Matéria prima para filmes de enorme bilheteria e populares séries de TV, as HQs de super-heróis tem ganhado cada vez mais interesse do público. Parte daqueles que saem vibrando das salas de cinema recorrem a bancas e lojas especializadas para acompanhar mais aventuras de seus heróis (e às vezes vilões) favoritos. Porém, a quantidade de histórias em publicação pode ser assustadora para quem está começando, muitas vezes causando confusão em quem tenta conhecer um personagem com décadas de publicações. Um dos exemplos mais citados nesse sentido são os X-Men, a equipe mutante da Marvel que desde sua estreia já teve diferentes configurações, gerou centenas de derivados, e até passou por linhas do tempo alternativas.
Criado por Stan Lee e Jack Kirby em 1963, o grupo era originalmente um quinteto formado pelos mutantes Ciclope, Jean Grey, Fera, Homem de Gelo e Anjo. O time estudava na escola de Charles Xavier, telepata que agia como seu mentor e líder. Em suas primeiras aventuras, o time combatia mutantes malignos como Magneto, os robôs anti-mutantes Sentinelas e, aos poucos, foram descobrindo que haviam outros homo superior, incorporados depois à equipe. Em uma história apropriadamente chamada de Segunda Gênese, a equipe original estava presa em Krakoa, uma ilha mutante (!), quando um novo time formado por Noturno, Tempestade, Colossus e Wolverine partiu ao seu resgate. A partir daí os X-Men chegaram à sua “formação clássica”, que viveu as mais celebradas aventuras de suas quase seis décadas de existência, como A Saga da Fênix Negra e Dias de um Futuro Esquecido.
Porém, foi nesse período em que as coisas começaram a ficar complicadas. Durante os anos 1980, o grupo passou a ter aventuras sobre viagem no tempo, foram ganhando cada vez mais membros e, como se não bastasse, viu a morte (e ressurreição) de muitos de seus integrantes. Em questão de anos, o time já havia ganhado equipes anexas, como Novos Mutantes, X-Factor e Excalibur, além de títulos solo para seus personagens de maior sucesso como o Wolverine. Embalados em uma crescente de popularidade entre os leitores, o time explodiu de vez na década de 1990, quando ganhou o famoso desenho animado da Fox Kids, videogames e chegou ao Guinness como o quadrinho mais vendido de todos os tempos.
A partir daí, os X-Men ganharam ainda mais títulos derivados e passaram a ser o foco de grandes crossovers e mega-sagas do Universo Marvel. Um bom exemplo para o que estava acontecendo nesse período é a Era do Apocalipse, saga ambientada em uma realidade paralela, que envolveu 9 revistas da equipe que durou um ano inteiro. Mesmo sendo um sucesso financeiro, a quantidade de títulos e a qualidade decrescente das histórias deixou o público cada vez mais insatisfeito. A situação só mudou no início dos anos 2000, quando o roteirista Grant Morrison assumiu a publicação com a missão de botar ordem na casa.
Inspirado tanto pelas HQs clássicas, quanto pelo primeiro filme do grupo, Morrison fez mudanças radicais no time. Com o objetivo de atrair novos leitores, o autor decidiu substituir as histórias densas, cheias de amarras cronológicas e elenco inchado, por tramas modernas e fáceis de ler. Focado em contar aventuras com começo, meio e fim bem definidos, aos moldes de filmes ou minisséries, o escocês queria “trazer de volta a sensação emocionante de ‘agora tudo pode acontecer’”. Para isso, eliminou grande parte da população mutante para focar em uma equipe formada pelos principais X-Men e deu a eles um novo uniforme. Entrando no século XX com menos preocupações com o passado e maior interesse no futuro, a equipe passou por uma boa fase, com destaque para sagas que voltaram a ser empolgantes e o retorno da relevância de títulos derivados.
Desde então o grupo voltou a passar por problemas, como inchaço de HQs, eventos pouco inspirados e o retorno da sensação de que nada importa, já que seus membros voltaram a morrer e viver de forma pouco inspirada. Porém, parte desses problemas estava ligada não à incapacidade criativa de seus criadores, mas sim às restrições ligadas aos cinemas. Como os direitos cinematográficos da franquia estavam sob controle da Fox, a Marvel tinha pouco interesse no grupo, tentando aos poucos transferir a relevância dos mutantes para os Inumanos. A situação estava tão insustentável que Jeff Lemire, um dos maiores quadrinistas da última década, revelou que trabalhar na revista “foi um pesadelo”.
Porém, a Disney comprou a Fox e a Marvel voltou a ter os direitos cinematográficos da equipe, que deve ser apresentada ao MCU no futuro. Voltando a acreditar no poder de uma de suas maiores franquias, a Marvel contratou Jonathan Hickman para dar um jeito na casa e devolver os X-Men aos seus dias de glória. A fase, que está prestes a chegar ao Brasil, já é um sucesso nos Estados Unidos, provando que os mutantes nunca saíram de moda - só precisavam ser tratados com carinho.
Para você que quer conhecer esse universo tão intrigante, listamos abaixo 5 HQs que ilustram o desenvolvimento dos X-Men desde sua criação até os dias atuais. Vale notar que essa não é uma lista de melhores histórias da equipe. Ainda que praticamente todas elas estejam entre as maiores aventuras dos mutantes, a lista abaixo foi pensada como um ponto de partida.
Dias de um Futuro Esquecido
Divulgação/Panini
Dias de um Futuro Esquecido é um dos maiores clássicos dos X-Men. Adaptada para os cinemas em 2014, a história faz parte da brilhante fase escrita por Chris Claremont com arte de John Byrne. A HQ se passa 30 anos no futuro, quando os mutantes são perseguidos, mortos ou levados para campos de concentração onde são vigiados pelos Sentinelas. Esse regime de crueldade começou com o assassinato de Robert Kelly, um candidato à presidência dos EUA, pelas mãos da Irmandade de Mutantes. Ao matar um político anti-mutante, o grupo causa um holocausto nuclear que faz com que a sociedade se volte de vez contra qualquer homo superior. Em um plano arriscado, uma Kitty Pryde adulta retorna aos anos 1980, o presente da publicação, para salvar Kelly e impedir que a distopia ocorra.
Além de ser um dos maiores clássicos da história dos quadrinhos, Dias de um Futuro Esquecido é um ponto de partida perfeito para novos leitores por recapitular toda a história do grupo até aquele momento. Nas publicações mais recentes da história, seu primeiro capítulo se passa durante o funeral de Jean Grey após a Saga da Fênix Negra, quando um abalado Ciclope reflete sobre toda a trajetória dos X-Men, desde sua formação até a conclusão da aventura que causou a morte de sua amada. Chamado de Elegia, o conto é não só uma homenagem à jornada da equipe até aquele momento, como também um ponto de partida para uma nova fase do grupo, que tem como uma de suas primeiras aventuras a viagem no tempo realizada por Kitty Pryde.
Além de clássica, a história se tornou ponto fundamental por se tratar da primeira viagem no tempo realizada pelo time, que viria a ter integrantes como Cable e Bishop, cujas motivações estão diretamente ligadas a impedir futuros catastróficos causados por eventos do presente.
Dias de um Futuro Esquecido foi publicado no Brasil pela Panini e pela Salvat.
Deus Ama, o Homem Mata
Divulgação/Panini Comics
Desde sua criação nos anos 1960, os X-Men sempre foram tratados como uma metáfora para as minorias do mundo real. Os mutantes constantemente têm que lidar com perseguição por parte da raça humana, que os odeia por serem diferentes. É comum que o grupo enfrente vilões guiados por uma intolerância cega que os abomina por puro preconceito, assim como acontece na vida real com inúmeros grupo sociais. A HQ que melhor ilustra essa metáfora é Deus Ama, o Homem Mata.
Escrita por Chris Claremont com desenhos de Bret Anderson, o quadrinho começa com uma das cenas mais fortes da história dos publicações, quando duas crianças são assassinadas por um grupo anti mutante denominado “purificadores”, simplesmente por portarem o gene mutante. Deixados amarrados em um balanço com uma placa escrita “mutuna” - uma gíria discriminatória para se referir aos mutantes -, a dupla é achada por Magneto, que jura vingança em seu nome. Pouco depois descobre-se que os assassinos são o braço armado da chamada “Cruzada Stryker”, organização liderada pelo Reverendo William Stryker, que usa seu espaço na TV para disseminar ideais extremamente preconceituosos, afirmando que os mutantes são “filhos do demônio” e por isso devem ser mortos.
Em um quadrinho com menos de 70 páginas, Claremont conta uma história madura sobre ódio e intolerância, utilizando a natureza metafórica dos X-Men quase de forma literal. Partindo da grande divergência entre Charles Xavier, que insiste em defender a humanidade na esperança de que um dia possam conviver em paz, e Magneto, que não acredita que as pessoas sejam capazes de mudar, o quadrinho passa uma poderosa mensagem sobre um mal que ultrapassa as páginas dos quadrinhos e que precisa ser combatido diariamente por todos nós.
Deus Ama, o Homem Mata foi publicado no Brasil pela Panini e pela Salvat.
Gênese Mutante
Divulgação/Marvel Comics
Se nos anos 1980 os X-Men ascenderam como favoritos do público com clássicos como Dias de um Futuro Esquecido e o surgimento de novas equipes como Novos Mutantes, foi na década seguinte que o time se tornou um fenômeno. Pouco após dar vida às grandes sagas, o roteirista Chris Claremont perdeu o artista John Byrne, seu parceiro de longa data que decidiu sair da revista. Após produzir com outros grandes nomes da indústria, ele voltou a encontrar um grande colaborador em Jim Lee. Jovem talento da época, o artista sul-coreano deu nova vida ao grupo ao causar empolgação com seu traço dinâmico voltado para a ação.
Se tornando favorito dos fãs após desenhar algumas revistas dos X-Men, foi quando Jim Lee assumiu de vez o lápis que a revista voltou a crescer. O sucesso das vendas foi tão grande, que a Marvel decidiu criar uma nova revista dos X-Men com a dupla, iniciativa que deu certo a ponto de a primeira edição vender 8 milhões de cópias e entrar para o Guinness como a HQ mais vendida de todos os tempos. Chamada de Gênese Mutante, a história mostra o retorno de membros que haviam falecido nos últimos anos para combater Magneto, que abdicou de sua vida de paz no Asteróide M para novamente fazer a humanidade pagar pela perseguição aos mutantes. Apresentando conceitos que se tornaram clássicos, como dividir o time em “Equipe Azul” e “Equipe Dourada”, essa fase mudou para sempre não apenas os X-Men, mas os quadrinhos como um todo.
A estética exagerada e voltada para a ação criada por Jim Lee influenciou toda uma geração de artistas que passaram a criar histórias mais interessadas no visual do que no enredo - o que explica a fama maldita que a década de 1990 tem para os quadrinhos de super-heróis. Os novos trajes da equipe serviram de base ainda para o desenho animado dos X-Men, que foi ao ar um ano após a publicação da HQ e foi responsável por criar a imagem que boa parte dos fãs têm até hoje.
Gênese Mutante foi publicada no Brasil pela Panini.
Surpreendentes X-Men de Joss Whedon
Reprodução/Panini Comics
Após a explosão no início da década de 1990, os X-Men se tornaram vítimas de seu próprio sucesso. Enxergando no grupo uma mina de ouro, a Marvel passou a lançar cada vez mais HQs derivadas que, mesmo sendo campeãs de venda, tinham qualidade duvidosa e acabou afastando parte dos leitores. Após a chegada do primeiro filme, em 2000, o interesse do público voltou, mas o enorme elenco espalhado em incontáveis revistas se tornou uma barreira para novos leitores. Foi nesse momento em que Grant Morrison revolucionou a equipe ao simplificar a cronologia e apostar em uma história mais acessível com um time reduzido trajando uniformes mais parecidos com o dos cinemas, que já era familiar ao grande público.
A iniciativa deu certo e os X-Men voltaram a fazer sucesso, mas foi apenas após a saída de Morrison que a equipe chegou à sua melhor fase moderna. Escrita por Joss Whedon, diretor dos dois primeiros filmes dos Vingadores, com arte de John Cassaday, a revista Surpreendentes X-Men uniu o melhor dos dois mundos, retomando conceitos clássicos com uma abordagem atual. Essa combinação criou o melhor cenário tanto para o leitor iniciante, quanto para os velhos fãs em uma história dinâmica, simples de se entender e recheada de referências que não impedem a trama de avançar.
Cheio de cenas de ação, diálogos afiados - e por vezes hilários -, Surpreendentes X-Men devolveu a veia super-heroica que Morrison havia deixado de lado em sua fase, claramente voltada à ficção científica. Com isso, o quadrinho ganhou não apenas mais cenas de porrada, mas também espaço para discutir temas como legado, regeneração e até mesmo com qual facilidade oprimidos podem se tornar opressores. Somada à crescente tensão entre Ciclope e Wolverine, que seria levada até às últimas consequências nos anos seguintes, esse se tornou uma das mais memoráveis eras da equipe.
Surpreendentes X-Men de Joss Whedon foi publicado no Brasil pela Salvat e pela Panini.
Vingadores vs X-Men
Reprodução/Panini Comics
Ainda que não seja uma das sagas mais amadas pelos fãs dos mutantes, Vingadores vs X-Men foi extremamente importante para os rumos da equipe na última década. O evento, que colocou os dois maiores grupos da Marvel em guerra, é uma grande conclusão para os caminhos que franquia estava trilhando, ao mesmo tempo em que que permitiu à equipe se revigorar. Os X-Men viviam em uma linha tênue desde o Cisma, como ficou conhecido o evento em que Ciclope e Wolverine romperam de vez, com cada um montando uma escola para liderar equipes que seguiam suas crenças e visões.
Os dois times se chocaram quando os Vingadores descobriram que a Fênix - aquela que possuiu Jean Grey - estava de volta para possuir Esperança Summers, neta de Ciclope vinda do futuro, que era vista como uma “messias mutante”. A crença era de que a garota devolveria os genes mutantes àqueles que ficaram sem seus poderes após os eventos de Dinastia M. Por um lado, os Vingadores, com apoio da equipe do Wolverine, queriam levar a garota para protegê-la dos perigos da entidade cósmica. Por outro, o time de Ciclope se recusou a entregá-la por acreditar que a Fênix pode ser a chave para o retorno da raça mutante a seus dias de glória.
Após muita pancadaria, mortes chocantes e um desfecho satisfatório, o evento teve grande impacto dentro e fora das páginas. Ainda que seguindo caminhos separados, Ciclope e Wolverine deixaram suas diferenças de lado - curiosamente com Summers assumindo uma postura mais agressiva e Logan se tornando o “adulto responsável”. Mesmo divididos, cada um estava fazendo sua parte para manter os mutantes vivos e preparados para salvar o dia. Já no mundo real a briga foi uma das responsáveis por fazer o mercado de HQs crescer 43% nos EUA e fez a Marvel zerar todas as suas revistas em uma fase conhecida como Nova Marvel.