagero, afinal muitas das músicas trazem em suas letras os principais elementos daquela série animada. Transmitida pela primeira vez em 2 de abril de 1967, o tema de abertura de Speed Racer é um exemplo no gênero anisong. Enquanto o espectador acompanha o piloto manobrando o carro Mach 5 em meio a adversários, o coral Vocal Shop entoava uma letra sobre como o vento balançava o cabelo do motorista e como era necessário pisar no acelerador até o final do planeta Terra. Dramático e exagerado, tal qual o próprio anime Speed Racer. O refrão "Mach Go! Go! Go!", também o nome da série em japonês, foi tão impactante que seria reutilizado em outras produções da franquia no futuro, como no injustiçado filme live-action.

Speed Racer dirigiu contra fluxo no que se refere à adaptação da música em outros países. Ao ser lançado nos Estados Unidos, a distribuidora do anime optou por traduzir (e reduzir) a música original em vez de lançar com uma composição própria, e o hino “Go Speed Racer Go” vocalizado por um coral igualmente comprometido transformou a abertura em um clássico. Speed Racer foi usado aqui como exemplo de abertura clássica, mas outros animes tiveram temas musicais que transcenderam a própria série, como Doraemon com seu tema “Doraemon no Uta” ou Encouraçado Espacial Yamato e sua música homônima.

Em meados dos anos 1980 os temas de anime ganharam um aspecto mais pop, e produções das décadas seguintes dedicaram ainda mais esforços para a criação de músicas únicas. Tal qual acontece em séries americanas ou nas novelas brasileiras, os animes também incorporaram músicas já existentes como temas musicais, usando a introdução do anime como uma “propaganda” da canção. Com isso as aberturas de InuYasha, Naruto e Bleach se tornaram um desfile dos maiores artistas populares do Japão no momento, e consequentemente tiveram suas músicas espalhadas por todo mundo por conta do estouro dos animes no mercado mundial.

Anisong é um conceito complexo de se explicar, mas é fácil de entender. Tendo visto pelo menos uns cinco animes na vida é o bastante para identificar uma estrutura em comum nas músicas, como um solo musical usado para a exibição do título do anime e um refrão mais acelerado, naquele momento em que os personagens mais importantes do anime vão aparecendo em uma sucessão de imagens rápidas. E sempre em exatos um minuto e meio, com exceções menores (como Hunter x Hunter de 1998) ou exageradas como os dois minutos e meio de abertura em One Piece.

Qual a música de anime mais famosa no Japão?

Há um infindável número de músicas de anime muito famosas. Embalando alguns dos animes de maior sucesso da história, bastam alguns poucos acordes para que o espectador consiga identificar a música e sentir uma vontade louca de cantar junto. Animes gigantes (de tamanho e fama) como Dragon Ball Z e Sailor Moon saem na frente porque o fã precisou ouvir aquela música por centenas de episódios, e isso ajudou a memorizar as canções. O tema das guerreiras lunares apareceu até em competição olímpica!

We Are” de One Piece, cantada por Hiroshi Kitadani, faz parte do balaio de músicas muito marcantes, mesmo tendo durado “pouco” tempo no ar. O anime do pirata que estica tem uma mudança constante de aberturas, sempre trocando as canções e as cenas para as de arcos mais recentes, mas ainda assim One Piece considera “We Are” como o tema mais icônico da série, a ponto de ser relembrado de tempos em tempos em ocasiões especiais. Em 2008 uma versão cantada pelo grupo TVXQ/Tohoshinki comemorou a proximidade dos 10 anos do anime, e “We Are” apareceu recentemente para comemorar a exibição do 1000º episódio. O cantor Hiroshi Kitadani, a voz por trás da música, também é chamado de tempos em tempos para outras aberturas marcantes, sendo responsável por “We Go” (primeiro tema do Novo Mundo) e por “Over the Top” (primeiro tema do país de Wano).

Mas voltando à investigação da manchete, quais os critérios para se escolher a música de anime com a mesma essência de “Evidências” na cultura otaku mundial? Para chegarmos a essa resposta, é necessário analisar alguns dados de pesquisas sobre anisongs realizadas no Japão. Visando sanar as dúvidas sobre qual a mais impactante música de anime de todos os tempos, a TV Asahi promoveu no ano de 2020 uma pesquisa com 130 mil fãs de anime no Japão para encontrar aquela que seria a Melhor Música de Animação. O resultado está longe de surpreender, afinal revela a predileção de uma música pra lá de memorável: "Zankoku na tenshi no thesis", cantada por Yoko Takahashi para a abertura do anime Neon Genesis Evangelion.

Não tem para ninguém: não só o tema do anime de mecha se tornou muito conhecido entre os fãs como também furou a bolha e se tornou conhecido por pessoas que nunca viram Evangelion e não ficaram com raiva de Shinji Ikari. "Zankoku na tenshi no thesis" também é uma das queridinhas dos karaokês japoneses e também um pé de meia vitalício para sua compositora, Neko Oikawa. Se Mariah Carrey vê sua conta bancária explodindo em todo Natal por conta da música "All I Want for Christmas is You", Neko ganha anualmente cem milhões de ienes (ou quatro milhões e meio de reais, aproximadamente) apenas pelos royalties do hino otaku.

O resultado da pesquisa não é surpresa para quem frequentou qualquer ambiente com fãs de cultura japonesa. Atemporal, mesmo os últimos eventos de anime realizados no final de 2019 executavam a canção em algum momento. Mesmo sendo de meados dos anos 1990, a complexidade da história e qualidade da produção garantiram uma vida longa para Neon Genesis Evangelion e sua música tema. Seja fã ou hater, todo mundo já cantarolou em algum momento "Zankoku na tenshi no thesis" na vida, garantindo à canção todas as características necessárias para ser considerada a “Evidências” dos otakus.

Como curiosidade, a pesquisa da TV Asahi relembrou outras músicas bastante queridas pelos fãs como o tema de Yamato 2199 (3º lugar), a primeira abertura de Digimon Adventure (4º lugar, mas não a versão da Angélica) e a famosíssima "God Knows..." da trilha de Haruhi Suzumiya (9º). O destaque acabou sendo o segundo lugar, ninguém menos que “Gurenge” da cantora Lisa, a primeira abertura de Demon Slayer - Kimetsu no Yaiba. A pesquisa foi feita em meio ao fenômeno da série de Koyoharu Gotouge, então não é de se espantar ter dado as caras em uma posição tão importante.

E no Brasil?

A relação do otaku brasileiro com fãs de anime é bem diferente do que acontece com um japonês. Pra começar, durante a popularização dos animes nos canais abertos ou pagos tínhamos mais contato com as músicas traduzidas e adaptadas para nosso idioma. Às vezes a fonte da música vinha de alguma versão criada para a exibição ocidental, como era o caso de Pokémon e o seu “Esse meu jeito de viver/ Ninguém nunca foi igual”, mas tivemos a sorte de algumas versões brasileiras serem adaptadas do original em japonês.

Claro, não podemos deixar de mencionar também as músicas de anime 100% criadas no Brasil. Antes da pandemia de Covid-19, era bastante comum ouvir em algum canto de evento de anime os versos “Seu sorriso é tão resplandecente/ que deixou meu coração alegre” ou então o nostálgico “Fly, Fly, Fly/ quer a paz que o inimigo destrói”, todos mobilizando uma quantidade considerável de otakus. Infelizmente para os fãs de músicas em português, por motivos de licenciamento tornou-se cada vez mais comum os animes dublados chegarem aqui com suas aberturas no idioma original. Alguns animes como Dragon Ball Super até adaptaram suas músicas para o português na tentativa de manter a fórmula de sucesso do original, mas esses são a exceção.

Nesse caso, qual seria a “Evidências” das músicas de anime no Brasil, o hino atemporal entoado por onze entre dez otakus reunidos em um evento de anime? Frequentei muito evento de anime e sei o poder de um “Haruka Kanata” de Naruto ou um “Moonlight Densetsu” de Sailor Moon em uma multidão, mas achei melhor perguntar a alguém que entende do tema. Ricardo Cruz não é apenas cantor e compositor de músicas de anime em português, como os temas brasileiros de Hunter x Hunter e da fase Inferno de Os Cavaleiros do Zodíaco: Hades, mas também membro do JAM Project, composto pelos maiores cantores de anisongs do Japão. Pelo grupo, Ricardo compôs o segundo tema de abertura de One-Punch Man, intitulado "Seijaku no Apostile".

Ao ser perguntado sobre qual música de anime tinha o status de “Evidências” no Brasil, o cantor rapidamente me respondeu: "Pegasus Fantasy", o primeiro tema de Os Cavaleiros do Zodíaco.

Ver a resposta me trouxe memórias muito vívidas da época de evento de anime. Seja quando ia aos eventos na adolescência para passear ou a trabalho como adulto, a música "Pegasus Fantasy" foi uma constante inabalável. E mesmo que Os Cavaleiros do Zodíaco tenha perdido boa parte da preferência do público alvo dos eventos, que debandou para Naruto e animes mais recentes, há sempre um momento em que os acordes de guitarra anunciam a execução da série que iniciou a febre dos animes nos anos 1990.

Classificada por Ricardo Cruz como "a maior farofa otaku”, pelo menos do público brasileiro, a canção só chegou aqui oficialmente no relançamento de Os Cavaleiros do Zodíaco em 2003. Antes o tema de abertura era uma canção criada por Mário Lúcio de Freitas, do estúdio Gota Mágica, e foi só na redublagem que convocaram o cantor Edu Falaschi (na época vocalista do Angra) para cantar uma versão em português do hino dos guerreiros de Atena. O resultado ficou muito bom e é uma das melhores aberturas de anime em português, mesmo para quem nem ao menos gosta de Os Cavaleiros do Zodíaco.

Com a promessa de novos eventos de anime em 2022 e a renovação constante do público, talvez vejamos o impacto de “Pegasus Fantasy” sofrer um processo erosão. Por Os Cavaleiros do Zodíaco não conseguir se manter relevante para as novas gerações, a vaga de “Evidências” das músicas de anime em português pode abrir a qualquer momento. Só nos resta acompanhar de perto, mas sempre respeitando o legado das anisongs.