Diversidade é a palavra de ordem do calendário de próximos lançamentos da Marvel. Embora o termo em si não tenha feito parte das apresentações do presidente do estúdio Kevin Feige em eventos como a San Diego Comic-Con e a D23, este é definitivamente um denominador comum dentro da fase 4 do MCU, sobretudo se observarmos as produções focadas em heróis inéditos. Se no passado o elenco de um blockbuster da editora era dominado por atores brancos, em sua maioria homens, dessa vez a Marvel realmente provocou uma mudança significativa. Não apenas deu mais espaço para as heroínas no seu universo compartilhado, como pode-se ver no Hall H, em julho, uma prévia das diferentes etnias e minorias que serão representadas nos cinemas até o final de 2021.
Os Eternos talvez seja a produção mais sintomática dessa postura. A equipe, pouco conhecida até por alguns dos mais ferrenhos fãs de quadrinhos, chegará aos cinemas com um elenco bastante diverso: dos oito integrantes, três são brancos (Angelina Jolie, Richard Madden e a pequena Lia McHugh); dois são negros (Brian Tyree Henry e Lauren Ridloff); uma é latina (Salma Hayek); um é paquistanês (Kumail Nanjiani); e outro é sul-coreano (Ma Dong-Seok, também conhecido como Don Lee). Mais do que os números, é a imagem de todos reunidos que revela o ineditismo da produção, ainda mais considerando os padrões da indústria:
Alberto E. Rodriguez/Getty Images North America/AFP
Elenco de Os Eternos acompanhado da diretora Chloé Zhao
Além da diversidade étnica, é interessante notar que a Marvel não ficou presa nos gêneros originais dos personagens neste projeto. Afinal, se esse fosse o caso, teríamos no filme apenas uma heroína, a poderosa Thena. A decisão de adaptar o veloz Makkari, o Eterno Polar Ajak e o zombeteiro Sprite como personagens femininas muda pouco suas respectivas personalidades. Porém, há um peso simbólico nessa decisão: um verdadeiro equilíbrio entre a força de homens e mulheres dentro da equipe, algo que não se viu dentro da formação original dos Vingadores.
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Os Eternos também marca outros dois passos importantes nessa missão da Marvel de ser mais inclusiva. O longa, que estreia em novembro de 2020, trará a primeira heroína com deficiência auditiva da história do estúdio - Makkari será interpretada pela atriz surda Lauren Ridloff - e um herói LGBTQ+. Pelo o que Kevin Feige revelou em entrevistas pós-SDCC, a fase 4 realmente mostrará a Marvel se afastando da heteronormatividade que foi padrão até aqui, e incluindo outros personagens LGBTQ+ além do Eterno.
Marvel Comics/Divulgação
O também recém-anunciado Shang-Chi e a Lenda dos 10 Anéis representa avanços próprios. Pela primeira vez, a Marvel leva para os cinemas um personagem de origem asiática para protagonizar um longa solo. Além do herói ser vivido pelo ator sino-canadense Simu Liu, o núcleo central também conta com nomes de descendência chinesa, isto é, Tony Leung como o vilão Mandarim e Awkwafina para um papel misterioso.
Há uma clara preocupação de fazer uma representação mais adequada da cultura chinesa. Não à toa, ao que tudo indica, o estúdio não se prenderá por completo ao material-base, corrigindo em alguma medida o lastro racista e estereotipado que originou o mestre do Kung Fu nos anos 1970. Afinal, o personagem criado por Steve Englehart e Jim Starlin nasceu a partir de Fu Manchu, um vilão antigo da literatura inglesa, apresentado nos quadrinhos como o pai e o principal adversário de Shang-Chi.
Antes da Marvel Comics, durante o século XIX e início do século XX, o temido criminoso foi usado como caricatura nos ataques xenofóbicos aos imigrantes asiáticos nos Estados Unidos. Por isso, não era incomum que Fu Manchu parecesse menos como uma figura humana e mais como um monstro.
Na adaptação para os cinemas, Fu Manchu deve ser substituído por Mandarim - o personagem de verdade, não a versão falsa de Homem de Ferro 3. Ainda assim, a relação de antagonismo entre herói e vilão deve ser mantida. Portanto, o amadurecimento de Shang-Chi e a decepção com seu pai devem continuar como os focos de A Lenda dos 10 Anéis, sem decepcionar os fãs do personagem ou ofender o espectador.
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Natalie Portman levantando o Mjölnir no Hall H da San Diego Comic-Con
Note que estas são apenas duas produções dos 10 lançamentos programados até o final da fase 4. Há ainda Thor: Amor e Trovão, mostrando a transformação de Jane na Poderosa Thor e Valquíria como a “rei” de Asgard; Wandavision finalmente explorando a extensão dos poderes da Feiticeira Escarlate e colocando-a como protagonista; Gavião Arqueiro, retratando a formação da jovem heroína Kate Bishop; e Viúva Negra, desenvolvendo de verdade a primeira Vingadora do MCU. A representação feminina aumenta também na direção. Agora temos mais duas mulheres comandando blockbusters do estúdio: Chloé Zhao (Os Eternos) e Cate Shortland (Viúva Negra).
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É verdade que não é de hoje que a Marvel reconhece a importância da diversidade e da representatividade no futuro do seu universo cinematográfico. Na realidade, ambos os temas foram mencionados em diferentes ocasiões por Feige e diretores como os irmãos Russo nos últimos anos. Neste mesmo período, até houve flertes tímidos nos longas, como a bissexualidade de Valquíria, mencionada pela atriz Tessa Thompson em entrevistas, mas nunca de fato referida em Thor: Ragnarok. Entretanto, foi apenas após a comprovação do sucesso de crítica e de bilheteria dos longas Pantera Negra, Capitã Marvel e o pioneiro Mulher-Maravilha, obra da editora concorrente, que o estúdio saiu do campo discursivo e decidiu aplicar esses princípios na prática. Afinal, quem “lacra” lucra sim: Mulher-Maravilha fez US$ 821,84 milhões para a Warner em 2017; Capitã Marvel soma US$ 1,128 bilhão para o MCU desde o início de 2019; e Pantera Negra arrecadou US$ 1,346 bilhão em 2018, sendo uma das maiores arrecadações do ano passado.
Esta nova leva de lançamentos é só um começo, é claro. A Marvel, assim como a indústria como um todo, tem muito a se adequar se de fato quiser ser mais inclusiva. Porém, o estúdio dá sinais otimistas de mudança. Que Os Eternos, Shang-Chi e a Poderosa Thor não sejam só uma fase.