A arte drag é extremamente versátil. Existem drags dançarinas, atrizes, performers, as que capricham na maquiagem e costura e, inclusive, as cantoras. Cantar de verdade, entretanto, é um talento que poucas possuem.
Posso citar diversos exemplos de drags que não cantam bem e recorrem aos programas de autotune para "dar um truque" e divulgar seu trabalho. RuPaul, Sharon Needles, Manila Luzon, Alaska, Léo Áquila, Dimmy Kieer... Enfim, uma lista enorme. Mas nem tudo está perdido, amiguinhos, pois além de existirem drags que cantam de verdade, uma delas está crescendo na cena nacional, bem aqui no nosso quintal verde e amarelo.
Glória Groove é uma artista cujo talento musical vem do berço e uma das grandes revelações da cena drag paulista retratada no documentário Tupiniqueens. Se destacou não apenas por fazer covers excelentes de Beyoncé e Nicki Minaj na internet, mas por batalhar por um espaço artístico e construir um trabalho autoral que vai além do mundo pop e constrói um diálogo com a batalha diária das drags brasileiras.
‘Dona’ é o primeiro single de Glória, lançado em janeiro, que chega não somente para afirmar que ela é dona da festa toda, mas para fazer crítica social. Os trechos "Sou Gloria Groove do Brasil, eu vim pra ficar", "contar a história da mina que mudou tudo, que veio da zona leste pra virar dona do mundo", "cultura drag é missão, um salve a todas as montadas da nossa nação" e "lembra dos "cara" achando que consumação paga peruca?" são um exemplo de que sua música vem para divertir, contar sua história e lutar por uma causa. Tudo isso em ritmo de hip-hop e muita ginga.
Para completar o atual momento da carreira, Glória foi convidada a participar da atual da temporada de Amor&Sexo, na Globo, com o quadro Bishow ao lado de outras drags. Sem dúvida um sinal do reconhecimento do trabalho e talento das queens nacionais. Vai ter drag em todos os lugares!
Nesta semana, Groove também lançou o clipe de ‘Dona’, dirigido por João Monteiro, cuja produção e fotografia são impecáveis. A música ganhou uma nova camada de significado e projeção, além de mais poder de disseminação. Outra conquista importante é a presença de diversas drags nacionais na festa de Glória: Penelopy Jean, Alexia Twister e Tiffany Bradshaw, por exemplo. É talento, é lacração, polêmica e brasilidade, migs!
Glória Groove concedeu entrevista exclusiva à coluna e fala de sua vida, inspiração e outras coisitas. Confira abaixo:
Você poderia falar um pouco de como começou a se montar e cantar?
Comecei a cantar muito cedo. Por ter mãe cantora e uma família de músicos, fui definindo minhas influências muito rápido. Aos 4 anos já cantarolava "Hero" da Mariah Carey. Me montei algumas vezes antes da Gloria existir mesmo, pra fazer peças de teatro, ir em festinhas a fantasia e até num evento da escola. Foi só aos 18 anos que eu descobri RuPaul's Drag Race e decidi tentar fazer pra valer.
Qual a influência de Rupaul no seu trabalho? Quais as suas referências?
A influência é muito forte, foi só assistindo ao reality que eu percebi que era algo que eu conseguiria fazer com minhas próprias mãos e ainda associar ao canto que sempre foi minha grande paixão. Minhas principais no programa diria que são: a própria RuPaul, Latrice Royale, Adore Delano, Trinity K. Bonet, Roxxxy Andrews, Raven, Alaska... Tantas!
O quanto a cultura digital influencia/ajuda o seu trabalho?
Faz toda a diferença. Eu com certeza não teria o mesmo impacto e nem a mesma visibilidade se não fosse o poder da internet e da comunicação da era em que a gente vive. Ela ajuda a gente a se comunicar, se divulgar, se fazer entender e ainda nos entretém na maioria das vezes. As coisas aconteceram muito rápido pra mim, e a internet exerceu um papel muito grande pra isso acontecesse.
Como tem sido a recepção das pessoas em relação ao seu trabalho, incluindo as apresentações na Priscilla?
Muito boa, graças a Deus! Tenho escutado só coisas boas sobre a música nova.
Qual você diria que é a importância da cultura/arte drag para a cultura pop?
Eu acredito que uma nutre a outra de alguma maneira. A arte de fazer drag é diretamente alimentada pelas referências da cultura pop, em sua grande maioria. Pop que por sua vez, mede seu crescimento também pela repercussão no mercado drag, com certeza... Se a bicha dublou tua música é porque ela gosta muito e tá divulgando teu trabalho de graça!
Dona é o seu primeiro single e traz, além de boa música feita por drag, crítica social e um recado para a turma que produz festas e não valoriza o trabalho das drags no Brasil (Lembra dos "cara" achando que consumação paga peruca?). Você pretende seguir essa linha de crítica?
Sem dúvidas o que nós drags fazemos é um ato político e artístico, e nunca é demais pontuar isso de forma inteligente. Pretendo transmitir sempre alguma crítica, pois gosto de gerar discussão!
Você falou no Põe Na Roda sobre valorização da arte drag. A sua presença no Amor&Sexo é um reconhecimento da sua arte?
Com certeza! A visibilidade é o resultado do trabalho que exercemos com tanto amor e levamos a sério, pois sabemos que é arte e que tem seu valor! É a nossa grande chance de mostrar pro nosso país todo que o que fazemos é lindo e emocionante!
A conclusão é que Glória Groove é uma grande artista nacional que merece nossa atenção. Seu primeiro EP sai até o fim de março e trará mais hip-hop e um passeio por outros ritmos. Vai perder?! Vem pro bonde!
E por hoje é só! Um bayjo e quayjo.
Adotamos a sigla LGBTI por ser a mais completa para se referir à diversidade de gênero e identidade sexual nos dias atuais. O T se refere a "TRANS" (travestis, transexuais e transgêneros) e o I a "Intersexual", pessoas com características de ambos os sexos e que podem se reconhecer como homem ou mulher, independente das características físicas. Esta definição é contribuição do leitor Vinícius.
*Gay Nerd é uma coluna quinzenal que mistura nerdices aos temas LGBTI
Isaque Criscuolo é editor do Imerso, nerd, adora um lipsync e acredita que menos é mais