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Billy Wilder - Filmografia Comentada - Parte 2

A Incrível Suzana e Sabrina chegam para dar continuidade à série de textos

10.03.2008, às 22H00.
Atualizada em 20.12.2016, ÀS 13H06

Billy Wilder dirigiu quase trinta filmes e escreveu cerca de setenta. Assim como os diretores que mais admirava (e com quem trabalhou), Howard Hawks e Ernest Lubitsch, passeou por todos os gêneros cinematográficos, fez comédias, filmes de guerra, suspenses e dramas. Pouca coisa, fora os mais clássicos, estava disponível em DVD ou mesmo VHS no Brasil, mas agora com duas novas caixas e uma série de edições especiais, já dá para pensar em bolar — aos poucos e fora da ordem cronológica — uma lista completa de seus filmes.

Na edição passada, falamos de Pacto de sangue e Cinco Covas no Egito. Agora, mais dois dos seus clássicos:

A Incrível Suzana
(The Major and the Minor, 1942)

Possivelmente um dos filmes mais tolos da história do cinema, A Incrível Suzana marca a estréia de Billy Wilder como diretor em Hollywood, depois de Mauvaise Graine (1934), rodado na França. O roteiro, assinado por Wilder e Charles Brackett, conta a história de uma moça (Ginger Rogers) que decide sair de Nova York e voltar para casa, em Iowa, mas não tem dinheiro para a passagem de trem. Naturalmente, ela escolhe a saída mais lógica: rouba um balão, faz duas tranças no cabelo e finge ter doze anos para pagar meia passagem. "Sou de origem sueca", diz para o bilheteiro do trem, "meu irmão Olaf mede 1,87m e está na segunda série."

No vagão, Susan "Su-Su" Applegate conhece um major do Exército (Ray Milland) que realmente acredita que ela é criança. Por motivos igualmente verossímeis, ela não só tem que manter a mentira, como é obrigada a passar alguns dias em uma escola militar, junto a 300 cadetes lascivos.

Embora não seja tão elaborado quanto seus filmes posteriores, A Incrível Suzana (no original, O Major e a Menor) já traz uma das marcas registradas do diretor: a ousadia de driblar a censura e apresentar situações escabrosas sem que o público se dê conta. Em Quanto Mais Quente Melhor, Billy Wilder praticamente casa o personagem de Jack Lemmon com Osgood Fielding III, no fim do filme. Em Irma la Douce, a personagem principal é uma prostituta e o mocinho da história é seu cafetão, mas isso não compromete em nenhum momento a leveza do filme. Em Crepúsculo dos Deuses, o protagonista é um gigolô. Aqui, em A Incrível Suzana, Wilder pressupõe um romance entre um major e uma menina de 12 anos, e isso há mais de meio século, disfarçado em um filme inocente e quase infantil. De fato, o senso de humor de Wilder não era nada normal.

Cena: Quando Su-Su entra no baile com os cadetes e percebe que há uma epidemia na escola da sra. Shackleford: todas as garotas pensam que são Veronica Lake.

Objeto de cena: couro cabeludo do sr. Osborne

Frase: "Sorte sua que eu não tenho 12 anos. Eu era uma criança muito direta. Costumava cuspir."

Sabrina
(idem, 1954)

Toda vez que Billy Wilder empacava em uma cena, recorria a uma placa pendurada em seu escritório: "O que Lubitsch faria?". Para ele, que trabalhou no roteiro de Ninotchka (1939), do diretor alemão, Lubitsch era um gênio e muito exigente com seus roteiristas. "Quando entrávamos em pânico, ele corria para o banheiro e voltava com a solução. Nós nos perguntávamos se não havia uma biblioteca secreta nos seus banheiros..." Em 1954, Wilder resolveu voltar à comédia romântica, após dirigir Crepúsculo dos Deuses, A Montanha dos Sete Abutres e Inferno n. 17. Para isso, utilizou seus conhecimentos no "toque Lubitsch" de fazer comédias, principalmente na sofisticação do humor e na construção do enredo.

Em Sabrina, ele filma sua versão moderna para a fábula de Cinderela: a protagonista (Audrey Hepburn) é a desajeitada filha de um chofer que se apaixona pelo patrão milionário, David (William Holden). Desiludida, ela vai a Paris e volta transformada, linda e sofisticada, atraindo tanto David quanto seu irmão mais velho, Linus (Humphrey Bogart). O filme começa com um cacoete de Wilder: a narração em off do protagonista, explicativa porém insólita. As primeiras tomadas mostram a vasta propriedade dos irmãos milionários, descrita por Audrey Hepburn: "A propriedade era, de fato, imensa, e tinha muitos empregados. Havia jardineiros para cuidar dos jardins e um cirurgião vegetal de plantão. Havia especialistas para tomar conta das dependências: da quadra de tênis externa e da quadra de tênis interna, da piscina externa e da piscina interna. E um homem sem título específico que cuidava de um lago no jardim, com um peixinho dourado chamado George".

Embora sem tanto cinismo quanto os filmes anteriores, Sabrina é bem estruturado e envolvente. Começa com "Era uma vez" e termina com final feliz. O único problema é Bogart, que não gostava de Hepburn e passa a maior parte do filme com uma expressão claramente entediada, enquanto ela faz o possível para entretê-lo.

Cena: No barco, quando Sabrina se apaixona pela música "Yes, We Have No Bananas", e mais tarde, quando ela está no escritório de Linus e descobre que vai sozinha a Paris.

Objeto de cena: o suflê de Sabrina nas aulas de culinária. "Uma mulher feliz no amor deixa o suflê queimar. Uma mulher infeliz no amor esquece de ligar o forno."

Frase: "Certo. A reunião da diretoria das Indústrias Larabee será iniciada agora. Como presidente, gostaria de dizer, para começar... Ah, a presidente está tão tonta."

Para saber mais sobre Billy Wilder, leia o excelente ensaio biográfico escrito pelo jornalista Roberto Elísio dos Santos em homenagem ao centenário do cineasta.