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21 fatos de A Piada Mortal | Bastidores, tretas e a importância da HQ do Batman

Agora transformado em animação, o clássico de 1988 de Alan Moore repercute até hoje

26.07.2016, às 00H19.
Atualizada em 27.08.2019, ÀS 18H28

Primeiro vem Cavaleiro das Trevas. Depois, Ano Um e A Piada Mortal. As unanimidades.

Se você pedir a um fã para ranquear as melhores HQs do Batman de todos os tempos, há grandes chances de que a ordem seja essa. As três saíram muito próximas, em um auge dark do Homem-Morcego nos anos 1980, e vão fundo em três aspectos do personagem: respectivamente, o que ele significa para o mundo, sua origem e a relação que tem com seu arqui-inimigo, o Coringa.

O roteirista Alan Moore e o desenhista Brian Bolland decidiram o seguinte: Batman e Coringa são espelhos um do outro. Sim, seus fins são diametralmente opostos e a sisudez de um é o inverso da loucura do outro. Mas o assustador está no que eles têm em comum. Na galeria abaixo, recontamos a histórias e os bastidores de A Piada Mortal, cuja versão animada sai agora em agosto em DVD e Blu-ray (leia nossas primeiras impressões do filme):

Projeto de desenhista

Brian Bolland estava encerrando a maxissérie Camelot 3000 e a DC Comics lhe informou que ele poderia escolher o projeto que quisesse. Bolland disse que queria desenhar uma edição especial (prestige format) com Batman e Coringa, com roteiro do amigo Alan Moore - os dois vinham da cena do quadrinho inglês. Moore escreveu Piada durante a produção de Watchmen e Bolland, famoso por estourar prazos, levou aproximadamente dois anos para desenhar a HQ.

O longa animado

Mark Hamill, que dublou o Coringa em várias Bat-animações, falou em 2011 que toparia na hora voltar a dublar o personagem em uma adaptação de A Piada Mortal. O produtor Bruce Timm curtiu a ideia e oficializou o projeto em 2015. Com roteiro do quadrinista Brian Azzarello e direção de Timm e Sam Liu, o filme tem um cartaz foi feito pelo próprio Brian Bolland, baseado em sua capa icônica com o Coringa fantasiado de turista.

1988

Piada Mortal saiu em março de 1988. Foi uma confluência: os fãs ainda estavam em êxtase com Cavaleiro das Trevas (1986) e Ano Um (1987), e havia grandes chances de um filme respeitoso à nova fase sombria do personagem - que aconteceu de fato com Tim Burton em 1989 (também com uma trama entre Batman e Coringa). Moore e Bolland não foram influenciados por nada disso, pois começaram a produzir sua HQ muito antes. Participaram por acaso da Batmania dos anos 80 - e contribuíram com ela.

O roteiro

Alan Moore é famoso pelos roteiros verborrágicos, mas Piada Mortal talvez ganhe recorde: são 128 páginas datilografadas para descrever 46 páginas de HQ. Tudo bem que Moore não fica só em descrições e para várias vezes para conversar com Bolland e soltar piadinhas, mas... são 7 folhas só para ele explicar a página 1. Curiosos podem ler tudo em http://killingjokescript.tumblr.com/

Capuz Vermelho

"O Homem do Capuz Vermelho", HQ de 1951 com roteiro de um dos criadores do Batman, Bill Finger, influencia diretamente Piada Mortal. Foi a primeira vez em que se contou a origem do Coringa - um ladrãozinho que cai em um tanque de produtos químicos e fica de pele branca, cabelos verdes e lábios vermelhos. Moore e Bolland recontam esta história em versão um pouco mais macabra e sarcástica, com a história do comediante fracassado.

É ou não é a origem do Coringa?

O certo seria dizer que é UMA das origens. Faz parte da loucura do personagem contar uma história diferente toda vez que alguém quer saber de onde ele saiu. Embora a origem como o Capuz Vermelho seja consagrada e os flashbacks de Piada Mortal supostamente sejam memórias do Coringa, o próprio admite que não lembra direito dos fatos. Vez por outra uma Bat-HQ inventa origem nova do vilão.

Influências cinematográficas

Brian Bolland já declarou que os flashbacks com a origem do Coringa foram fortemente inspirados pelo preto-e-branco industrial de Eraserhead, primeiro longa de David Lynch. Moore, por sua vez, não gosta de falar sobre Piada, mas críticos veem uma forte influência do filme Laranja Mecânica na violência da HQ. A cena em que Coringa invade a casa do Comissário Gordon lembra a famosa cena em que os droogs invadem uma casa, incapacitam um homem e estupram sua mulher.

Estupro?

O Coringa estuprou ou não estuprou Barbara Gordon? O vilão mostra fotos da filha nua (e baleada) ao Comissário Gordon, o que já é uma violência sexual. O roteiro da HQ inclusive propunha nudez frontal - que Bolland chegou a desenhar e a DC vetou - mas não fala em estupro. A interpretação fica a cargo do leitor, mas a discussão sobre violência sexual na HQ rende polêmica até hoje.

"Pode aleijar a vaca"

Alan Moore pediu permissão ao editorial da DC para aleijar Barbara Gordon - a filha do Comissário que, na época, já contava quase 20 anos como Batgirl. O editor Len Wein respondeu (segundo palavras de Moore): "Pode aleijar a vaca!". A ideia inicial era que Piada não valesse na continuidade, mas a DC resolveu adotá-la como história canônica - sendo Barbara a principal afetada. No mesmo mês em que Piada saiu, a edição Batgirl Special fez um prelúdio onde ela abandonava a identidade de Batgirl.

Oráculo

O casal de roteiristas John Ostrander e Kim Yale não gostou de Piada Mortal. Autores da série Esquadrão Suicida, criaram uma nova personagem, a hacker Oráculo, que ajudava a equipe à distância e incógnita. Dois anos depois, Oráculo revelou-se Barbara Gordon. A nova identidade hacker da personagem foi integrada às séries de Batman e foi central à longa série Aves de Rapina (que até virou seriado de TV). Nos Novos 52, Barbara passou por uma cirurgia experimental que lhe devolveu a mobilidade das pernas e voltou a atuar com Batgirl - mas ainda tem memórias doloridas com o Coringa.

'Um dia ruim"

"Só é preciso um dia ruim pra reduzir o mais são dos homens a lunático... Você teve um dia ruim uma vez, não é?" A fala de Coringa para Batman mostra o tema central da HQ: "um dia ruim". No flashback, o Coringa conta o dia tenebroso que mudou sua vida. Todo leitor sabe qual é o dia ruim da vida de Bruce Wayne. E o que o Coringa tenta fazer com o Comissário Gordon, exemplo da retidão moral, ao longo da história é justamente "um dia ruim".

"Tinha dois caras no hospício..."

A piada que o Coringa conta no final da HQ? Não é original. Embora seja difícil traçar a origem de qualquer piada, ela teve uma apresentação famosa na voz do comediante Red Skelton (1913-1997) no programa Ed Sullivan Show em 1968 (procure "red skelton on the ed sullivan show" no youtube).

Influenciando o cinema

Tim Burton leu A Piada Mortal enquanto estava preparando seu Batman, e disse que foi "a primeira graphic novel pela qual eu me apaixonei". A influência se sente bem em Batman - O Retorno, com Batman sendo visto como um dos loucos fantasiados. Christopher Nolan comentou que, evidentemente, conhecia, admirava e inspirava-se com a HQ. E Heath Ledger recebeu A Piada quando ainda estava preparando-se para interpretar o Coringa, embora tenha achado que ela dizia muito pouco sobre a origem do personagem.

Novas cores

Brian Bolland nunca gostou das cores da edição original de A Piada Mortal - feitas por outro colega britânico, John Higgins (o mesmo de Watchmen). Na época, a DC não deixou o próprio Bolland colorir porque o artista levaria anos para completar o serviço. Em 2008, Bolland convenceu a editora a fazer uma mudança radical nas cores para a edição Deluxe. Saíram, por exemplo, as cores lisérgicas de Higgins e entrou o preto e branco com alguns detalhes de cor nos flashbacks. Bolland ainda redesenhou alguns quadros, e é esta versão que é publicada desde então.

Prêmios e vendas

Em 1989, A Piada Mortal levou três prêmios Eisner (roteirista, desenhista/arte-finalista e álbum) e quatro Harvey (artista, colorista, edição e álbum). A Piada Mortal é uma das HQs mais vendidas na história de Batman e da DC - sobretudo porque é um produto perene. Com várias tiragens novas ao longo dos anos 80 e 90, o álbum ganhou edição de luxo em 2008 - com as novas cores - que o levou à lista de mais vendidos do New York Times. No mês passado, a edição foi líder de vendas em graphic novels nas comic shops dos EUA. E até no Brasil está na lista de mais vendidos nas livrarias.

No Brasil

Piada Mortal aportou por aqui pouco depois dos EUA, em setembro de 1988, dentro da série Graphic Novel da Editora Abril, que a republicou em 1999. Em 2005, a editora Opera Graphica inspirou-se numa edição francesa, de bolso e em preto e branco, remodelando toda a arte. A Panini publicou o álbum diversas vezes desde 2009, já na versão com novas cores.

Moore contra

Alan Moore não gosta de Piada Mortal. Diz que a história não contribui em nada ao fazer os paralelos psicológicos rasos entre Batman e Coringa, dois personagens totalmente irreais. Além disso, acha que a DC não devia ter deixado ele aleijar Barbara Gordon. Ao saber que a HQ seria adaptada para animação, o autor solicitou que todos os royalties que lhe fossem devidos fossem repassados a Brian Bolland - posição que adota com colaboradores em várias das suas criações que viraram filme.

Continuação?

Em entrevista recente, Bolland disse que a DC o convidou para produzir uma sequência de Piada Mortal - já sugerindo que Brian Azzarello podia ajudá-lo no roteiro. O artista britânico disse que ia levar muito tempo para fazer um projeto desses - ele nunca mais fez uma HQ tão longa quanto A Piada - e deu a entender que não topou a proposta da editora. Mas, com os 30 anos logo ali, quem sabe? Alan Moore certamente não se envolverá.

Turista

Um dos ícones macabros de A Piada Mortal é a camisa de "turista nos trópicos" que o Coringa usa quando invade a casa do Comissário Gordon e atira em Barbara Gordon. A camisa ficou ainda mais icônica quando virou skin opcional do vilão em games como Lego Batman e Injustice: Gods Among Us - com direito à câmera fotográfica. Todos os games recentes com Batman, como a série Arkham, tem referências a Piada Mortal, seja frases ou cenários da HQ.

Cultura do estupro

O brasileiro Rafael Albuquerque caiu numa polêmica em 2015, quando a DC revelou uma capa alternativa da série Batgirl em que o desenhista fazia referência a Piada Mortal - e que não combinava com o tom girl power que a série vinha tomando. Albuquerque, que tinha feito uma versão anterior da capa menos violenta e mudou a mando da DC, acabou pedindo que a capa não fosse usada. Recentemente, o pesquisador Will Brooker, autor de livros sobre Batman, pediu um boicote a tudo da DC porque a adaptação de Piada Mortal para animação ajuda a "promover a cultura do estupro".

Coringa morre no final?

Brian Bolland já tinha feito piada com essa dúvida dos fãs em um posfácio à edição deluxe, em 2008. Em 2013, o escritor Grant Morrison comentou que, sim, Batman mata Coringa ao final do álbum e que "esta é a Piada Mortal". A interpretação de Morrison provocou alarde, dividindo fãs entre os que dizem que o roteiro não deixa isto explícito e os que se perguntam "será?". Assim como muita coisa no álbum, a interpretação é aberta. E deve ser por provocar essas polêmicas e interpretações interessantes que a HQ se mantém forte até hoje.