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Marcelo Milici | A primeira apunhalada (ou como comecei a gostar de horror)

Nova coluna do Omelete com dicas de filmes, livros e o que há de melhor e pior no gênero fantástico

03.04.2015, às 10H30.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H36

"Se em algum momento minha companhia não agradar, a culpa será toda sua. Pois sou alguém que nunca força a minha presença, mas de quem dificilmente você se desvencilhará" - Conde Drácula, em Drácula (1979).

Desde os primeiros uivos das crianças da noite, com a presença da lua cheia e a exibição dos nomes Frank Langella e Laurence Olivier, acompanhando um morcego que voa em direção a um vórtex, o espectador já imagina que se trata de mais uma adaptação da clássica obra de Bram Stoker, originalmente publicada em maio de 1897. Mas, para um grupo de pequenos moradores da Vila Carioca, nos primeiros acordes da década de 80, aquela era a primeira experiência fantástica! Foi assim que o horror entrou na minha vida, com a exibição em Super 8 do clássico Drácula (1979) de John Badham.

Frank Langella como Conde Drácula

Um Lobisomem Americano em Londres (1981)

Com os olhos constantemente escondidos a cada toque agudo da trilha incidental de John Williams, dois momentos do longa não puderam ser evitados e fazem parte das minhas recordações assustadoras da infância: as paredes escuras do castelo e a lua fria testemunhando a descida vertical do Conde Drácula até a janela do quarto de Mina (Jan Francis), acordada pelo arranhar das unhas do intruso na janela, com dedos que se assemelham a galhos secos numa tempestade. Depois de sucumbir ao ataque do monstro, na segunda cena inesquecível, ela se transforma numa morta-viva que se alimenta de bebês e possui um visual aterrador: pele intensamente alva que destaca olhos profundamente negros e a boca pintada de vermelho, que pronuncia, como uma criança, "Papai".

A revista de terror foi publicada de 1976 a 1981 pela editora RGE

Ainda que o enredo seja bem diferente de outras versões da clássica história, até mesmo no destino das personagens, este é o meu Drácula preferido. Todavia não foi o único monstro que visitou meus pesadelos na minha década inicial de vida. Assim que meu pai comprou um videocassete, o filme que testou esse sofisticado aparelho trazia uma história simples envolvendo um rapaz que se transformava num lobisomem em Londres e era atormentado pelo amigo morto. A cena do ataque no deserto e a transformação, a cargo do mestre Rick Baker, desenvolveram em mim um apreço por monstros e pelo gênero, proporcionando inúmeras sessões em casa, sempre com filmes de terror.

Observava se nos créditos iniciais aparecia alguma informação sobre "efeitos especiais" ou "criatura". Qualquer menção a medo, terror, mortos-vivos ou a simples presença de um zumbi enrugado como o Bub da capa de Dia dos Mortos (1985), minha iniciação com zumbis, já seria o suficiente para um pedido de aluguel da produção. Certa vez, cheguei a fazer um escândalo na locadora Real Vídeo, no Ipiranga (em São Paulo), ao insistir para que meus pais levassem um certo Os Quatro do Apocalipse (1975), imaginando se tratar de um filme sobrenatural sobre as famosas bestas bíblicas (e não um western). Mal sabia que o diretor, um tal Lucio Fulci, entraria para a minha seleção pessoal de cineastas italianos a partir dos 11 anos.

Deu a Louca nos Monstros (1987)
Dia dos Mortos (1985)

Inspirado no jovem pelotão de Deu a Louca nos Monstros (1987), eu, meu irmão Luciano e meu primo Rogério fizemos a nossa própria equipe de investigação e elaboração de histórias assustadoras. Fazíamos sorteios - com pequenos papéis em sacos diferentes, divididos por "monstros", "ambientação", "personagem principal" - com o intuito de preparar contos de terror para o encontro seguinte. Não ocorriam ao pé da fogueira, como nos ensinou a franquia Sexta-Feira 13, mas em cada oportunidade de isolamento na residência da rua Lício de Miranda, com experiências realmente macabras, contando causos, sessões de leitura de gibis da série Kripta e até brincadeiras com copo visando o contato com espíritos.

Não éramos o Ash nas nossas criações, tanto que fazíamos constantes maldades com as crianças da região, proporcionando momentos de medo e calafrios. Houve o garoto que o convencemos que o buraco (ou sótão) que havia no teto de seu quarto escondia um monstro que saía nas madrugadas para se alimentar - com grande influência de O Armário do Diabo (1988); sem contar aquele que realmente acreditava que uma sessão espírita no quintal de casa à luz do dia havia invocado um demônio que estava possuindo um a um. A interpretação do meu irmão foi tão convincente que o menino chorava de pavor, enquanto corria pelo quarteirão dando saltos estranhos a pedido do monstro.

Também morríamos de medo do que fazíamos, acreditando realmente que havíamos captado vozes de fantasmas em gravações de áudio e que uma menina de branco estaria frequentando a esquina da rua Nova Hamburgo, pulando cordas em plena madrugada. Criamos a lenda do anão sequestrador de crianças da Álvaro do Vale, e considerávamos um senhor que morava sozinho numa casa pequena um ser de outro planeta, incentivando os mais corajosos a uma aproximação como um teste de aceitação no grupo. Com essas ideias desmioladas, mas completamente divertidas, fizemos nossos próprios filmes caseiros, aproveitando uma câmera pesada do meu avô e a boa vontade das crianças do bairro. Assassino morto num atropelamento ressurge num ritual demoníaco, um dos roteiros filmados já no final da adolescência, rendendo momentos únicos.

Essa fascinação pelo terror continuou me acompanhando na faculdade. Fiz especialização no Horror Gótico, passeando por autores diversos - de Horace Walpole e Ann Radcliffe a Mary Shelley e seu personagem supremo - e acompanhando todo o desenvolvimento do gênero nos cinemas. Expressionismo Alemão, Hammer e Amicus, a fase Big Bug, os crossovers da Universal, a sangreira colorida de Herschell Gordon Lewis, o canibalismo italiano, os slashers oitentistas...e também prestigiando o que havia de novidade nas locadoras. De tanto incomodar os sites especializados em terror devido a ausência de atualizações, desenvolvi o meu próprio em 2001, que persiste até hoje como uma das principais e antigas fontes virtuais.

Foi quando surgiu o convite para quebrar ovos por aqui. Falar das minhas experiências, dicas de filmes e livros e o que há de melhor e pior no gênero fantástico, numa coluna que será desenvolvida com a participação de vocês, leitores. Então, abro este vórtex virtual para que vocês aproveitem os comentários para sugerir temas para discutirmos nas próximas matérias, com a certeza de que o espaço deverá evoluir com o tempo. Aliás, aproveito para encerrar com uma pergunta: Como foi a iniciação de vocês no gênero, o primeiro filme de terror que viram?

Divirtam-se horrores!

*Marcelo Milici é professor, com especialização em Horror Gótico, idealizador do Boca do Inferno e fã de rock´n roll e paçoca.