Por incrível que pareça, ainda existem aqueles que acreditam que absolutamente toda e qualquer produção relacionada aos personagens da DC Comics precisam ser sombrias e realistas, seguindo o modelo bege e hipersério que dominou as adaptações live-action (e algumas animações) do selo entre os anos 2000 e 2010. Esse grupo de fãs, aliás, fez — e segue fazendo — muito barulho quando James Gunn, mais conhecido por seus filmes de herói mais espirituosos, como Guardiões da Galáxia e O Esquadrão Suicida, assumiu o comando do novo DC Studios ao lado de Peter Safran, com medo de que o cineasta injetasse seu típico humor em todas as produções do estúdio. Mas, quem assistir Guardiões da Galáxia vol. 3, vai perceber que o diretor, roteirista e, agora, CEO está longe de ser o que os gringos chamam de “um pônei de um truque só” e pode começar a alimentar as expectativas por um universo tão emocionante quanto divertido.
Claro que não entrarei em spoilers do filme do MCU por aqui — até porque o site e o canal do Omelete já estão cheios de conteúdo para os curiosos. Mas, apesar da rivalidade forçada pelos membros mais apaixonados de cada fandom, acredito que os fãs da DC, sejam eles leitores de longa data ou mesmo espectadores casuais, devem assistir Guardiões da Galáxia vol. 3 quando lhes for oportuno. Digo isso porque, pessoalmente, senti no longa uma honestidade que falta ao restante do universo cinematográfico de Kevin Feige. Por trás das piadas certeiras e comentários jocosos, o novo longa tem uma maturidade emocional fora do padrão para os chamados “filmes de boneco”, algo que se reflete tanto na jornada de Rocket (Bradley Cooper) como sobrevivente quanto na de Quill (Chris Pratt) como o pai dessa família que vem se formando desde 2014.
Apesar de contar com algumas das criaturas, trajes, naves e poderes de visuais mais absurdos do MCU, o vol. 3 é, de certa forma, o filme mais realista que o Marvel Studios lançou até aqui. A forma como Gunn trabalha traumas, superações e relacionamentos é muito mais relacionável que muitas outras produções de herói — incluindo as do próprio Gunn — têm sido desde, ouso dizer, Vingadores: Guerra Infinita, de 2018. Não que outros títulos do gênero desde então não saibam trabalhar emoções. WandaVision, por exemplo, é completamente moldada pelo luto e pela saudade de uma vida nunca vivida, enquanto o primeiro Shazam! trouxe uma história surpreendentemente tocante para falar de abandono e amor.
Ainda assim, nenhuma dessas produções toca corações e mentes tão bem quanto o novo Guardiões da Galáxia. Feito sob medida para arrancar risos e lágrimas igualmente catárticos, o vol. 3 é um convite a uma reflexão mais profunda sobre nossas próprias identidades, famílias e histórias, algo cada vez mais raro em blockbusters de ação de modo geral. Com Gunn no comando de ao menos quatro produções do primeiro capítulo do novo DCU, é de se esperar que a franquia comece procurando batidas emocionais semelhantes, ressaltando a humanidade de cada super-herói, mesmo daqueles com poderes quase divinos.
Com sua trilogia dos Guardiões da Galáxia e com a série d’O Pacificador, Gunn nos lembra que por baixo de cada armadura, capa e máscara, há uma pessoa que sente, pensa, falha, ri, chora e fica brava, e não apenas gênios-playboys-bilionários, titãs loucos e mestres das artes ocultas. Essencial nos gibis, essa noção nem sempre se faz presente em grandes adaptações, especialmente quando esses personagens são “desconstruídos” e reduzidos aos seus traumas como no início do antigo DCEU e no em-breve-encerrado Arrowverse. Essa paixão em explorar não só as tristezas, mas também as alegrias que formam o caráter de cada herói e vilão pode dar ao DCU um frescor que faz muita falta no cenário atual do gênero.
Gunn e Safran têm, nos próximos anos, a missão de mostrar que os heróis da DC não precisam ser definidos por seu sofrimento. Um personagem como o Batman, visto por muita gente como o ápice do conceito “herói trevoso”, merece que seus dias felizes e a boa relação que tem com os filhos sejam tão explorados quanto as mortes que o incentivaram a combater o crime. Por mais que o diretor de Guardiões da Galáxia não vá, obviamente, comandar todas as produções do DCU, seu trabalho na Casa das Ideias já mostra o tipo de história que ele quer ver ser contada. Em uma posição de comando, é muito provável que ele dê preferência a nomes mais animados com o desenvolvimento de personagens do que em sua desconstrução.
Por enquanto, ainda não existem informações o bastante para avaliar ou ao menos especular o nível de qualidade do DCU. Mas, caso Gunn mantenha a maturidade emocional que mostrou em seus trabalhos mais recentes, podemos ficar bem esperançosos com as futuras adaptações do DC Studios. E, convenhamos, esperança já é o primeiro passo perfeito para uma franquia que tem o Superman entre seus principais pilares.
Confira nossa entrevista com James Gunn sobre Guardiões da Galáxia Vol. 3: