Billy Wilder dirigiu quase trinta filmes e escreveu cerca de setenta. Assim como os diretores que mais admirava (e com quem trabalhou), Howard Hawks e Ernest Lubitsch, passeou por todos os gêneros cinematográficos, fez comédias, filmes de guerra, suspenses e dramas. Pouca coisa, fora os mais clássicos, estava disponível em DVD ou mesmo VHS no Brasil, mas agora com duas novas caixas e uma série de edições especiais, já dá para pensar em bolar aos poucos e fora da ordem cronológica uma lista completa de seus filmes.
Bola de Fogo
Montanha dos Sete Abutres
A série está crescendo. Já falamos de Pacto de Sangue e Cinco Covas no Egito, A Incrível Susana e Sabrina, Primeira Página e Se Meu Apartamento Falasse e Irma la Douce e Amor na Tarde, estamos de volta com mais dois clássicos:
Bola de
Fogo
(Ball of
Fire, 1941 - roteiro)
Billy Wilder roteirizou todos os filmes que dirigiu, mas a recíproca não é verdadeira. No início de sua carreira, escreveu para diretores como Ernest Lubitsch (Ninotchka e A Oitava Esposa do Barba-Azul) e Henry Koster (Um Anjo Caiu do Céu). A comédia Bola de Fogo é outro exemplo: roteirizada por Wilder e Charles Brackett, tem direção de Howard Hawks e é uma espécie de Branca de Neve e os Sete Anões às Avessas. Neste filme, um grupo de sete velhinhos, liderados por um professor mais novo (Gary Cooper), se reúne para publicar uma enciclopédia. Eles são especialistas em todos os campos do conhecimento, de botânica a direito, só desconhecem um assunto: o sexo oposto.
Durante uma pesquisa de campo, o prof. Bertram Potts (Cooper) conhece uma cantora, Sugarpuss OShea (Barbara Stanwyck). Ela é procurada pela polícia por causa dos crimes de seu namorado, um chefão da máfia, e decide se esconder na residência dos velhinhos. Aos poucos, a moça conquista os acadêmicos e lhes ensina certas coisas da vida, como animados passos de conga. Naturalmente, o personagem de Gary Cooper se apaixona e decide pedi-la em casamento.
Bola de Fogo é uma comédia simpática, divertida e despretensiosa,
que se assiste com um sorriso permanente no rosto. A trupe de velhinhos
é cativante, com seus pijamas listrados, camisolas e gorros compridos.
Há bons momentos, como quando um dos professores é flagrado pela cantora
e foge. "Esse é o professor Oddly", diz o protagonista. "Tem
mais deles por aí?", ela pergunta, desconfiada, ao que ele responde:
"Espero que não".
Cena: Sugarpuss toca a campainha da casa, à meia-noite e meia, e os velhinhos sobem a escada correndo, de pijamas. Depois, ficam espiando de cima e vão se aproximando aos poucos, assustados.
Objeto de cena: copo de leite
Frase: Quando o professor Potts sai para fazer pesquisa de campo sobre gírias, os outros especialistas começam a duvidar da qualidade de seu material.
Professor 1: "Estou escrevendo sobre o planeta Saturno. Devo insistir para ir até lá?"
Professor 2: "Talvez minhas informações sobre sexo estejam um pouco desatualizadas."
A Montanha
dos Sete Abutres
(Ace in
the Hole, 1951)
Entre todos os filmes que escreveu e dirigiu, Billy Wilder tinha um preferido: A Montanha dos Sete Abutres. Embora seja hoje amplamente aceito pela crítica e cultuado nas faculdades de jornalismo, o filme foi um dos grandes fracassos na carreira do diretor, em parte pelo seu teor pessimista e sem concessões ao espectador mais sensível. Na época, crítica e público rejeitaram a mordacidade do argumento e o cinismo dos personagens. Diante do prejuízo da fita, e sem a permissão de Wilder, a Paramount ainda tentou mudar o título para O Grande Carnaval, mas não deu certo.
Kirk
Douglas faz o papel de Charles Tatum, um jornalista veterano encalhado
na redação de um pequeno diário no Novo México. Um dia, ele esbarra
com a notícia de um soterramento em uma mina e, tentando aproveitar-se
da situação, resolve adiar o resgate da única vítima, um pobre-diabo
chamado Leo Minosa. Tatum deseja explorar o contato privilegiado com
os personagens da história para ganhar um Pulitzer e voltar à redação
de um grande jornal de Nova York. Ganha a amizade de Minosa, seduz sua
pérfida esposa, chantageia o xerife da cidade e faz de tudo para que
a operação de resgate demore o máximo possível. À medida que o
espetáculo vai aumentando, com a chegada de caravanas de curiosos,
da imprensa em massa e diante da tragédia que se anuncia, Tatum vai
se arrependendo e tenta emendar a situação - sem sucesso.
Cena: Aquela final do filme, em que o diretor - que, afora isso, costuma preferir uma abordagem visual direta - junta o artifício das palavras a um enquadramento mais elaborado. "O que você acha de ganhar cem dólares por dia, sr. Boot? Sou um jornalista de cem dólares por dia. Você pode me contratar por nada."
Objeto de cena: Quadro bordado com a inscrição "Tell the truth" (Diga a verdade).
Frase: "Já menti muito na vida. Já menti a homens que usavam cinto. Já menti a homens que usavam suspensórios. Mas nunca fui estúpido a ponto de mentir a um homem que usa cinto e suspensórios."
Para saber mais sobre Billy Wilder, leia o excelente ensaio biográfico escrito pelo jornalista Roberto Elísio dos Santos em homenagem ao centenário do cineasta.