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Especial | A história do Daft Punk

Saiba mais sobre os discos, influências e projetos da lenda viva da música eletrônica

24.04.2013, às 19H02.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H35

Lendas vivas. Assim podem ser definidos Guy-Manuel de Homem-Cristo e Thomas Bangalter, mundialmente conhecidos como Daft Punk. Em 20 anos de carreira, a dupla alcançou um patamar onde são considerados a maior influência da indústria fonográfica atual.

Nestas duas décadas, eles mudaram conceitos, globalizaram o gênero e agora, com seu novo álbum Random Access Memories, pretendem resgatar as origens da e-music. Com o iminente lançamento do disco, o Omelete preparou um especial com a história da dupla, suas influências e principais trabalhos.

Darlin, o começo

Nascidos na França, Thomas Bangalter e Guillaume E. de Homem-Cristo tiveram o primeiro contato com a música cedo. No caso de Thomas a principal influência veio de seu pai, Daniel Vangarde, famoso produtor e compositor francês que já havia trabalhado com importantes artistas como Gibson Brothers, Ottawan e Sheila B. Devotion. Homem-Cristo não tem um histórico musical ou família dotada de talento artístico, mas desde pequeno, mais precisamente aos sete anos, ganhou a sua primeira guitarra, que seria sua inseparável companheira ao longo da carreira.

Os dois começaram a amizade quando estudavam em uma escola em Paris. A afinidade foi imediata: ambos eram apaixonados por músicas e filmes das décadas de 60 e 70 e a sintonia pela arte iniciou o desejo em entrar no mercado fonográfico. O homem que iniciou a dupla neste mundo foi Laurent Brancowits, que se uniu a eles e começou a Darlin, uma banda que, apesar das influências de Beach Boys e Rolling Stones, já mostra um apreço maior dos franceses pelo eletrônico.

Bangalter tocava baixo, Homem-Cristo era o responsável pela guitarra e Brancowits se encarregava da bateria. O grupo lançou algumas músicas, abriu alguns shows no Reino Unido, mas não durou muito mais do que seis meses. A experiência fracassada mudaria os planos de Bangalter e Homem-Cristo - Brancowits, por sua vez, tomou outrou rumo e formou o Phoenix ao lado do irmão Christian Mazzalai, Thomas Mars e Deck D’Arcy. Àquela época, a revista britânica Melody Maker chamou os garotos da Darlin de "um bando de punks bobos" (em inglês, "daft punk") - comentário que guiaria o novo projeto dos outros dois integrantes.

Enfim, Daft Punk

Bangalter e Homem-Cristo sempre idolatraram bandas de synthpop como o Depeche Mode e New Order, por exemplo.  Baseado nessa tendência, eles decidiram formar o Daft Punk. Os sintetizadores seriam marca registrada, mas também seria possível ouvir as ainda pouco usadas drum machines (máquinas de ritmo) - instrumento que cria sons de percussão munidos de um sequenciador. Começavam assim os novos trabalhos da dupla.

Em 1993, Bangalter e Homem-Cristo conheceram Stuart Macmillan. O duo o entregou uma fita demo com o conteúdo que seria a base do primeiro single do Daft Punk, "The New Wave". A faixa teve lançamento limitado em 1994 e a versão final com o nome "Alive", que ajudou a compôr o álbum de estreia. Anos depois, a dupla retornou aos estúdios para gravar "Da Funk", o segundo single, seu primeiro sucesso comercial.

Algumas faixas do Daft Punk foram utilizadas em shows do The Chemical Brothers, famosa dupla de DJ/produtores do Reino Unido, que virou fã dos franceses e pediu para que eles remixassem o single do Chemical, "Life is Sweet". A parceria foi o passo que faltava para a popularidade do Daft Punk decolar. Depois do sucesso, a dupla se uniu ao empresário Pedro Winter e assinou com a Virgin Records, escolha que daria a ambos uma maior liberdade de produção e a criação definitva da identidade pela qual o franceses procuravam.

Criatividade esta que era vista no primeiro contato com o grupo. A vestimenta robótica usada por Bangalter e Homem-Cristo é característica marcante e a identidade principal da dupla. Ainda que sejam o maior nome da e-music, eles nem sempre enxergaram a fama pelo lado positivo. Dessa forma, as fantasias ajudam a preservar a verdadeira imagem dos artistas, tidos nos bastidores da indústria como pessoas tímidas e avessas ao status de celebridade. Capacetes luminosos com LED, roupas de couro, luvas e outros acessórios mudam a cada projeto, mas mantêm a cara futurística do grupo.

Homework, o primeiro álbum

Em 1997, o Daft Punk lançou o seu primeiro álbum, Homework. Os singles "Alive", "Da Funk" e "Rollin & Scratchin" estavam ali, ao lado da aclamada "Around the World". O disco trazia o conceito do "french house", uma união de elementos de vários gêneros musicais, que seria uma das marcas registradas da dupla. Somente em Homework é possível notar a presença de estilos como house, techno, acid house, electro e funk - saiba mais sobre esses estilos no nosso especial sobre a música eletrônica.

O sucesso de críticas e vendas fez o álbum vender quase dois milhões de unidades em poucos meses. Aos poucos, o grupo começava a deixar o âmbito fechado da música eletrônica e se tornava conhecido em todo o planeta. A face mais visual do grupo, seus videoclipes e modo de vestir, começaram a torná-los ponto distoante de tudo que ocorria no mercado naquele tempo. Dois anos depois do lançamento do álbum, o Daft Punk lançou uma série de clipes de Homework, que ficou conhecida como D.A.F.T. - A Story about Dogs, Androids, Firemen and Tomatoes. Eles foram dirigidos por cineastas renomados como Spike Jonze e Michel Gondry.

Discovery e Human After All, uma nova faceta da dupla

Ainda em 1999, a dupla voltou aos trabalhos para a gravação do segundo álbum de estúdio, intitulado como Discovery. Diferente do disco de estreia, onde foram vistas influências de sons vindos de 1975 e 1985, a nova empreitada mostra temas ligados a infância do duo francês. Há uma áurea mais alegre e divertida, com um som mais suave e leve. Tudo é mais colorido em Discovery.

O disco teve seu maior sucesso em "One More Time", que alcançou o topo das rádios do mundo inteiro em poucos dias. Outras faixas conseguiram relativo sucesso como "Aerodynamic", "Digital Love", "Harder, Batter, Faster, Stronger" e "Face to Face". Este segundo trabalho do Daft Punk ajudou na criação de uma nova geração de fãs, o que desde o início era o objetivo da banda, principalmente pela mudança estética se comparada a Homework. Mais um passo era dado para a difusão da e-music.

A ideia de uma coletânea de clipes persistiu em Discovery e Bangalter e Homem-Cristo convidaram Leiji Matsumoto, criador de diversas séries de animes e mangás, para comandar o projeto. Os vídeos seriam usados depois para o longa-metragem Interstella 5555: The 5tory of the 5ecret 5tar 5ystem, que mostraria uma banda pop viajando pela galáxia em uma animação estilo anime. A Toei Animation foi responsável pela produção, mesma empresa que fez desenhos como Dragon Ball, Sailor Moon e Cavaleiros do Zodíaco.

O terceiro álbum de estúdio foi lançado em 2005 e concebido em apenas um mês e meio de trabalho. Human After All é o disco mais controverso do Daft Punk. Para muitos, a obra foi considerada repetitiva, fruto de um trabalho apressado e sem capricho. Bangalter e Homem-Cristo atribuíram o pouco tempo de produção a principal característica do disco, a improvisação.

Seja produto de improviso ou desleixo, fato é que Human After All não fez grandes singles de sucesso - exceto por "Technologic", que tem samples utilizados até hoje. As outras faixas que se destacaram neste álbum foram "Robot Rock", "The Prime Time of Your Life", além da faixa-título.

Esta foi uma fase em que a banda sentia o peso do trabalho e exigência de mercado. Em poucos anos, construiu uma carreira sólida e elogiável, mas não conseguiu manter a excelência de seus trabalhos anteriores - ainda que conseguisse fazer algumas boas músicas. Estava dado o sinal, era hora de começar a investir em novas áreas do entretenimento.

Tron, DJ Hero e os Cavaleiros Reais

Além dos álbuns de estúdio, as gravações ao vivo que viraram cópias de CD e DVD, longa-metragem e remixes, o Daft Punk também criou toda a trilha sonora do filme Tron: O Legado. No total, o duo fez 24 faixas para o filme, que além de todo o som futurista, tinha um visual semelhante ao usado pela dupla. O projeto teve a parceria de Joseph Trapanese, que orquestrou boa parte da trilha. A colaboração entre eles durou desde a pré-produção até o acabamento final das faixas.

A composição da trilha do filme veio depois de uma outra empreitada de sucesso: o game DJ Hero. O Daft Punk forneceu 11 mixagens para o jogo, além dos direitos de imagem, que permitiu aos jogadores usar Bangalter e Homem-Cristo como personagens. O game difundiu e popularizou ainda mais a "profissão" de DJ, além de ter sido um dos jogos de música mais elogiados de seu ano de lançamento - a sequência foi lançado algum tempo depois. Nas duas versões, além de poder jogar com o rosto dos robôs, a pessoa controla uma mesa especialmente feita para o game, em que são simulados os movimentos de um DJ.

Entre projetos estes paralelos e premiações, a dupla conseguiu algo raro para um grupo de música eletrônica. Bangalter e Homem-Cristo foram admitidos na Ordem de Arte e Literatura da França, tornando-os Cavaleiros da nação - título concedido pelo Ministério da Cultura da França. A nomeação visava enaltecer a contribuição ao desenvolvimento das artes na França. Mais do que sucesso comercial, o Daft Punk conseguira ser uma unanimidade em várias camadas da sociedade mundial.

Inspirações e legado

Antes de ser a principal influência eletrônica do mundo, a dupla se inspirou em grandes artistas. Os gêneros musicais synthpop e rock foram as principais vertentes no gosto de Bangalter e Homem-Cristo, como pode-se notar nos primeiros discos. Não é à toa também que a primeira experiência musical do duo com Laurent Brancowitz na Darlin é resultado da idolatria por bandas de rock.

O crescimento da e-music na década de oitenta foi um fato que ajudou na construção do conhecimento musical de Bangalter e Homem-Cristo. A dupla nunca deixou de enaltecer os pioneiros da música eletrônica como Frankie Knuckles e Todd Edwards, que viria a trabalhar com o Daft Punk em Discovery e no ainda inédito Random Access Memories. Um dos grandes trunfos da banda, inclusive, é conseguir aliar suas experiências e inovações tecnológicas a ritmos consagrados no passado - algo evidente nas primeiras faixas de seu novo disco, que se inspira no funk e groove dos anos 70/80.

Hoje, após seus discos e conceitos estabelecidos de uma maneira original, a dupla é unanimidade na música eletrônica; os grandes produtores da cena atual se espelham neles e são declaradamente fãs do Daft Punk. Para alguns veículos especializados, a apresentação do duo no Coachella 2006, um dos maiores eventos de música dos Estados Unidos, foi o marco inicial para o crescimento relâmpago da e-music na última década.

Em outras vertentes, eles também são tidos como referência. O hip-hop americano, por exemplo, se rendeu ao seu som futurístico; Kanye West, na faixa "Stronger", teve o sample de "Harder, Better, Faster, Stronger"; assim como a música de Busta Rhymes, "Touch it", onde a cantora Missy Elliott canta um pedaço de "Techonologic"; e até Janet Jackson usou Punk em "Daftendirekt".

Random Access Memories

Com 20 anos de Daft Punk, Bangalter e Homem-Cristo voltam a lançar um novo álbum, o quarto de estúdio. Foram oito anos de espera para ouvir e acompanhar a dupla que mudou a cara e ajudou a música eletrônica a atingir o mesmo patamar do rock. Random Access Memories, que sai no dia 21 de maio, apresenta a volta de Todd Edwards na colaboração e traz produtores e compositores como Giorgio Moroder e Nile Rodgers. Além deles, Panda Bear, do Animal Collective, Paul Willians e o vocalista do The Strokes, Julian Casablancas estão participando do disco.

"Get Lucky", o primeiro single do CD, carrega a voz de Pharrell Williams, produtor e ex-vocalista da banda N.E.R.D. Pharrell também contribui em outras duas faixas, "Lose Yourself to Dance" e "Touch". Depois de anos de boataria e espera, finalmente o mundo poderá conferir um trabalho original da dupla que mudou a história da música. Resta esperar por Random Access Memories e os novos shows dos robôs.