Como qualquer fã dos livros de Frank Herbert vai te dizer, o universo de Duna é rico em temas e mitologia, e nem smpre facilita a nossa entrada em sua ficção. O primeiro romance tem um extenso glossário para os termos vistos na história, mas grande parte do prazer da obra vem de descobrir essas coisas na leitura, algo que Denis Villeneuve tentou reproduzir em seus filmes, e algo que Duna: A Profecia parece inseguro demais para abraçar.
“A Mão Oculta”, o primeiro capítulo da série na HBO, começa com extensas sequências de narração expositiva, e só depois de uns bons 15 minutos nos permite testemunhar a história, situada – como informa um intertítulo dramático – mais de 10 mil anos antes da ascensão de Paul Atreides, mas poucas décadas depois da vitória sobre as inteligências artificiais que haviam escravizado toda a humanidade pelas estrelas. “História”, porém, não é um substantivo muito apropriado para o episódio, que gasta sua hora numa dança de cadeiras pouco interessante até colocar os jogadores na posição de início para uma trama de manipulação e segredos.
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Há cenas que ilustram praticamente toda a bagagem expositiva da abertura, deixando o início do “A Mão Oculta” ainda mais frustrante. Descobrir o universo através de momentos como o surgimento de um pequeno robôzinho na cerimônia de noivado da princesa Ynez Corrino (Sarah-Sofie Boussina) com o jovem herdeiro da casa Richese (Charlie Hodson-Prior) seria imensamente mais prazeroso, e também salvaria o episódio da sensação de ser apenas um grande preparo de terreno.
Para ser justo com a showrunner Alison Schapker e sua equipe de roteiristas, se aventurar no denso mundo de Herbert na televisão é um desafio e tanto. Sem a escala de telas IMAX, é fácil cair, digamos, na tentação de segundas telas, e o vasto e talentoso elenco de A Profecia é o maior aliado da equipe criativa em lutar contra outras influências. Há essencialmente dois ambientes: na escola da Irmandade que um dia virará a ordem das Bene Gesserit, as irmãs Valya e Tula Harkonnen (a excelente dupla Emily Watson e Olivia Williams) treinam uma nova geração de mulheres (Jade Anouka, Aofie Hinds, Faoileann Cunningham e Chloe Lea interpretam o quarteto principal de estudantes) e se preparam para receber a princesa como sua mais nova aluna.
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Antes de partir para a Irmandade, a jovem Ynez se encontra no palácio real, onde é prometida em casamento aos Richese numa união que esconde segundas intenções de ambos lados. A aliança entre a jovem monarca e o herdeiro, de apenas 9 anos, garantirá tropas suficientes para que o imperador Javicco Corrino (Mark Strong) resolva seus problemas em Arrakis, onde rebeliões Fremen e insurreições ameaçam o controle da especiaria. A família real vê a diferença de idade entre os dois como uma garantia de que Ynez terá anos de comando livre, enquanto os Richeses vêem o tempo até seu filho virar maior de idade como o período para recrutá-la para seu lado. Todos estão de olho no trono.
Entre os vai-e-vens dos corredores reais, que incluem o amor proibido de Ynez com seu treinador de combate Keiran Atreides (Chris Mason) e as visões apocalípticas da Reverenda Madre Kasha (Jihae), descobrimos que o controle de Javicco sobre as Grandes Casas está cada vez mais incerto, e quando o misterioso soldado Desmond Hart (Travis Fimmel) chega contando relatos de traições em Arrakis, A Profecia começa a se lançar nos prazeres conspiratórios de Duna.
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Tudo isso, contudo, ganha novos significados quando Hart assassina o jovem Richese, aparentemente para ganhar favor com o imperador, usando poderes misteriosos que queimam o garoto de dentro para fora. Kasha, que passa o episódio repensando o casamento (orquestrado pela Irmandade) da princesa que aconselha, morre de forma semelhante depois de voltar para a Irmandade com a intenção de alertar as irmãs sobre seus sonhos.
Parece justo supor que as “máquinas pensantes” estão por trás disso tudo e não foram completamente derrotadas. Não é preciso ter as habilidades de ver o futuro como as de Paul Atreides para chutar que Desmond é uma espécie de avatar para a IA, mas o principal mistério a ser respondido nas próximas semanas é se Duna: A Profecia tirará proveito do fantástico par de atrizes em seu centro.
Watson e Williams têm pouco com o que trabalhar neste episódio, mas ao menos entendemos a personalidade das irmãs (Valya é fria e calculista, Tula é mais materna e calorosa) quando as duas ganham espaço para respirar em meio aos diálogos expositivos que tanto ditam “A Mão Oculta.” Ver como o relacionamento pessoal das duas pode afetar os grandes planos da Irmandade para o futuro do império é onde está o grande potencial dramático da série. O que acontece quando elas discordarem de como usar uma de suas aprendizes? Ou quando tiverem ideias diferentes para o que fazer com a presença de Ynez em sua casa?
Aproveitar a tensão entre as duas é imperativo para o sucesso da série, já que sua existência à sombra dos filmes, ainda fresquinhos em nossas memórias coletivas, também dificulta a experiência de um ponto de vista estético. De certa forma, é o maior testamento para a importância de Greig Fraser, Hans Zimmer e Jacqueline West para a adaptação de Duna ao audiovisual. Ao menos na primeira hora, os cenários, figurinos e trilha sonora parecem destinados a lembrar versões melhores dessas mesmas coisas que vimos recentemente no cinema. Duna: A Profecia precisa conseguir se sustentar com as próprias pernas, e urgentemente.