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Arquivo X - 20 Anos | A Série

Duas décadas depois de Mulder e Scully investigarem o desconhecido, a mitologia ainda deixa questões no ar

03.09.2013, às 18H55.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H25

O enredo intrincado e as conspirações que originaram Arquivo X não começaram nos anos 1990, mas décadas antes, quando uma parte da realidade se descolou das impressões corriqueiras e resolveu fazer graça com o mundo. Uma cidade nos EUA chamada Roswell, no Estado do Novo México, foi a escolhida. Aquela suposta queda de um OVNI, em julho de 1947, serviu de gatilho para a fusão de verdade e fantasia que tornou as teorias conspiratórias mais interessantes com o passar das décadas. Arquivo X foi um marco dessa mescla: uma série capaz de "cientificar" o absurdo, o sobrenatural, o inexplicável.

I Want to Believe

Quando Chris Carter chegou com seu projeto na Fox, a realidade das séries de TV não oferecia muita variedade. O universo seriado se dividia entre sitcoms familiares, produções para o público adolescente e séries de procedimento policiais ou médicas. Aos olhos dos executivos, o projeto de Carter parecia mais uma tentativa de jogar com criminologia e sensacionalismo, mas o criador tinha planos mais específicos para o programa, que precisariam de tempo para se desenvolver.

O que Arquivo X pretendia, mais do que investigar crimes em 45 minutos, era teorizar sobre a "verdade". A palavra "teoria" sempre foi perigosa demais, porém, não só para a indústria da TV, mas no entretenimento em geral, onde o verbo "facilitar" sempre imperou. Como Carter convenceu a todos de que buscaria "verdades" entre o raciocínio lógico e o imponderável, entre novas teorias científicas e psicológicas, sem perder o entretenimento (e o espectador) de vista? Com inteligência.

1ª TEMPORADA: BEM-VINDOS AO PORÃO

David Duchovny chegou a Arquivo X antes de qualquer outro membro do elenco. Ele tinha feito alguns filmes e uma participação marcante na bizarra Twin Peaks, chamando a atenção de Carter e ganhando o personagem de Fox Mulder imediatamente. Já Gillian Anderson só entrou por pura pressão do criador da série, que se recusava a atender aos pedidos da Fox para colocar no papel de Dana Scully uma atriz mais experiente e bonita. Anderson era gordinha, desconhecida e precisou mentir a idade. A demissão da atriz foi pedida um número de vezes, mas Carter sempre a defendeu. Isso foi preponderante para a relação dos dois e para o papel dela no futuro do programa.

Os dois atores deram vida a Mulder e Scully. Ele, um agente que cuidava de um departamento especial do FBI chamado Arquivo X. Qualquer caso que não pudesse ser resolvido pelas vias "normais" era mandado para lá. Mas Mulder começou a incomodar a alta cúpula com suas teorias sobre uma conspiração alienígena, e Scully - escolhida por ser uma cientista cética - foi designada para contestar o trabalho teórico de Mulder. Assim, criou-se uma dinâmica irresistível: ele acreditava em tudo e ela, por sua vez, só no que a ciência podia provar.

O episódio-piloto da série foi feito, a despeito de todos os perigos de cancelamento, do jeito que Carter queria. Apresentou a trama alienígena usando de todo o arsenal de documentos apócrifos que podem ser acessados tranquilamente hoje em dia através da Internet. Apresentou uma abertura sinistra, composta com notas que resistem bravamente aos tempos e inaugurou a tagline que se tornou histórica: "The Truth is Out There", ou "A Verdade Está Lá Fora" no Brasil. Imediatamente esse piloto, que abordava com seriedade única um tema sempre ridicularizado, foi eleito pela comunidade intelectual, nerd, crítica, como um respiro de originalidade na TV. Mas teorizar, argumentar... Tudo isso ainda era novo para o espectador médio.

A primeira temporada transcorreu corajosa, de abordagens incríveis para lobisomens ("A Besta Humana") e Círculos Ingleses ("Assassino ou Assassina"), até a execução de teorias científicas embasadas ("Terror no Gelo"). Volta e meia, discretamente, voltava a falar da conspiração alienígena, em episódios simplesmente fantásticos ("O Ser do Espaço") e aparentemente aleatórios. O plano maior, que viria no futuro a ser chamado de "mitologia", estava ali, lutando para aparecer, emergindo das expectativas de Chris Carter, mas absolutamente ameaçado pela baixa audiência.

O final da primeira temporada foi preparado para ser um desfecho para a série. O episódio provocou o espectador com a inserção definitiva de Scully no universo de Mulder e com a morte do informante dele, o emblemático Garganta Profunda. A tagline de abertura também mudou pela primeira vez. Foi de "The Truth is Out There" para "Trust no One", ou "Não Confie em Ninguém" no Brasil, e a trama se encerrou com o fechamento do departamento. As investigações deveriam continuar, porém, porque a Fox quis: Arquivo X teria uma segunda temporada.

2ª TEMPORADA: OS FUNDAMENTOS DA MITOLOGIA

Ninguém na equipe contava com a renovação. Gillian Anderson, por exemplo, foi pega de surpresa, em plena gravidez. A trama foi redirecionada para permitir algumas ausências da atriz, o que ajudou a desenhar o futuro de sucesso da série. A decisão de incorporar alguns episódios de mitologia, em meio aos "casos da semana", contribuiu para envolver o espectador no universo de Arquivo X: uma conspiração para esconder a existência de alienígenas, uma ligação direta com Mulder, uma abdução na infância. Essa trama pensada para ser descoberta aos poucos desafiava o espectador a montar o quebra-cabeças.

No clássico episódio "Duane Barry", a agente Scully é abduzida, e esse fato acabou se tornando um dos condutores da mitologia dali por diante. A busca por Scully (que durou apenas dois episódios) aproximou os espectadores dos protagonistas, deu início à torcida por um envolvimento romântico de Scully e Mulder, e aprofundou as expectativas com relação à série. Arquivo X tinha fãs e a "verdade" passou a ser importante pra eles também.

A segunda temporada se confirmou sombria, flertando com o demônio ("Adoradores das Trevas") e com anomalias ("A Fraude"). Enquanto crescia sendo eficaz em tornar "possíveis" teorias ditas inaceitáveis, também crescia com seus "episódios mitológicos", divididos em capítulos duplos ou triplos que gotejavam informações instigantes. A audiência subiu, a série ganhou seus primeiros prêmios Emmy, e a renovação para o terceiro ano veio antes do esperado - e sob imenso alívio.

3ª TEMPORADA: RESISTIR OU SERVIR?

O final da segunda temporada - com o fascinante "Anasazi" - assumia tantos riscos a médio prazo que os executivos da Fox ficaram apavorados. Achavam que nenhum espectador esperaria meses para ter uma resposta às questões postas no season finale. Mesmo com a audiência digna e os prêmios, continuavam pressionando Carter para manter a série em moldes mais próximos aos de Além da Imaginação, sem conexão entre tramas ou temporadas.

A resposta do criador veio com a premiére do terceiro ano, um episódio duplo. O programa tinha acabado de ganhar outro Globo de Ouro e muito respeito da crítica, não havia por que parar. O ano três veio, então, com uma avalanche de episódios mitológicos, reforçando a conspiração e as dúvidas quanto ao paradeiro da irmã abduzida de Mulder. Aqui foram determinadas as tendências, como as mudanças estratégicas da frase de abertura, a fixação da importância de coadjuvantes (O Canceroso e Alex Krycek foram notados como figuras centrais a partir desse ponto, e um dos principais colaboradores de Carter, Vince Gilligan, soube seguir em Breaking Bad a importância de ter coadjuvantes marcantes) e a dinâmica de troca de informantes.

Também nesse ano começaram a surgir os primeiro alívios cômicos, como no sensacional "Do Espaço Sideral", além de ficar estabelecido definitivamente que inícios, meados e finais de temporada seriam dedicados à trama central. Antes do final da temporada, a série já era uma unanimidade de crítica e provocava discussões a respeito de seus mistérios, que transcendiam o âmbito do programa. Havia uma verdade que se impunha com cada vez mais força: a televisão podia, e devia, almejar mais do que entregas imediatas, semanais. Mostrando tudo nas sombras e sem previsão de respostas, Arquivo X insurgia, anos antes de Lost ou Fringe, como uma poderosa força de sugestão.

4ª TEMPORADA: O APOGEU

Se o formato mitológico antes era uma dúvida para a Fox, na chegada da quarta temporada essa dúvida se dissipou. O fenômeno tomou proporções globais, e as teorias acerca do programa se tornaram um exercicio regular. Com a mitologia estabelecida, já se podia brincar com ela. Havia uma preocupação de não adiar demais algumas respostas mas, ao mesmo tempo, as renovações ainda aconteciam anualmente, impedindo um planejamento a longo prazo. Fechar contratos como o de Lost, com anos de antecedência, era impensável naquele tempo. Sabia-se apenas que a quarta temporada era um novo degrau de sucesso.

A abdução de Scully na segunda temporada encontrou seu ponto reativo crítico. Todo o quarto ano foi dedicado a explorar o câncer que a personagem adquiriu depois dessa abdução. E Gillian Anderson e David Duchovny puderam conquistar premiações importantes que acreditaram na força de suas atuações apoiadas em "contextos fantásticos".

Foi também uma temporada tão sombria que provocou censuras. "O Lar", escrito pela ótima dupla Glen Morgan e James Wong (criadores da franquia Premonição), era tão perturbador que foi proibido. A mitologia cresceu, com mais tramas ligadas a ela. Se no episódio duplo "Terma" e "Tunguska" vimos uma abordagem surpreendente dos mistérios em torno da atividade alienígena na Rússia e do papel do "Óleo Negro" na colonização (com direito a Mulder exposto a ele), em "Lapso do Tempo I" e "II" o roteiro nos presenteou com perspectivas do fenômeno da abdução que deixam qualquer um de cabelo em pé. Porém, nada era capaz de nos preparar para a trilogia que ligaria o final da quarta temporada ao início da quinta.

Em "A Maior das Mentiras", Chris Carter e Frank Spotnitz se superaram. Scully morrendo, Mulder sendo confrontado com seu pior pesadelo: e se tudo em que ele acreditou até aquele momento fosse mentira? Mas a pergunta não veio pura e foi embasada em uma quantidade inacreditável de correlações históricas que tornaram esse um episódio simplesmente inesquecível. Mulder no território inimigo, autópsia de um suposto alienígena, provas plausíveis de que os aliens podem ser um embuste, e um suicídio. Um final de temporada capaz de arrepiar até hoje.

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